Acórdão nº 50349628520228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 14-04-2022

Data de Julgamento14 Abril 2022
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50349628520228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001970496
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5034962-85.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Gestante / Adotante / Paternidade

RELATOR: Desembargador LEONEL PIRES OHLWEILER

AGRAVANTE: MUNICÍPIO DE NOVA HARTZ

AGRAVADO: SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS DE NOVA HARTZ

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo MUNICÍPIO DE NOVA HARTZ contra a decisão proferida nos autos da ação civil pública movida pelo SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS DE NOVA HARTZ, nos seguintes termos:

"Vistos etc.

1.- DA TUTELA ANTECIPADA:

O SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS DE NOVA HARTZ ajuizou a presente Ação Civil Pública contra o MUNICÍPIO DE NOVA HARTZ.

Em síntese, referiu que, a partir da promulgação da Lei nº 14.151/2021, em 13/05/2021, às trabalhadoras gestantes é garantido o afastamento das atividades do trabalho de forma presencial, sem prejuízo de sua remuneração, durante a emergência de saúde pública decorrente do novo coronavírus (COVID19).

Asseverou que, através da publicação do Decreto Municipal n.º 89/2021, em 23/07/2021, foi determinado o retorno presencial de todos os servidores públicos municipais que estivessem imunizados. Alegou que as servidores gestantes mantiverem-se em teletrabalho ou home-office, contudo, posteriormente, às gestantes foi determinado o retorno às atividades presenciais.

Suscita que a administração municipal balizou a aplicação do referido decreto em elementos que compunham o Parecer n.º 08/2022 da Procuradoria Geral do Município, o qual informa que a ''[...] servidora gestante que não aceitar o retorno presencial, deverá ser cobrado a execução de atividade por teletrabalho ou remoto, até que seja votado e aprovado o Projeto de Lei Federal 2058/2021''.

Sustentou a aplicação das diretrizes constitucionais pertinentes, bem como da Lei Federal n.º 14.151/2021, discorrendo sobre o direito aplicado, em especial ao fato de que o referido diploma federal não impõe o afastamento como condição opcional, requerendo, portanto, em sede de tutela antecipada, que o Município de Nova Hartz cumprisse, imediamente, o disposto na Lei n.º 14.151/2021.

Postulou, ao final, a concessão de medida liminar inaudita altera pars, no sentido de obrigar o Município de Nova Hartz a, durante o período que perdurar o estado de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, nos termos da Lei Federal nº 14.151/2021 a afastar automaticamente as servidoras públicas municipais gestantes, independentemente do período gestacional, do trabalho presencial, garantindo o desenvolvimento de suas atribuições através de teletrabalho, trabalho remoto, home office ou outro que lhe faça as vezes, com o fornecimento de soluções e ferramentas técnicas para tanto, sendo que, na eventual impossibilidade, que o período de afastamento seja considerado como falta justificada, sem prejuízo da remuneração, sendo que caso se verifique o descumprimento de qualquer das obrigações ora estipuladas, deverá ser cominada multa, conforme estabelecido no art. 11 da Lei nº 7.347/85, art. 84 do CDC e art. 498 do CPC.

Vieram os autos conclusos.

É o breve relato.

Decido.

A Lei Federal nº 14.151/2021, de 13/05/2021, assim dispõe:

Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.

Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.

[...]

A matéria, assim como a situação pela qual passa a sociedade atual, é nova e, dado o novel momento, cabe aos entes públicos adaptarem-se, e, ainda que, em casos pontuais e de forma excepcional, as decisões judiciais sobreponham-se às políticas municipárias, sejam orçamentárias, sejam no que tange a sua própria forma de agir, sejam como normas integrativas da sociedade.

É sabido, no Direito Administrativo, que motivo representa sinônimo de fundamento do ato, tanto de fato quanto de direito. Motivo de fato refere-se à verificação das circunstâncias que ensejam a edição do ato. Já o motivo de direito, a verificação dar-se-á no plano da norma jurídica, a partir da qual é possível extrair a determinação legal que há de culminar na prática do ato.

O ato administrativo, para ter validade, deve possuir o motivo a atender ao interesse público, com o fim de atingir o bem comum. Dessa forma, para que o ato seja perfeito, o motivo poderá ser tanto expresso, operando, nesse caso, como um elemento vinculador, ou discricionário, quando estiver a critério do legislador. A falta de motivo ou a indicação de motivo falso acarretam a nulidade do ato.

Dessa feita, chega-se ao conceito: motivo é o pressuposto de fato e de direito que determina ou possibilita a edição do ato administrativo1.

Ao elaborar o texto legal, pode o legislador eleger os motivos do ato ou deixar a sua identificação a cargo do agente ou ente públicos. Dessa forma, quando a norma já estabelece de antemão as condições fáticas que autorizam a prática do ato, o agente praticará um ato vinculado, sendo então mero executor da lei. Por outro lado, pode a norma atribuir ao agente a responsabilidade de verificar se as circunstâncias fáticas justificam a exteriorização da vontade administrativa, caso em que se estará diante de ato discricionário. Frise-se que em ambos os casos deve o agente atuar sempre dentro dos limites da Lei.

No caso da matéria posta nos autos, a Lei Federal nº 14.151/2021, atendendo ao caos sanitário mundial, no fito de proteger tanto a mãe quanto o nascituro.

O Ministério da Saúde, em abril de 2020, por meio de sua Secretaria de Vigilância em Saúde, publicou um guia com recomendações de proteção aos trabalhadores dos serviços de saúde no atendimento de COVID-192 e outras síndromes gripais, no qual recomenda que cada serviço deverá avaliar a possibilidade de afastar profissionais que se enquadrem nos grupos de risco, de acordo com as suas peculiaridades e necessidades. O documento inclui trabalhadoras gestantes e lactantes como sendo do grupo de risco, in verbis:

[...]

trabalhadoras gestantes ou lactantes não devem ser inseridas no atendimento e assistência a casos suspeitos ou confirmados. Devem ser realocados de função, em atividades de gestão ou apoio, de forma a minimizar a chance de contato com pessoas ou ambientes contaminados, preferencialmente em trabalho remoto (ex: teleatendimento).

[...]

Ademais, o documento “Recomendações Gerais para o Funcionamento do Suas durante a Situação de Emergência em Saúde Pública” do Ministério do Desenvolvimento Social (Portaria n.º 54/2020) menciona gestantes como sendo do grupo de risco, in verbis:

[...]

VII - Acompanhamento remoto dos usuários, por meio de ligação telefônica ou aplicativos de mensagens - como WhatsApp, principalmente daqueles tidos como grupos de risco, tais como idosos, gestantes e lactantes, visando assegurar sua proteção;

[...]

Além disso, o Decreto Estadual n.º 55.240 de 2021, no que se refere ao regime de trabalho dos servidores, empregados públicos e estagiários, estabeleceu que:

[...]

Artigo 27: Os Secretários de Estado e os Dirigentes máximos das entidades da administração pública estadual direta e indireta adotarão, para fins de prevenção da transmissão do novo Coronavírus, as providências necessárias para, no âmbito de suas competências:

I – estabelecer que os servidores desempenhem suas atribuições em domicílio, em regime excepcional de teletrabalho, na medida do possível e sem prejuízo ao serviço público;

II – organizar, para aqueles servidores ou empregados públicos a que não se faz possível a aplicação do disposto no inciso I deste artigo, bem como para os estagiários, escalas com o revezamento de suas jornadas de trabalho, sempre que possível, dispensando-os, se necessário, do comparecimento presencial. (redação dada pelo Decreto nº. 55.645/2020).

§ 1.º Terão preferência para o regime de trabalho de que trata o inciso I do “caput” deste artigo os servidores:

I - com idade igual ou superior a 60 anos; (redação dada pelo Decreto nº. 55.645/2020);

II - gestantes;

III - portadores de doenças respiratórias ou imunodepressoras;

IV - portadores de doenças que, por recomendação médica específica, devam ficar afastados do trabalho durante o período de emergência de que trata este Decreto.

§ 2º A modalidade de regime excepcional de trabalho prevista no inciso I do “caput” desse artigo não será adotada nos casos em que atribuições dos servidores e empregados públicos sejam incompatíveis, pela sua própria natureza, com o trabalho em domicílio, tais como a atividade fim nas áreas da Saúde, Segurança Pública, Administração Penitenciária, Defesa Agropecuária e das Fundações de Atendimento Sócio Educativo e de Proteção Especial do Rio Grande do Sul, ressalvada eventual autorização específica e justificada do Secretário de Estado ou do Dirigente máximo da entidade da administração pública direta ou indireta. (GRIFEI)

[...]

Há que se observar que o isolamento social ainda é uma das formas de se tentar minorar a possibilidade de contágio pelo Covid-19, e eventual infecção grave tende a comprometer a evolução da gestação, trazendo riscos não somente ao feto, mas também à mãe, ainda mais considerando a elevação dos casos de contaminação, em decorrencia da variante ômicron.

Mesmo que uma gestante tenha quiçá igual probabilidade de ser infectada quanto uma mulher não-grávida, ela acaba se inserindo em um grupo de risco caso contraía o coronavírus, haja vista a maior chance de sofrer complicações e...

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