Acórdão nº 50357211520238217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 23-05-2023

Data de Julgamento23 Maio 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualDesaforamento de Julgamento
Número do processo50357211520238217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003770118
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Desaforamento de julgamento Nº 5035721-15.2023.8.21.7000/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5001643-97.2020.8.21.0113/RS

TIPO DE AÇÃO: Homicídio qualificado (art. 121, § 2º)

RELATOR: Desembargador JOSE ANTONIO CIDADE PITREZ

REQUERENTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

REQUERIDO: SEGREDO DE JUSTIÇA

ADVOGADO(A): ANTONIO FLAVIO DE OLIVEIRA (DPE)

REQUERIDO: SEGREDO DE JUSTIÇA

ADVOGADO(A): JOEL SUSTAKOVSKI (OAB RS118799)

ADVOGADO(A): DANIELA DE PAULA PEREIRA (OAB RS062792)

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO formulou pedido de desaforamento do julgamento de EDSON MARCELO SANTOS DE OLIVEIRA e RAFAEL CASSIANO CIEPLAK, relacionado ao processo originário acima citado, alegando haver dúvida quanto à imparcialidade do Júri, tendo em vista que o crime cometido na comarca de Nonoai, envolve facção criminosa com grande espectro de atuação na região.

Busca, com base no precedente relativo ao processo de nº 70084973528, o desaforamento do processo.

Sustenta que "o réu EDSON MARCELO SANTOS DE OLIVEIRA lidera uma facção criminosa atuante neste município, intitulada “OS MANOS” de dentro do presídio onde está recolhido e monopoliza a narcotraficância local. A aludida facção atua em diversas cidades do estado do Rio Grande do Sul e é responsável por diversos crimes, como associação criminosa, tráfico de entorpecentes, corrupção de menores, incontáveis homicídios, além de outros".

Narra que "O réu RAFAEL CASSIANO CIEPLAK por sua vez, integra a organização criminosa e a investigação realizada pela Autoridade Policial comprova amplamente tal fato, demonstrado não somente o seu envolvimento com o comércio de entorpecentes, mas com a prática de outros crimes, dentre os quais está o homicídio de Alex Paulo Guterres. Os bárbaros delitos cometidos pela organização criminosa geram na sociedade local profundo temor em relação ao líder Edson e os integrantes da facção, eis que capazes de executar friamente qualquer pessoa que não satisfaça os seus interesses."

Nesta toada, razoável a suposição de que o cidadão comum fique ainda mais vulnerável aos seus atos e a mercê de eventuais desmandos que venham a ser cometidos pelos mesmos, face à cadeia criminosa que integram, em virtude de decisão emanada do corpo de jurados, quando do julgamento do homicídio e delitos conexos em questão, motivo pelo qual o desaforamento se revela apropriado.

Enfatiza que a imparcialidade dos Jurados está comprometida e requer, por fim, nos termos do artigo 427 do Código de Processo Penal, seja DESAFORADO o julgamento do processo da comarca de Nonoai, para comarca diversa, evitando-se assim a possibilidade de qualquer pressão sobre o corpo de jurados, garantindo-se, nesta toada, o respeito à imparcialidade dos veredictos do Tribunal do Júri.

Seguiu-se despacho deste Relator, determinando providências, bem como determinando a suspensão da designação da sessão plenária.

Na sequência, em atendimento ao despacho, o juiz singular manifestou-se favoravelmente ao pedido de desaforamento - evento 15.

A defesa de Rafael se manifestou no rumo do indeferimento do pedido - evento 17.

Ja a Defensoria Pública, atuando em defesa de Edson, igualmente postula pelo indeferimento do pleito - evento 25.

Colheu-se parecer escrito da douta Procuradoria de Justiça, no rumo do deferimento do pleito ministerial.

Após, os autos vieram conclusos.

É o relatório.

VOTO

O agente do Parquet da comarca de Nonoai representou pelo desaforamento do julgamento em plenário dos réus Edson e Rafael, denunciados e pronunciados pelo delito de homicídio qualificado, dentre outros, argumentando a existência de dúvida acerca da imparcialidade do Conselho de Sentença, com o que expressamente anuiu o Juiz, sendo contestado pelas defesas dos réus.

Adianto que defiro o pedido de desaforamento nos precisos termos do parecer ministerial exarado nesta instância, da lavra da Drª. Ieda Husek Wolff, o qual reproduzo em parte e adoto como razão de decidir, com a vênia de sua subscritora, evitando inútil tautologia:

“Cumpre observar que o desaforamento se revela medida excepcional, somente autorizada nas hipóteses estritamente previstas na legislação processual penal, sob pena de se violar o princípio do juiz natural.

Em síntese, as hipóteses autorizadoras previstas no artigo 427 do Código de Processo Penal são: a) interesse da ordem pública; b) segurança e integridade do acusado; c) garantia da imparcialidade do Tribunal do Júri.

No caso em tela, vislumbra-se a presença de interesses de ordem pública e de necessidade de garantia da imparcialidade do Tribunal do Júri. Senão vejamos. O interesse da ordem pública consiste na severa intranquilidade social e nos distúrbios locais que poderão ocorrer durante o julgamento. No caso em testilha, o MINISTÉRIO PÚBLICO está a alegar a periculosidade de EDSON e RAFAEL, integrantes de perigosa quadrilha de traficantes (OS MANOS), que aterroriza o estado do Rio Grande do Sul, pela brutalidade com que agem contra seus desafetos, bem como contra todos que possam colocar em perigo a atividade criminosa que desenvolvem. EDSON é apontado como líder da quadrilha na região.

No caso em tela, há evidencias no sentido de que EDSON, mesmo preso, continuava comandando seus negócios escusos e seria o responsável por ameaças e extorsões contra pessoas da comunidade.

A questão foi muito bem detalhada pelo Dr. GUSTAVO BURGOS DE OLIVEIRA, ilustre Promotor de Justiça, o que, para evitar indesejável tautologia, transcreve-se: Roga-se vênia para reproduzir, mutatis mutandis, os argumentos bem lançados pela nobre colega nos autos do pedido deduzido no Processo n.º 70084973528, tendo em vista que em nada diferem da presente situação. Precipuamente, destaca-se que o pedido de desaforamento de julgamento é medida de exceção ao princípio geral da competência em razão do lugar, justificando-se, tão somente, quando presentes algumas das hipóteses do artigo 427 do Código de Processo Penal . Ao tratar do desaforamento, Denilson Feitoza6 leciona que "é a 'transferência' (modificação da competência) do julgamento de um processo do tribunal do júri, de um foro para outro, apenas quanto ao julgamento, ou seja, de um tribunal do júri para outro situado em comarca ou foro distinto, enquanto o processo continua em tramitação no juízo de origem".

Quando o interesse da ordem pública o reclamar, ou quando houver dúvida quanto à segurança pessoal do acusado ou a respeito da imparcialidade do júri, a lei processual penal possibilita o desaforamento do julgamento para comarca diversa do distrito da culpa, onde não subsistam tais circunstâncias prejudiciais à melhor administração da justiça e prolação de um veredicto imparcial. Nessa toada, busca-se através do presente, o desaforamento do julgamento dos réus em razão de interesse de ordem pública, eis que a realização da sessão plenária nesta Comarca importará em risco para a paz social local, assim como para a incolumidade dos jurados, podendo, até mesmo, comprometer a imparcialidade do Júri.

Trata-se, pois, de ação penal complexa, na medida em que o réu EDSON MARCELO SANTOS DE OLIVEIRA lidera uma facção criminosa atuante neste município, intitulada “OS MANOS” de dentro do presídio onde está recolhido e monopoliza a narcotraficância local. A aludida facção atua em diversas cidades do estado do Rio Grande do Sul e é responsável por diversos crimes, como associação criminosa, tráfico de entorpecentes, corrupção de menores, incontáveis homicídios, além de outros. A atuação da organização criminosa em Nonoai/RS é conhecida pelos agentes de segurança pública e foi detalhadamente descrita pelo Delegado de Polícia Marino Franceschi e pelo Policial Civil Eduardo Augusto Boeing Soares quando inquiridos nos autos do processo n.º 113/2.20.0000147-3, onde EDSON também figura como réu pelo crime de homicídio triplamente qualificado. Veja-se: “O Delegado de Polícia Marino Fransceschi [...] referiu que trabalhou há 3 (três) anos em Nonoai e que tomou conhecimento de uma organização criminosa que atua a mando de Edinho e cometem diversos crimes e se identificam como “Os Manos” sendo Edson o líder da facção que atua no município. No que concerne à participação dos envolvidos, frisou que Edson determinou a morte de Alex, pois tem um vídeo onde Edinho questiona se Alex estaria negociando com um traficante da cidade e logo após, efetuaram os disparos contra a vítima. Destacou que ficou bem evidente que a finalidade do crime era eliminar a concorrência [...] Novamente destacou que a vítima estava com muito medo, que a mãe de Alex dizia que ele não ia falar nada em razão do medo. Que as pessoas possuem medo do que possa acontecer, pois os homicídios tem se repetido, que Edson participa em videoconferência a execução dos crimes, que Edson possui livre acesso de celulares no presídio, que ele troca de telefone constantemente. [...] Frisou que a relação de “Ia” e Dani com Edinho é a de que traficam drogas e fazem o que Edson manda. Que a gurizada está colocando as mãos em armas, mas tem que dar 10 tiros pra acertar em alguém, que são determinados pelo detento. [...] No que concerne às extrações dos telefones celulares, não se recorda dos detalhes. Contou que foram apreendidos aparelhos de videomonitoramento no beco das andorinhas, que gravavam em tempo real para ver o movimento, que o aparelho era utilizado pela organização para controlar a movimentação no bairro. Que no período que atuou em Nonoai foram vários homicídios [...]. Que a resistência de Alex contar sobre o ocorrido se deu pelo medo [...]. O Policial Civil Eduardo Augusto Boeing Soares, [...] quando indagado sobre a organização criminosa, disse que se autodenominam “Os Manos” e segundo eles na cidade de Nonoai seriam...

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