Acórdão nº 50377696520188210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoNona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50377696520188210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002277274
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5037769-65.2018.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA

APELANTE: FERNANDA FRAGA GARCEZ COSTA (AUTOR)

APELANTE: IRMANDADE DA SANTA CASA DE MISERICORDIA DE PORTO ALEGRE (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

De início, reporto o relatório constante da sentença.

FERNANDA FRAGA GARCEZ COSTA ajuizou Ação de Indenização por Danos Morais em face de IRMANDADE SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PORTO ALEGRE, já qualificados na inicial. Disse que em 12/10/2017 deu entrada no nosocômio réu para atendimento, pois estava grávida e apresentava contrações. Narrou que por um infortúnio do preposto do demandado, a autora feriu-se com uma agulha que se encontrava no travesseiro do leito hospitalar, ocasionando o acidente que deu origem a sério e longo tratamento retroviral. Mencionou que após o acidente submeteu-se a realização de uma bateria de exames entre eles: HIV, Hepatite B, sífilis + sorologias: Anti -HIV, Anti-HCV, Anti-HBS, HnSag, VDRL, Herpes Virais, HTLV, CMV Toxoplasmose e rubéola. Argumentou que em razão de tal situação teve que fazer uso de coquetel de profilaxia contra HIV, até o fim da gestação e parto, bem como se abster de amamentar seu filho em razão dos riscos a qual esteve exposta. Narrou que a responsabilidade do nosocômio é objetiva nos termos do que determina o art. 14 do CDC. Destacou a conduta ilícita do hospital ao deixar de adotar as medidas necessárias de segurança e descarte de material contaminado, restando comprovado o dever de indenizar. Colacionou jurisprudência. Pediu a incidência do CDC. Pediu a indenização a título de danos morais, bem como dos danos pelo desvio produtivo, já que tal transtorno afetou diretamente a rotina da autora gerou desvio produtivo involuntário trazendo angústia e estresse para a demandante. Pediu a indenização a título de danos morais na ordem de R$ 100.000,00. Juntou documentos. Deferida a gratuidade da justiça à autora (fl.115). Citado o réu contestou a ação alegando que a autora e seu marido foram informados dos procedimentos a serem adotados para o acidente que ocorreu dentro das dependências do hospital. Relatou não ter a disponibilidade de fornecimento do tratamento completo para a autora, uma vez que tais protocolos são fornecidos pela rede pública. Disse que no dia do evento disponibilizou à autora a medicação adequada para aquele dia, e encaminhou à demandante à Secretaria Municipal da Saúde que estava fechada, em razão do final de semana, razão pela qual a ré lhe disponibilizou mais uma dose de profilaxia. Informou que decorrido um mês do atendimento acima referido, a parte autora retornou ao nosocômio para coleta de sorologias, sendo orientada a retornar no dia seguinte para acessar o resultado dos exames, porém sem êxito, visto que não retornou ao hospital. Relatou que foram feitas várias tentativas de contato com a autora, e em 04/01/2018, após localizar a demandante, esta informou que não retornaria ao hospital, pois não tinha condições financeiras de deslocamento. Afirmou que embora a autora tenha alegado a dificuldade financeira para eventuais deslocamentos ao hospital, restou comprovado com a documentação juntada de que a paciente obteve o tratamento na rede pública na sua totalidade. Destacou que as orientações dadas à autora para que não amamentasse seu bebê se deu para evitar situações de risco, ao nascituro. Pediu a concessão da gratuidade da justiça, bem como a improcedência da presente ação. Juntou documentos. Deferida a gratuidade da justiça à ré (fl.307). Indeferido pedido de segredo de justiça. Instadas as partes a manifestarem interesse na produção de outras provas, a demandada solicitou a produção de prova oral (fl.310), cujo pedido foi deferido (fl.311). Realizada audiência de instrução e julgamento (fl.325/331). Apresentados memoriais pelo demandado (fl. 334/336).

Deliberando acerca do mérito, estabeleceu o Juízo de 1ª Instância:

Isso posto, nos termos do que determina o art. 487 inciso I do CPC, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido da parte autora, para condenar a ré a indenizá-la em R$ 8.000,00 a título de danos morais, corrigidos a contar da publicação da sentença e juros legais a contar da citação. Condeno a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 20% sobre o valor da condenação, nos moldes do que determina o art. 85 §2º, do CPC, restando suspensa uma vez que litiga sob o pálio da gratuidade da justiça.

A ré apela. Em preliminar, registra sua intenção de formalizar acordo aos fins de encerrar o presente litígio. No mérito, assevera ter prestado à autora toda a assistência que lhe era possível, a qual optou por dar continuidade ao seu acompanhamento em outra instituição. Refere não ter sido comprovado que a demandante tenha sofrido perda de tempo por conta do fato trazido com causa de pedir, pois não juntou cópia de prontuário evidenciando acompanhamento de suas sorologias e de seu bebê nos 6 meses posteriores ao acidente. Alega que seus prepostos se dedicaram para reduzir ao mínimo o risco de contaminação da apelada e sua criança, com atendimento médico, exames e orientações sobre os cuidados necessários a tanto e esclarecido que a demandante não deveria amamentar. Sustenta que a despeito de não refutar a ocorrência, nega ter praticado ato doloso ou cometido ilícito contra a autora, motivo por que se insurge quanto ao montante indenizatório arbitrado na sentença, amparado apenas na responsabilidade objetiva e sem que a apelada tenha sido a qualquer dano. Requer, ao fim, o provimento da Apelação em seus termos, para se julgar a demanda improcedente ou, acaso mantida a condenação, seja reduzido o valor fixado para indenizar os danos morais, com o rateio dos encargos de sucumbência.

A autora apresentou Recurso Adesivo. Menciona que o dano moral restou caracterizado pelo fato, não contestado, de ter sido ferida por uma agulha hospitalar, já usada por outro paciente, localizada embaixo do travesseiro do leito a que foi conduzida para atendimento clínico no hospital demandado. Diz que o ocorrido a expôs a constrangimento, gerando o dever de indenizar. Alude que acidentes com materiais perfurantes e/ou cortantes em ambientes hospitalares geram obrigação de indenizar inclusive os funcionários. Cita jurisprudência e postula, ao final, a majoração do valor compensatório ao dano, haja vista ter sido submetida ao uso de antirretrovirais, pelo que restou impossibilitada de amamentar a filha recém nascida, tendo padecido de dores no corpo e cefaleia, vômitos, diarreias e outros sintomas.

A parte demandada apresentou contrarrazões ao Recurso Adesivo, não tendo a demandante respondido à Apelação.

É o relatório.

VOTO

Colegas.

Examino ambos os recursos conjuntamente.

No que se refere ao fato trazido como causa de pedir, inexiste controvérsia, mesmo porque amplamente evidenciado desde registros formalizados pelo hospital demandado quando dos atendimentos à autora, conforme documentos vindos com a inicial1.

Ademais, nas suas razões de Apelação, o nosocômio sequer deduz fundamentos a objetar a condenação, mas apenas o quantum indenizatório.

Resta, pois, a análise das circunstâncias do episódio ao exame da quantificação do montante arbitrado no julgamento de 1ª Instância para indenizar o dano moral - incontestável, na espécie -, objeto de inconformidade por ambas as partes.

Veja-se.

Ao discorrer acerca do episódio, é a narrativa constante da sentença, verbis:

É incontroverso que ao deitar-se no leito hospitalar, para atendimento, feriu-se com material perfuro cortante, uma agulha que estava no travesseiro, ocasionando acidente, culminando no tratamento retroviral.

Assim, havendo execução defeituosa nesses serviços a responsabilização objetiva é inconteste, uma vez que o dano decorrerá de falha na prestação de serviços cuja atribuição é afeta única e exclusivamente ao hospital (art. 14, caput, do CDC), dispensando a comprovação de culpa.

Ora, na presente situação, ainda que não exista a indagação acerca da culpa, demonstrado nos autos a negligência do nosocômio em alocar a autora em um leito, sem ter sido feito a conferência se estava em condições de ser utilizado, com a agravante de a demandante estar grávida, tendo que socorrer-se de tratamento retroviral, justamente, com intuito de salvaguardar a vida do seu filho e a sua própria vida.

Ainda que o hospital tenha apresentado todos os protocolos de atendimentos dispensado à demandante, comprovada a falha na prestação do serviço hospitalar.

Na sequência, analisa-se a alegada falha na prestação do serviço hospitalar fornecido. Cabe destacar que a demandante estava na fase final de sua gravidez, momento delicado para qualquer paciente.

Deve-se acrescentar que a perfuração de uma agulha de origem desconhecida em ambiente hospitalar com certeza caracteriza sofrimento que refoge à normalidade e acarreta preocupação ao indivíduo que vive momento delicado da vida. Do mesmo modo, mesmo tendo adotado todos os procedimentos com relação aos exames e a profilaxia em relação ao tratamento devido, não prospera a alegação da ré de que a autora sofreu mero aborrecimento, sob o argumento de que os exames realizados apontaram inexistir qualquer contaminação. Verifica-se ainda que infecções ou contaminações em ambientes hospitalares pela utilização de materiais infectados não são excepcionais, o que notadamente contribuiu para abalar o estado psicológico da autora, corroborado pelo fato de que a autora não poder amamentar seu bebê, já que havia sérios riscos de contrair alguma doença.

Além da angústia da parte autora com tal situação,...

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