Acórdão nº 50366067920208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 01-03-2023

Data de Julgamento01 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50366067920208210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003222438
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5036606-79.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Moral

RELATORA: Desembargadora LUSMARY FATIMA TURELLY DA SILVA

APELANTE: ANTONIO SIMõES (AUTOR)

APELADO: GBOEX-GREMIO BENEFICENTE (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por ANTONIO SIMÕES contra a sentença (evento 99, SENT1) que, nos autos desta ação de declaração de inexistência de débito cumulada com pedido de repetição de indébito e indenizatória por danos morais que move em face de GBOEX-GREMIO BENEFICENTE, julgou improcedente a demanda.

Adoto o relatório da r. sentença, que bem narrou o presente caso:

Antônio Simões ajuizou Ação Declaratória de Inexistência de Débito cumulada com Danos Morias e Danos Materiais em face de Gboex – Grêmio Beneficente, ambos qualificados no feito, pelos motivos a seguir expostos.

Alegou, em síntese, a ocorrência de descontos em sua conta bancária da Caixa Econômica Federal o valor de R$162,27 pela ré. Alegou desconhecer a origem dos descontos e jamais ter autorizado serviço ofertado pela ré. Discorreu que após contato com a ré, foi informado que trata-se de suposto plano individual de pecúlio com seguro. Referiu que posteriormente a ré enviou cópia de contrato supostamente assinado pelo autor, entretanto as assinaturas são divergentes da verdadeira da parte. Pugnou pela concessão da gratuidade de justiça e a procedência, declarando-se a inexistência do débito e condenando-se a parte ré ao pagamento de indenização, a título de danos morais, bem como repetição em dobro dos valores descontados indevidamente. Juntou documentos (Evento 01).

Deferida gratuidade da justiça à demandante (Evento 3).

Citada (Evento 05), a demandada ofertou contestação (Evento 6).

Preliminarmente, arguiu a prescrição trienal do pedido de restituição dos valores. No mérito, narrou que os descontos negados pelo autor tem origem a proposta de Planos de Benefícios de Caráter Previdenciário, operado na modalidade Pecúlio e Renda, devidamente assinado pelo autor, bem como expressamente autorizado o débito em conta. Requereu a realização de perícia grafotécnica para auferir a veracidade das assinaturas da autora nos contratos. Negou a ocorrência de danos morais. Sustentou a impossibilidade de devolução dos valores descontados. Postulou a improcedência da ação movida pela autora. Anexou documentos.

Houve réplica (Eventos 11).

Instadas acerca da dilação probatória, a parte autora postulou interesse na realização de perícia grafotécnica (Evento 19).

As partes apresentaram quesitos periciais (Eventos 55 e 56).

Sobreveio o laudo pericial (evento 80).

Encerrada a instrução, as partes apresentaram memoriais (Eventos 96 e 97).

Vieram os autos conclusos para julgamento

E o dispositivo sentencial foi exarado nos seguintes termos:

Isso posto, com fundamento no art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil, julgo improcedente a Ação Declaratória de Inexistência de Débito cumulada com Danos Morais e Danos Materiais movida por Antônio Simões em face de Gboex – Grêmio Beneficente.

Tendo em conta o Princípio da Sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios da parte adversa, fixados, observados os critérios do artigo 85 do CPC, fixo em R$ 1.000,00 (mil reais). Suspendo a exigibilidade dos ônus sucumbenciais em relação ao demandante, porquanto beneficiário da assistência judiciária gratuita.

Em suas razões recursais (evento 104, APELAÇÃO1), a parte autora sustenta que a perícia concluiu que a assinatura constante na documentação trazida pela parte adversa é falsificada. Sinala que o perito deixa claro, ele tem uma convicção mediana que a assinatura é falsa, logo,diante de qualquer outra prova, necessária seja reformada a sentença e julgada procedente a demanda, sob pena de interpretar-se o CDC ao contrário, vez que diante de uma dúvida razoável como a posta a questão deve ser interpretada de forma mais favorável ao consumidor. Requer o provimento do recurso.

Sobrevieram as contrarrazões da parte autora (evento 108, CONTRAZAP1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Tendo em vista a adoção do sistema informatizado, os procedimentos previstos nos artigos 931, 932 e 934 do CPC foram simplificados, porém cumpridos na sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é de ser conhecido, porquanto preenchidos os pressupostos de sua admissibilidade, sendo tempestivo e estando dispensado o preparo pela concessão da gratuidade da justiça.

Da leitura da petição inicial, tem-se que o autor nega a existência de qualquer contratação de serviços com a parte requerida, aludindo que os descontos mensais realizados na conta bancária teriam sido perpetrados de forma infundada.

Por sua vez, a ré sustenta que os descontos foram legítimos, em virtude da contratação de plano de pecúlio com autorização de débito em folha de pagamento e/ou conta, consoante documentos por ela acostados. Defende a licitude dos descontos perpetrados na folha de pagamento do demandante.

Pois bem.

A sentença lançada no feito, conforme se depreende do relatório, foi de improcedência, tendo sido assentado pelo Juízo de Origem que a perícia técnica realizada concluiu que a assinatura não apresenta indícios de falsificação ou montagem na sua estrutura.

De uma leitura atenta do conjunto probatório contido nestes autos, com o devido respeito ao entendimento do Juízo de Origem, não há provas que evidenciem, com convicção, a contratação do plano de pecúlio por parte do demandante. Com efeito, os documentos acostados pelo réu, em sede de defesa, não podem servir como prova da contratação, pois, uma vez submetidos à realização de prova pericial grafodocumentoscópica, consoante laudo pericial (evento 80, LAUDO2), não se revelaram verdadeiras as assinaturas postas nos contratos apresentados.

Veja-se a conclusão a que chegou a perita que confeccionou o laudo:

Os documentos questionados foram examinados em seu todo, não tendo sido identificados indícios de falsificações ou montagens na sua estrutura. O confronto entre as assinaturas questionadas foram apresentadas ao longo do item 7 do laudo.

O exame, com base no método Grafocinético, identificou que, apesar de as assinaturas apresentarem semelhanças em seu aspecto formal (inclinação, espaçamentos e ligação entre traços e calibre das letras), sobretudo em razão da baixa complexidade da assinatura padrão, se tratando, portanto, de um tipo consideravelmente propenso a tentativa de imitação, foram constatadas incompatibilidades grafocinéticas, em relação aos hábitos da escrita do punho do autor, como método de construção de alógrafos de letras, gênese gráfica, pressão e velocidade da escrita - que pode ter tido reflexos também na divergência entre ataques e remates. Embora os sinais de senilidade na escrita não tenham alterado o dinamismo e a habilidade de punho, por outro lado, causam considerável variabilidade na construção dos traços. Em suma, as divergências encontradas nas assinaturas também poderiam ser oriundas de uma variabilidade do punho do autor, ainda que em uma possibilidade remota, uma vez que ambas possuem idades gráficas semelhantes.

Ante o exposto, os resultados encontrados no estudo pericial, realizado por meio do método Grafocinético, sustentam moderadamente a hipótese de que a assinatura questionada no referido documento não partiu do punho de Antonio Simões.

Na escala de probabilidades da abordagem bayesiana, descrita no item 5, a conclusão apresentada para a firma questionada enquadra-se no terceiro dos quatro graus de convicção possíveis com a metodologia empregada para esta perícia, que são os seguintes:

1) Máximo (convicção acima de qualquer dúvida razoável).

2) Alto (forte convicção).

3) Moderado (convicção mediana).

4) Nulo (quando não é possível atribuir a autoria do fornecedor dos padrões).

Os sinais de escrita senil do punho do requerente, embora não tenha afetado o desempenho do exame, não deixou de ser um fator limitante para que a perícia atingisse o grau alto ou máximo de convicção da escala empregada nesta conclusão.

Veja-se que a despeito da conclusão pericial não ser categórica no sentido de afirmar a falsidade de assinatura, a expert indica que pode, ainda que moderadamente (isto é, sem plena convicção), aduzir que a assinatura em liça não é oriunda do punho do demandante.

Por conseguinte, observada também a incidência das disposições do Código de Defesa do Consumidor, e considerando que a parte ré, após ter conhecimento acerca do laudo pericial, não colacionou qualquer prova concreta quanto à veracidade das assinaturas, defendendo apenas, em resumo, que o laudo pericial não vincula a decisão a ser prolatada pelo magistrado. Grifo, ainda, que a mera análise leiga de comparação entre as assinaturas não é capaz de infirmar as conclusões obtidas pela profissional.

Assim, não há prova hábil a embasar, de forma concreta, o entendimento de que as partes celebraram um negócio que justificasse os descontos na conta bancária do demandante.

Diante desse contexto, ponderando a legislação aplicável à espécie e a prova contida nos autos, entendo que se evidencia que os descontos perpetrados pela requerida se deram de forma indevida.

Salienta-se que, havendo reconhecimento da existência de fraude de terceiro, aplica-se à hipótese a Teoria do Risco do Empreendimento (art. 14, §1º, I a III, do CDC), pela qual responde o fornecedor de produtos e serviços pelos riscos decorrentes de sua atividade lucrativa, independentemente de culpa. Ademais, a parte autora, mesmo que não tenha sido parte direta da relação que deu ensejo à presente ação, equipara-se à condição de consumidor, nos termos do art. 17 do CD...

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