Acórdão nº 50388637720208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50388637720208210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001742795
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5038863-77.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Telefonia

RELATOR: Desembargador EDUARDO KRAEMER

APELANTE: CARLA DOS SANTOS CHAGAS (AUTOR)

APELADO: EMBRATEL TVSAT TELECOMUNICACOES SA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por CARLA DOS SANTOS CHAGAS, inconformada com a sentença (Evento 57 - SENT1, origem) que julgou improcedente a ação ordinária declaratória de inexistência de débito c/c indenização por danos morais ajuizada em face de EMBRATEL TVSAT TELECOMUNICACOES SA.

Em suas razões (Evento 63 - APELAÇÃO1, origem), suscita a aplicabilidade do CDC, com direito à inversão do ônus da prova. Afirma que não foi comprovada a origem do débito pela ré, que juntou telas sistêmicas e faturas com vencimento em 2013, devendo ser declarada a inexistência do débito. Alega que não se pode impor ao consumidor o ônus de provar seu direito. Defende que o documento de cobrança deve estar perfeitamente identificado, de modo que a ausência de CNPJ e endereço do credor, bem como de discriminação dos serviços prestados, torna nulo o boleto. Advoga que a prescrição é matéria de ordem pública, podendo ser reconhecida a qualquer tempo e inclusive de ofício, razão pela qual deve ser declarada a prescrição da dívida. Discorre sobre a necessidade de impor à ré obrigação de não fazer no sentido de impedir novos contatos para cobrança. Sustenta que, com base em débito inexistente, a ré negou a prestação de serviço essencial de telecomunicações, a despeito de ser a única operadora atuante na região. Aduz que a situação enfrentada caracteriza dano moral in re ipsa, devendo ser arbitrada indenização condizente. Cita precedentes. Requer o provimento do recurso, a fim de julgar procedente a ação.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 66 - CONTRAZ1, origem).

Registro terem sido cumpridas as formalidades dos artigos 931 e 934 do CPC, considerando a adoção do sistema informatizado por este Tribunal (Ato nº 24/2008-P).

É o relatório.

VOTO

Recebo o recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Cuida-se de ação declaratória de inexistência de débito c/c pedido de nulidade de boleto, obrigação de não fazer e indenização por danos morais ajuizada em desfavor de companhia de telefonia.

Narra a inicial que a parte autora procurou a ré para solicitar os serviços de internet, televisão a cabo e telefone em sua residência. Alega que não teve a oportunidade de escolher a operadora, uma vez que a ré é a única responsável pelo fornecimento dos serviços na região. Indica que, apesar disso, a contratação foi negada pela demandada, face à existência de débitos em aberto, os quais alega desconhecer, e que, não bastasse, passou a receber incessantes ligações de empresas de cobrança, buscando o pagamento desses débitos indevidos. Aponta, ainda, que o boleto de cobrança não preenche os requisitos legais, sendo nulo, na medida em que não informa o CNPJ e endereço do credor, tampouco os serviços prestados. Defende que a conduta da ré importa cobrança irregular e negativa de fornecimento de serviço público essencial, sendo devida não apenas a declaração de inexistência do débito (ou, subsidiariamente, o reconhecimento da nulidade do documento de cobrança), mas também indenização por danos morais.

Processado e instruído o feito, sobreveio sentença de improcedência da ação.

Inconformada, recorre a parte autora. Historiados os fatos, examino cada um dos pontos da insurgência veiculada no recurso.

Inicialmente, no que diz com o pleito de declaração de inexistência do débito, forte na alegação de que a parte autora desconhece o débito apontado junto à ré, sedizente credora, tem-se que, de acordo com o que dispõe o art. 373 do Código de Processo Civil, incumbe à parte autora o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu direito (inciso I) e, à parte ré, o ônus da prova quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da parte autora (inciso II).

Ressalta-se que, quando se trata de prova chamada "negativa", ou seja, quando a parte autora alega que não reconhece ou desconhece o débito, não se pode dela exigir a prova do fato negativo.

Entrementes, no caso concreto, logrou a requerida demonstrar a origem da dívida e a regularidade da contratação questionada, restando esclarecido que o contrato nº 02100092508037 refere-se a um pacote de televisão fechada instalado em 06/10/2012, na rua São Carlos, 1257, casa 3, São Vicente, na cidade de Gravataí. Para corroborar a tese de existência e legitimidade do débito, a companhia demandada, na origem, anexou telas sistêmicas com dados pessoais da autora, que coincidem com aqueles indicados no documento de identificação (Evento 11 - CONT1 - fls. 3/4). A ré sinalizou que a ativação dos serviços se deu por call center, mas que, pelo transcurso de 8 anos, não mais possuía os registros, na medida em que sua obrigação legal é de mantê-los por apenas 6 meses. De qualquer modo, anexou um histórico de faturas, demonstrando que diversas delas foram adimplidas desde o início da contratação (Evento 11 - CONT1 - fls. 5/6), o que afasta a verossimilhança da tese de ocorrência de fraude/desconhecimento da contratação.

Além disso, a ré impugnou o endereço declarado pela parte autora na petição inicial, salientando não haver qualquer comprovação de que a demandante resida e tenha residido anteriormente em local diverso daquele em que prestado o serviço de telecomunicações. E examinados os autos, efetivamente não há prova alguma do endereço da autora, que sequer impugnou de forma específica esta argumentação lançada pela ré em contestação.

A demandante, ao se manifestar sobre os documentos, se limitou a aduzir que foram juntadas telas sistêmicas que, unilateralmente produzidas, nada comprovariam. Ainda, que nada vincularia as faturas ao boleto juntado à inicial. Ocorre que o número do contrato indicado nestes documentos é exatamente o mesmo, restando evidente a vinculação entre os documentos. E mesmo que assim não fosse, o exame do conjunto das informações permite aferir que se trata do mesmo contrato.

Na hipótese, portanto, entendo que o conjunto probatório é suficiente à demonstração da contratação, pela autora, junto à ré. Desse modo, demonstrada a origem da relação negocial, não há falar em declaração de inexistência do débito.

Em relação ao pedido declaratório de nulidade do documento de cobrança, também não merece acolhida.

De saída, destaco que a narrativa da petição inicial está desacompanhada tanto de verossimilhança, quanto de indícios probatórios mínimos. O documento de cobrança contém a orientação de que "o pagamento deste boleto quita a parcela nº 1 do acordo", a indicar que o boleto foi obtido ao consumidor após a realização de algum acordo. A conclusão se faz possível na medida em que o consumidor não esclareceu, sequer minimamente, como teria conseguido acesso ao documento de pagamento.

De todo modo, é bastante clara a indicação, no boleto de cobrança, do nome e logotipo da ré, prestadora do serviço de telefonia conhecida em todo o território nacional, não havendo qualquer prejuízo ao autor pela não indicação do CPNJ e do endereço da credora. Cuida-se de mera irregularidade, portanto, a inobservância da integralidade do disposto no art. 42-A do CDC, sendo descabida a tese de nulidade do documento de pagamento.

À frente, no que toca ao pedido de declaração de prescrição do débito, outra é a sorte da parte recorrente.

Com efeito, é quinquenal o prazo prescricional relativo à pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular, na forma do art. 206, § 5º, I, do Código Civil:

Art. 206. Prescreve:

(...)

§ 5 o Em cinco anos:

I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular; (...)

O prazo passa a fluir do vencimento da dívida, momento a partir do qual o credor poderia ter exercido a pretensão. Nesse sentido, é o entendimento deste Órgão Fracionário:

APELAÇÃO CÍVEL RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C PEDIDO DE PRESCRIÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. (...) PRESCRIÇÃO. TRATANDO-SE DE DÍVIDA LÍQUIDA CONSTANTE DE DOCUMENTO PARTICULAR O PRAZO PARA SUA COBRANÇA É DE CINCO ANOS A PARTIR DO VENCIMENTO DA DÍVIDA, CONFORME ART. 206 DO CC. CASO CONCRETO EM QUE A DÍVIDA VENCEU EM 10/06/2011 E, PORTANTO, ESTÁ PRESCRITA. (...) APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (TJRS, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002396-23.2020.8.21.3001, 9ª Câmara Cível, Desembargador CARLOS EDUARDO RICHINITTI, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 04/09/2020)

No caso concreto, o débito originário, indicado nas telas anexadas à contestação, é datado de 2013, de modo que, consumado o prazo quinquenal, imperativa a declaração de prescrição da pretensão de cobrança.

No que se refere ao pedido de indenização por danos morais, não comporta acolhimento.

Mesmo que fosse caso de reconhecer a ausência de prova da origem do débito impugnado na inicial (o que, friso, não é a hipótese dos autos), não há prova de qualquer consequência de maior gravidade (como desconto sobre verba de caráter alimentar ou inscrição em órgãos restritivos de crédito), devendo ser mantida a sentença que reconheceu a inexistência do dever de indenizar.

De fato, comungo do entendimento de que incômodo decorrente das cobranças alegadamente realizadas não tem o condão de gerar direito à reparação, mesmo porque, para fazer jus à indenização a título de danos morais, é preciso que haja situação aflitiva em grau expressivo, o que não restou demonstrado nos autos, sendo que meros dissabores vividos não podem ensejar ressarcimento indenizatório a este título.

Para o reconhecimento do dano...

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