Acórdão nº 50351489520188210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoOitava Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50351489520188210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001301479
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5035148-95.2018.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Estelionato (art. 171)

RELATOR: Desembargador LEANDRO FIGUEIRA MARTINS

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra HENRIQUE ARGENTI DA ROSA, afirmando estar incurso nas sanções dos artigos 171, caput, e 297, ambos do Código Penal (CP), pela prática do seguinte fato descrito na peça inicial (evento 3 da ação penal, PROCJUDIC1, fls. 2/4):

1º FATO:

Em data não suficientemente esclarecida, no presente expediente, porém entre os meses de julho a dezembro de 2013, em horário não precisado, na Rua Barão do Amazonas, n.º 2975, bairro Petrópolis, em Porto Alegre/RS, o denunciado HENRIQUE ARGENTI DA ROSA obteve, para si ou para outrem, vantagem patrimonial ilícita, no valor de R$ 6.500,00 (seis mil e quinhentos reais), em prejuízo da vítima José Manuel Pedro da Rocha, que foi induzida em erro, mediante artifício ardil e fraudulento, consistente na promessa de regularizar o habite-se de sua residência junto a Prefeitura Municipal de Porto Alegre e a averbação no Registro de Imóveis.

Na ocasião, a vítima contratou os serviços do denunciado HENRIQUE ARGENTI DA ROSA, por indicação de um amigo que também o havia contratado, para a regularização do habite-se de sua residência junto a Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Foram contratados os serviços pela quantia de R$ 8.000,00 (oito mil reais), tendo pagado R$ 6.500,00 (seis mil e quinhentos reais) no início dos trabalhos e o restante ficaria para a data da entrega da regularização. Desconfiada, a vítima foi até a serventia de Registro de Imóveis, onde recebeu a informação que nada havia sido feito e que sua casa consta ainda como sendo um chalé de madeira.

Os documentos fornecidos pelo acusado à vítima foram juntados ao IP, conforme Auto de Arrecadação (fls. 28/38). A documentação foi encaminhada à Prefeitura Municipal de Porto Alegre e ao 2º Tabelionato de Notas de Porto Alegre (ofícios de fls. 38 e 39 do IP), a fim de apurar as irregularidades, tendo sido apontado, pela Substituta do Tabelião, Patrícia Salum Toigo Leite, vários pontos de falsidade na carta de habitação da fl. 29, do IP.

2º FATO:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local, do fato acima descrito, o denunciado HENRIQUE ARGENTI DA ROSA falsificou documento público, consistente na utilização de papel timbrado pertencente a Prefeitura Municipal de Porto Alegre, confeccionando a Carta de Habitação número 22072013/1803, acostada aos autos à fl. 29.

Na ocasião, o denunciado HENRIQUE ARGENTI DA ROSA, após contratar com a vítima José Manuel Pedro da Rocha os serviços de regularização do habite-se de sua residência, junto a Prefeitura Municipal de Porto Alegre, produziu a referida Carta de Habitação. Após falsificar o referido documento, o acusado forjou a etiqueta e selo de autenticidade do Segundo Tabelionato de Notas de Porto Alegre/RS, inserindo-o no referido documento.

O segundo Tabelionato de Notas de Porto Alegre, ao analisar a autenticidade do documento, mais precisamente com relação ao selo de autenticidade, referiu que ele não se apresenta em sua integralidade, visto que a assinatura do escrevente apresenta-se incompleta, em face de exceder ao limite da etiqueta, provavelmente ficou no documento verdadeiro de onde se extraiu o referido selo. Também restou esclarecido que o tipo de selo utilizado era de um documento de autenticação de verso e anverso e o presente documento falsificado é de folha única, conforme fl. 40”.

Recebida a denúncia em 01/08/2018 (evento 3 da ação penal, PROCJUDIC2, fl. 13) e produzida a prova, a pretensão, nos seguintes termos, foi julgada parcialmente procedente (evento 3 da ação penal, PROCJUDIC3, fls. 37/43):

"ISSO POSTO, julgo parcialmente procedente a pretensão acusatória contida na denúncia para condenar HENRIQUE ARGENTI DA ROSA como incurso nas sanções do art. 171, caput, do Código Penal, absolvendo-o da outra imputação feita, forte no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal.

Passo à aplicação das penas.

CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS: o acusado não registra antecedentes (fls. 85/86v.); as circunstâncias são graves, considerando que, para perfectibilizar a fraude, o réu utilizou-se da falsificação de documento público, consistente na Carta de Habitação prometida à vítima; as demais circunstâncias judiciais do art. 59 do CP não trazem outro elemento concreto ou relevante a ser destacado, pelo que não desfavorecem o réu.

Por isso, fixo a pena-base que, na ausência de outras causas modificadoras, vai tornada definitiva em UM ANO E QUATRO MESES DE RECLUSÃO, devendo ser cumprida, inicialmente, no regime aberto, consoante art. 33 do CP.

Presentes os requisitos do artigo 44, do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, determinando a prestação de serviços à comunidade pelo prazo da condenação, no total de uma hora por dia de condenação em local e condições a serem definidos pelo juízo da execução, consoante o artigo 46, § 3º, do Código Penal, além da prestação pecuniária, no valor de três salários mínimos, a ser convertida em favor da vítima, conforme prevê o art. 45, §1º, do Código Penal, a fim de ao menos amenizar o prejuízo que teve.

Faço esta substituição, ao invés da suspensão condicional da pena, por entender a substituição da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direito mais benéfica à condenada. Além disto, o próprio inciso III do art. 77 do Código Penal estabelece que a suspensão somente será aplicável se não for indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 do mesmo diploma legal.

Aplico ao réu, também, a pena pecuniária de 10 dias-multa, na base de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato, tendo em conta a sua situação econômica.

DISPOSIÇÕES GERAIS:

Custas pelo acusado, ficando suspensa a exigibilidade do pagamento, na forma do artigo 98 do Código de Processo Civil, em razão da hipossuficiência, ora presumida por ter sido assistido pela Defensoria Pública.

HENRIQUE poderá apelar da sentença em liberdade, pois não se encontram presentes os requisitos legais para a custódia cautelar.

Deixo de fixar a indenização prevista no inc. IV do art. 387 do Código de Processo Penal, pois a questão não foi discutida no curso da instrução, inexistindo elementos suficientes para tanto".

Intimado (evento 3 da ação penal, PROCJUDIC4, fls. 13/15), o réu ingressou com apelação por intermédio da Defensoria Pública (evento 3 da ação penal, PROCJUDIC4, fls. 18/19). Em síntese, alegou que (evento 3 da ação penal, PROCJUDIC4, fls. 22/32): (a) o conjunto probatório não permitia a manutenção do édito condenatório; (b) não era possível afirmar "que o réu obteve vantagem ilícita nem que a vítima foi induzida em erro, pois, na verdade, o que ocorreu foi mero acordo comercial entre as partes" (fl. 26); (c) o ofendido havia se negado a efetuar o recolhimento ao INSS, o que impedia a conclusão do serviço de regularização do habite-se contratado; (d) inexistia demonstração de dolo no sentido de ludibriar a vítima para auferir lucro; (e) era impróprio o agravamento da pena-base pela vetorial circunstâncias, justificada pela utilização de documento público falso, visto que não havia prova suficiente da materialidade do referido delito; (f) não tinha condições financeiras de cumprir a prestação pecuniária substitutiva; (g) "o apelante é assistido pela Defensoria Pública do Estado em razão de não ter condições financeiras para arcar com custas processuais, advogado e, também, com a pena estipulada na sentença" (fl. 30); (h) estava configurada hipótese de afastamento da pena de multa em razão das condições econômicas do acusado. Pediu, então, a absolvição ou, subsidiariamente, a redução da pena-base para o mínimo legal, bem como a isenção da exigibilidade da pena pecuniária ou sua redução, com afastamento da multa.

O Ministério Público, em contrarrazões, pleiteou o desprovimento do recurso (evento 3 da ação penal, PROCJUDIC4, fls. 34/42).

Nesta instância recursal, a Procuradoria de Justiça lançou parecer (evento 6, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade (artigo 593, inciso I, do CPP), conheço do recurso da defesa e passo ao exame dos pleitos.

A materialidade do 1º fato descrito na denúncia (estelionato)1 ficou comprovada a partir da prova oral e dos seguintes documentos (evento 3 da ação penal): (1) ocorrência policial (PROCJUDIC1, fls. 9/10); (2) termo de informações (PROCJUDIC1, fls. 33/34); (3) documento denominado Carta de Habitação (PROCJUDIC1, fls. 36/46); (4) informação do Tabelionato de Notas (PROCJUDIC1, fls. 49/50); (5) ofício da Prefeitura de Porto Alegre (PROCJUDIC2, fls. 26/27).

A autoria, por sua vez, também ficou devidamente delineada pelo conjunto da prova, não se identificando, na linha da argumentação da defesa, falta de demonstração do dolo de induzir alguém em erro, mediante meio fraudulento, para obtenção de vantagem ilícita em seu prejuízo.

Com efeito, transcrevo, também adotando como razões de decidir e para evitar desnecessária tautologia, o declinado na sentença subscrita pela Juíza de Direito Vanessa Gastal de Magalhães no pertinente à análise dos fatos e das provas (evento 3 da ação penal, PROCJUDIC3, fls. 37/43):

"A materialidade deste fato veio demonstrada pela comunicação de ocorrência das fls. 03/04, pelos documentos das fls. 29/37, pelo ofício do 2º Tabellionato às fls. 40 e verso, pelo ofício da Prefeitura de Porto Alegre às fls. 61/62, pelos documentos das fls. 76/81, bem como pela prova oral colhida.

Tocante à autoria, o réu HENRIQUE negou a prática delitiva (DVD da fl. 89)....

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT