Acórdão nº 50363640820218210027 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 26-09-2022

Data de Julgamento26 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Número do processo50363640820218210027
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002714069
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Recurso em Sentido Estrito Nº 5036364-08.2021.8.21.0027/RS

TIPO DE AÇÃO: Contra a Mulher

RELATORA: Desembargadora ROSAURA MARQUES BORBA

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, em face de decisão proferida pelo Juizado da Violência Doméstica e Familiar da Comarca de Santa Maria, que indeferiu o pedido de adoção de medidas protetivas formulado por L.F.S.I, em face de sua ex-companheira, C.M.P, afastando a incidência da Lei Maria da Penha (Evento 4, DESPADEC1, autos nº 5036064-46.2021.8.21.0027).

Em suas razões (Evento 1, RAZRECUR2), sustenta, preliminarmente, pelo conhecimento do recurso, em observância ao princípio da fungibilidade, em razão da ausência de previsão na Lei nº 11.340/06 quanto ao recurso cabível. No mérito, alega que deve ser aplicada a Lei Maria da Penha, pois se trata de situação de violência doméstica contra a mulher, já que vítima tinha relação íntima de afeto com a agressora, sua ex-companheira, independente de sua orientação sexual. Requer a reforma da decisão que afastou a incidência da Lei nº 11.340/06, com o deferimento das medidas protetivas.

A defesa apresentou contrarrazões (Evento 21, CONTRAZ1).

Nesta instância, em parecer, a Dra. SANDRA GOLDMAN RUWEL, Procuradora de Justiça, opinou pelo provimento do recurso (Evento 8, PARECER1).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Cuida-se de recurso em sentido estrito, interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, em face de decisão proferida pelo Juizado da Violência Doméstica e Familiar da Comarca de Santa Maria, que indeferiu o pedido de adoção de medidas protetivas formulado por L.F.S.I, em face de sua ex-companheira, C.M.P, afastando a incidência da Lei Maria da Penha.

Inicialmente, tenho conhecimento da discussão em torno do cabimento do recurso em sentido estrito em face de decisões que indeferem ou deferem adoção de medidas protetivas de urgência da Lei n° 11.340/06. Contudo, subscrevo ao posicionamento desta e. Câmara, que vem decidindo pelo cabimento desta via recursal em casos como o presente, conforme cito:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA OU FAMILIAR CONTRA A MULHER. 1. PRELIMINAR CONTRARRECURSAL. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS OBJETIVOS. ADEQUAÇÃO E TEMPESTIVIDADE. RECURSO DEFENSIVO CONHECIDO. A admissibilidade dos recursos está sujeita ao preenchimento de requisitos objetivos (cabimento, adequação, tempestividade, inexistência de fato impeditivo ou extintivo e regularidade formal) e subjetivos (legitimidade e interesse recursais). À ausência de consenso jurisprudencial a respeito do recurso adequado em se tratando de medidas protetivas de urgência previstas na Lei nº 11.340/2006 - uma vez que este regramento arrola tanto medidas de natureza cível quanto penal e não dispôs expressamente sobre a matéria -,adequada a interposição de recurso em sentido estrito em face de decisão sem força definitiva, uma vez que não pôs fim à controvérsia. Precedente desta 2ª Câmara Criminal. Tampouco não há falar em extemporaneidade, uma vez que no termo de interposição apontou o recorrente que a propositura se deva contra a decisão de manutenção das medidas inibitórias proferida em audiência de conciliação realizada em 23/1/2020, o presente recurso sendo manejado dentro do prazo recursal de 5 dias. Com efeito, adequado e tempestivo o recurso e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, deve ser conhecido. (...) PRELIMINAR CONTRARRECURSAL REJEITADA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DEFENSIVO DESPROVIDO.(Recurso em Sentido Estrito, Nº 50001964420218210144, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Viviane de Faria Miranda, Julgado em: 21-09-2021) - grifei.

Assim, voto por conhecer do recurso em sentido estrito.

No mérito, adianto que merece parcial provimento a insurgência ministerial, senão vejamos:

Conforme boletim de ocorrência policial nº 25474/2021/150507, a ofendida L.F.S.I, teria sido agredida fisicamente pela ex-companheira C.M.P., com socos, chutes, empurrões, restando com lesões, em razão de uma discussão entre elas. Registra que C. seria masculinizada, o que demonstraria uma diferença de gênero entre ambas e justificaria o deferimento de medidas protetivas ( Evento 1, REGOP8, autos nº 5036064-46.2021.8.21.0027).

O juízo da origem afastou a incidência da Lei Maria da Penha, pois não constatou violência de gênero no fato, em razão de as partes serem mulheres, com decisão proferida sob os seguintes argumentos:

"É relatado na ocorrência policial que C. M. P. ofendeu a integridade corporal de sua ex-companheira, L.. Após discussão, desferiu-lhe socos, chutes e empurrões.

Não há incidência da Lei 11.340/06 na espécie.

A Lei especial incide quando: a) a violência tenha sido praticada contra mulher; b) o fato tenha ocorrido no âmbito familiar ou por decorrência de relação íntima de afeto e, c) que as agressões tenham como fundo a vulnerabilidade da vítima, opressão masculino x feminino, caracterizando violência de gênero.

No caso em exame, a agressão foi praticada pela ex-companheira, ambas do gênero feminino, portanto, não há violência de gênero a justificar o tratamento diferenciado peculiar da legislação especial.

A referência a 'atitudes masculinizadas' por parte da ex-companheira não patenteia identidade da agressora com o gênero masculino.

Ainda, maior sensibilidade por parte da ofendida não enseja, por si só, a aplicação da legislação, que deve ter interpretação restritiva em sua aplicação.

Casos peculiares como o presente demandariam atuação mais rica por parte da Polícia Judiciária.

Indefiro, portanto, as medidas requeridas.

Intime-se a vítima.

Extinção, baixa e arquivamento."

Pois bem.

A Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) destina-se a combater a violência doméstica dentro do ambiente familiar, onde se pressupõe a vulnerabilidade da mulher.

Versa a referida legislação:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido...

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