Acórdão nº 50363686020208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 31-08-2022

Data de Julgamento31 Agosto 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50363686020208210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002600551
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5036368-60.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Cartão de Crédito

RELATOR: Desembargador JORGE ALBERTO VESCIA CORSSAC

APELANTE: MARIA GEORGINA MARTINS LAINO (AUTOR)

APELADO: BANCO ITAUCARD S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por MARIA GEORGINA MARTINS LAINO nos autos da ação ordinária ajuizada contra BANCO ITAUCARD S.A., proferida nos seguintes termos:

"DIANTE DO EXPOSTO, JULGO IMPROCEDENTE a ação indenizatória ajuizada por MARIA GEORGINA MARTINS LAINO em face de BANCO ITAUCARD S.A., pelo que revogo a liminar concedida no Evento 9.

Condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor da causa, que deve ser atualizado pelo IGP-M, com juros moratórios de 1% ao mês, a partir da data do trânsito em julgado da decisão, forte no que dispõe o artigo 85, § 2º, do NCPC, restando suspensa a exigibilidade pois beneficiária da GJ.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se."

Em suas razões, a parte autora, preliminarmente, aduz a ocorrência de confissão ficta do apelado porquanto não anexou a respectiva comprovação acerca das compras realizadas, tampouco a preposta, por ocasião de seu depoimento pessoal, esclareceu os fatos.

Quanto ao mérito, salienta que não obstante a alegação de que o cartão possui segurança através de chip e senha pessoal, na data das compras impugnadas, estava de posse de seu cartão, tendo-o utilizado na cidade de Cachoeirinha. Já as compras fraudulentas foram efetivadas em Belo Horizonte, o que evidencia a ocorrência da fraude alegada, ante a impossibilidade física decorrente distância entre os locais. Aponta que os gastos destoam de seu padrão de consumo. Invoca as disposições do CDC. Postula o provimento do recurso.

Houve contrarrazões.

Após, subiram os autos a esta Corte.

A parte apelante anexou documentos.

Vieram os autos conclusos para julgamento, cumpridas as formalidades legais.

É o relatório.

VOTO

DA ADMISSIBILIDADE RECURSAL

Os presentes norteiam-se pelas disposições processuais estabelecidas pelo Código de Processo Civil de 2015.

Inicialmente, não conheço dos documentos anexados após a interposição do recurso de apelação, ante a manifesta intempestividade.

Com fundamento no art. 1010, §3º, in fine, presentes os pressupostos de admissibilidade intrínsecos e extrínsecos, recebo o apelo em ambos os efeitos.

Ausentes quaisquer das hipóteses previstas no art. 933 do CPC, passo ao exame do recurso.

CONFISSÃO FICTA. NÃO CARACTERIZAÇÃO

Pretende a apelante o reconhecimento da confissão ficta do réu (art. 385, §1°, do CPC1), ante o desconhecimento dos fatos pelo preposto em audiência.

Sobre a confissão ficta, lecionam Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (in: Novo curso de processo civil: a tutela dos direitos mediante procedimento comum, volume 2/3. ed. rev. atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. p. 270):

[...] a confissão é ato positivo da parte, que declara em juízo ter ciência de que certo fato realmente ocorreu (fato este favorável à parte contrária e prejudicial a si). A lei, todavia, equipara a essa confissão – e para fim de estimular a parte a comparecer em juízo e prestar depoimento sobre os fatos da causa – a ausência da parte depoente ao ato de colheita de seu depoimento pessoal, ou ainda sua recusa em depor (art. 385, §1º). A essa ficção jurídica é que se designa confissão ficta.

Convém, assim, ressaltar que a confissão efetiva constitui conduta positiva de alguém, atitude da parte realmente ocorrida no mundo fático, e que, por isso, foi presenciada pelo magistrado (ou por outra pessoa habilitada a documentá-la), não podendo ser desprezada. Ao contrário, a confissão ficta consiste em mera ficção jurídica – imposição do legislador -, sendo de somenos relevância se reflete ou não o efetivamente ocorrido. Dessas ideias, pode-se desde logo considerar que a confissão efetiva representa certamente argumento (para o juiz) robusto e quase insuperável, já que consiste no reconhecimento, pela parte, de que certo fato, contrário ao seu interesse e favorável ao interesse da parte adversa, efetivamente se passou da forma como narrado por esta última. Já a confissão ficta, como ficção de confissão que é, advém de mera imposição legal (de regra abstrata e genérica), e é desvencilhada dos fatos concretos da causa.

Ocorre que além de a parte demandada não ter sido devidamente intimada para prestar depoimento pessoal, sob pena de confesso, conforme determina o art. 385, §1º, do CPC, Ev.62, CARTA1, Origem, o mero desconhecimento dos fatos pelo preposto que compareceu em audiência não implica em confissão ficta, conforme jurisprudência desta Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INDENIZATÓRIA. O desconhecimento do preposto acerca dos fatos discutidos nos autos não acarreta por si só a confissão ficta, sendo que sequer presumiria a veracidade das alegações. Jurisprudência da Corte. Preliminar rejeitada. Não há falar na devolução de valores e fixação de indenização, pois o contexto dos autos não demonstrou a responsabilidade da requerida no cancelamento da participação da autora em programa de financiamento estudantil, tendo também a desídia desta corroborado para a situação vivenciada. Manutenção da sentença que se impõe. AFASTARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 70078353208, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Walda Maria Melo Pierro, Julgado em: 29-08-2018)

Apelação cível. Responsabilidade civil. Ação de indenização por danos morais e estéticos. Não configuração da confissão ficta. O desconhecimento de alguns fatos pelo preposto da ré, não caracteriza, por si só, a confissão ficta, não podendo ser aplicada a pena de confissão. Ademais, caso configurada, a confissão ficta gera apenas presunção relativa de veracidade dos fatos, ou seja, depende da análise do conjunto probatório restante dos autos. Alegação de falha no sistema de airbag. Não configuração. Prova pericial apontando de forma correta a situação ocorrida no acidente. O laudo pericial apontou pela inexistência de falha no acionamento do airbag, o que torna afastada a pretensão indenizatória do consumidor. Inteligência do art. 12, § 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor. Apelo não provido.(Apelação Cível, Nº 70071682025, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ney Wiedemann Neto, Julgado em: 25-05-2017)

Desacolho, portanto, a alegação.

DA FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

O sistema criado pelo Código de Defesa do Consumidor estabelece a responsabilidade objetiva dos prestadores de serviço, especialmente nos artigos 3°, § 2°, e 14 daquele Diploma Legal.

No entanto, referida presunção não é absoluta, notadamente porque o próprio artigo 14 traz excludentes daquela, verbis:

“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes e inadequadas sobre sua fruição e riscos.

(…)

§ 3o. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II – A culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”

Não obstante as disposições do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, esse não pode servir de pretexto para a parte autora deixar de demonstrar, ainda que minimamente, a verossimilhança de suas alegações.

Ou seja, ainda que se trate de relação de consumo, a inversão do ônus probatório em face da hipossuficiência da parte autora não é absoluta, eis que juris tantum, sendo necessário que o postulante acoste provas que demonstrem ou agreguem o mínimo de verossimilhança aos fatos arguidos.

No caso concreto, a pretensão se fundamenta na suposta falha da prestação de serviços perpetrada pela instituição financeira em face de débitos lançados nas faturas de cartão de crédito da autora, as quais não reconhece como devidos.

Em sede de contestação, o demandado trouxe áudio, Ev.17, CONT1, fl.03, gravado por ocasião da ligação da autora para a central de atendimento, oportunidade em que noticiou ter sido vítima do conhecido "golpe do motoboy".

Oportuna a transcrição parcial daquele:

"Atendente: me informe os 4 últimos números do cartão.

Autora: Eu não tenho, querida. Olha o que aconteceu. Ontem à tarde me ligaram, tá, do Credicard, dizendo que... perguntando se eu tinha feito uma compra, tá, no Shopping Lindoia no valor de R$ 2.980,00. Aí eu disse que não. Aí ele disse então você liga pro... pra central do Credicard que vão lhe... que bloqueiam o cartão. Aí eu liguei, tá, liguei ontem e aí uma pessoa, uma... eu não me lembro o nome da atendente agora, ela bloqueou meu cartão e disse pra mim que... recolheu meu cartão, tá, foi um rapaz lá onde tava o meu cartão e... e levou meu cartão, entendeu? Que ela aí disse que meu cartão ia pra perícia.

Atendente: Mandou buscar na casa da senhora esse cartão?

Autora: Isso.

Atendente: E...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT