Acórdão nº 50375184720188210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Criminal, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50375184720188210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002305002
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5037518-47.2018.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Leve (art.129, caput)

RELATOR: Desembargador RINEZ DA TRINDADE

RELATÓRIO

Na Comarca de Porto Alegre/RS o Ministério Público ofereceu denúncia contra S.F.T. dando-o como incurso nas sanções dos artigos 129, §9º e 147, caput, c/c artigo 61, inciso II, alínea "f", na forma do artigo 69, todos do Código Penal.

Adoto o relatório da sentença (processo 5037518-47.2018.8.21.0001/RS, evento 3, PROCJUDIC2 - fls. 19/28):

"1. RELATÓRIO

O Ministério Público denunciou S.F.T. como incurso nas sanções dos artigos 129, §9 e 147 combinados com art. 61, inc. II, alínea f, na forma do art. 69, todos do Código Penal.

Narra a denúncia que:

"FATO 01 - AMEAÇA NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER.

No dia 08 de outubro de 2016, às 21h30min, na Rua Souza Lobo, 105, Vila Jardim Porto Alegre, o denunciado S.F.T., precavendo-se das relações domésticas e familiares que mantinha com J.V.S.T, sua companheira e E.H.S.T., sua filha, por motivo não esclarecido, ameaçou, por meio de gestos, causar-lhe mal injusto e grave consistente em matá-la oportunidade em que apontou uma faca em direção as vítimas.

A vítima ofereceu tempestiva representação.

FATO 02 - LESÃO COORAL NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER.

No dia 08 de outubro de 2016, às 21h30min, na Rua Souza Lobo, 105, Vila Jardim Porto Alegre, O denunciado S.F.T., prevalecendo-se das relações domésticas e familiares que mantinha com J.V.S.T., sua companheira, por motivo não esclarecido, ofendeu-lhe a integridade corporal, tendo-lhe apertado o pescoço para tentar esganá-la, do que resultaram as lesões de natureza leve descritas no Laudo Pericial no 155407/2016 (fl. 07): 'Distribuídas pela região cervical lateral direita e esquerda (seis) soluções de continuidade superficiais (escoriações) mede a maior quinze milímetros por dez milímetros."

A denúncia foi recebida em 16/04/2019 (fl. 21).

Citado (fls.24/24v), o réu apresentou resposta à acusação por meio de defensor público (fl. 26/26v).

Durante a instrução, foi ouvida a vítima e interrogado o réu (fl. 40).

Substituídos os debates orais por memoriais, o Ministério Público, entendendo demonstradas a materialidade e a autoria delitiva, pugnou pela procedência da ação penal com a condenação do acusado, nos termos da denúncia (fls. 42/43v).

A defesa técnica, por sua vez, postulou pela absolvição do acusado, por insuficiência de provas com fulcro no art. 386, inciso VII do Código de Processo Penal (fls. 44/45v)."

Processado o feito, sobreveio sentença a qual julgou procedente a denúncia, CONDENANDO o réu à pena de 04 meses e 10 dias de detenção, em regime aberto, sendo concedido o sursis pelo período de 02 (dois) anos, nos termos do artigo 77, mediante prestação de serviços a comunidade pelo prazo da pena fixada, participação em grupo reflexivo de gênero, apresentação bimestral em Juízo e não se ausentar da comarca onde reside, por mais de 30 dias consecutivos, sem autorização prévia (processo 5037518-47.2018.8.21.0001/RS, evento 3, PROCJUDIC2 - fls. 19/28).

Irresignada, a Defensoria Pública interpôs recurso de apelação (processo 5037518-47.2018.8.21.0001/RS, evento 3, PROCJUDIC2 - fl. 29).

Em suas razões, a Defesa fez breve relato dos fatos. Postulou a reforma da sentença, asseverando que o acervo probatório coligido se revela insuficiente para autorizar a condenação do réu, sobretudo por estar alicerçado unicamente na palavra da vítima. Argumentou que quanto ao delito de lesões corporais, não há comprovação de dolo ou de intenção de lesionar, não passando de mera vias de fato. Por fim, em sendo mantida a condenação, pugnou pelo afastamento da agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea "f" do CPP, sob alegação de bis in idem, bem como sejam readequadas as condições do sursis, afastando a prestação de serviços à comunidade. Ao final, pediu provimento ao recurso com o prequestionamento da matéria (processo 5037518-47.2018.8.21.0001/RS, evento 3, PROCJUDIC2 - fls. 32/38).

O Ministério Público apresentou contrarrazões recursais, postulando o improvimento do recurso defensivo (processo 5037518-47.2018.8.21.0001/RS, evento 3, PROCJUDIC2 - fls. 40/49).

Com vista ao Ministério Público, o Procurador de Justiça, Dr. Luciano Pretto, exarou parecer opinando pelo conhecimento e improvimento do recurso defensivo (processo 5037518-47.2018.8.21.0001/TJRS, evento 7, PARECER1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Desembargadores.

Conheço do recurso de apelação, uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade.

Trata-se de apelação defensiva interposta contra a sentença proferida pelo 1° Juizado de violência doméstica e familiar da Comarca de Porto Alegre, que condenou o réu S.F.T. pela prática dos delitos previstos nos art. 129, § 9º, e 147, caput, c/c artigo 61, inciso II, alínea ‘f’, na forma do artigo 69, todos do Código Penal, à pena de 04 meses e 10 dias de detenção, em regime aberto, sendo concedido o sursis pelo período de 02 (dois) anos, nos termos do artigo 77, sob condições.

I. DA INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA

Pugna, a Defesa, pela reforma da sentença, com a absolvição das acusações apontadas, ante a alegada insuficiência probatória.

A materialidade se encontra devidamente comprovada considerando o Boletim de Ocorrência Policial (processo 5037518-47.2018.8.21.0001/RS, evento 3, PROCJUDIC1 - fls. 08/09), pelo Laudo Pericial nº 155407/2016 (processo 5037518-47.2018.8.21.0001/RS, evento 3, PROCJUDIC1 - fl. 12) e pela prova oral coligida aos autos.

Quanto à autoria, extrai-se da prova oral constante nos autos:

- A vítima J.V.S.T. em seu depoimento em juízo:

"Afirmou que o denunciado a ameaçou com uma faca, momento em que a filha do casal gritou, o que fez com que o réu cessasse a ameaça. Disse não se recordar exatamente de como ocorreram as agressões, mas que o acusado teria pego a depoente pelo pescoço, com o intuito de esgoela-la, momento em que a filha do casal interveio e separou-os. Salientou que o acusado é diagnosticado com Transtorno Bipolar e não faz uso de medicamentos necessários." (Grifei)

- O réu S.F.T. em seu interrogatório em juízo:

"Confessou a prática do delito de lesões corporais. Disse que ele e a vítima discutiram, e que ele agiu sem pensar. Em relação ao delito de ameaça afirmou não se recordar de ter ameaçado a ofendida com uma faca." (Grifei)

Assim, extrai-se das provas constantes nos autos que o réu ameaçou a vítima com uma faca, tendo sido cessada a ameaça pela filha do casal que gritou. Ainda, o réu agrediu a vítima a pegando pelo pescoço, com o intuito de enforcá-la, novamente tendo sido interrompido pela filha do casal.

Veja-se que o próprio réu confessou em juízo as agressões, apenas não se recordando da ameaça.

No entanto, não se verifica nenhuma justificativa no sentido de que a ré tenha faltado com a verdade quanto ao delito de ameaça, ainda mais tendo em vista as provas constantes nos autos confirmando o delito de lesão corporal, constando no Laudo Pericial as lesões na região do pescoço, bem como a própria confissão do apelante.

Cabe salientar que a orientação jurisprudencial, para os crimes ocorridos em âmbito doméstico, tem por sentido valorar como prova a palavra da vítima, assumindo crucial importância em razão de inexistência presencial de testemunhas em delitos desta natureza, devendo ser esta coerente e com verossimilhança junto às demais provas colhidas, em especial à prova pericial.

A respeito da importância que assume a palavra da vítima na ocorrência de delitos dessa natureza, colaciono o seguinte julgado recente desta Terceira Câmara Criminal:

APELAÇÃO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÕES COORAIS. AMEAÇA. VIAS DE FATO. PROVA. PALAVRA DA VÍTIMA. CONDENAÇÃO MANTIDA. Nos delitos praticados no âmbito doméstico, às ocultas, a palavra das vítimas assume especial valor probatório. Precedentes. Caso em que os relatos das vítimas afiguram-se verossímeis e coerentes, além de que restaram amparados nas provas periciais produzidas. Juízo condenatório confirmado. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70066327685, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Miguel Achutti Blattes, Julgado em 04/05/2016)” (grifei)

- DO CRIME DE LESÃO COORAL

Quanto ao crime de lesão corporal a defesa alegou insuficiência probatória para a configuração do ilícito. Sustenta que a materialidade e autoria delitiva baseou-se apenas na palavra da vítima.

Não merece amparo o argumento defensivo.

Constituindo-se o processo penal como sendo uma forma de se buscar a verdade processual dos acontecimentos para que seja possível aplicar, ou não, uma sanção penal ao seu infrator, impende destacar que todas as provas colhidas no decorrer da instrução devem ser avaliadas dentro de um contexto harmônico para que se possa concluir pela condenação do acusado ou por sua absolvição.

Diante destas considerações, a palavra da vítima, embora possua fundamental importância quanto à elucidação dos fatos, deve, também, guardar similitude com as demais provas, como é o que ocorre no presente caso concreto em que o Laudo Pericial n° 155407/2016 apontou a ofensa à integridade física da ofendida, constando a descrição das seguintes lesões: "Distribuídas pela região cervical lateral direita e esquerda (seis) soluções de continuidade superficiais (escoriações) mede a maior quinze milímetros por dez milímetros." (processo 5037518-47.2018.8.21.0001/RS, evento 3, PROCJUDIC1 - fl. 12).

Por sua vez, cabe considerar que não existem elementos nos autos que possam desmerecer o relato da vítima, restando confirmado, inclusive, pela confissão do réu em juízo.

A Defesa ainda...

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