Acórdão nº 50389942320188210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Criminal, 18-07-2022

Data de Julgamento18 Julho 2022
Classe processualApelação
Número do processo50389942320188210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002191591
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5038994-23.2018.8.21.0001/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5038994-23.2018.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Receptação (art. 180)

RELATOR: Desembargador LUIZ MELLO GUIMARAES

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

APELADO: JOSE MANOEL SANTOS SOARES (RÉU)

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra JOSÉ MANOEL SANTOS SOARES, já qualificado, dando-o como incurso nas sanções do art. 180, caput, da CP.

Narrou a denúncia que:

Entre o dia 01 de abril de 2018 (data do roubo em concurso e a mão armada cometida às 18h, na Rua Pero Vaz de Caminha, em via pública, em Viamão/RS -Oc. 3908/2018/100164 - fls. 42/43) eo dia 10 de julho de 2018 (data do flagrante) nesta cidade, o denunciado JOSE MANOEL SANTOS SOARES adquiriu, recebeu, ocultou, transportou, coisa que sabia ser produto de roubo: automóvel Hyundai, HB 20 1.0, de cor prata, de placas IUO-9296, roubado de BRUNO WALKER DINIZ GOMES e registrado em nome de CAMILA GODOI DA ROCHA.

No dia 10 de julho de 2018 (data do falgrante) por volta das 17h, na BR-290, KM 92, Anchieta, em via pública, nesta Capital, o denunciado JOSE MANOEL SANTOS SOARES transportou, conduziu, em proveito próprio e alheio, o veículo Hyundai, HB 20 1.0, de cor prata, de placas clonadas MLB-4228, de placas IUO-9296 (veículo em Ocorrência de roubo, ocorrência n° 3908/2018/100464) (autos de fls. 42/43) coisa que sabia ser produto de crime.

Policiais rodoviários federais em patrulhamento de rotina realizaram abordagem ao veículo o veículo Hyundai, HB 20 1.0, de cor prata, de placas MLB-4228, conduzido na ocasião por JOSÉ MANOEL SANTOS SOARES.

Os policiais rodoviários federais, ao consultarem as placas MLB-4228, que estavam fixadas no veículo de Palhoça/SC, verificaram que os sinais identificadores do veículo estavam adulterados. Tratava-se na verdade de "veículo clanado".

A documentação do automóvel também encontrava-se com sinais de adulteração. Os policiais rodoviários federais, ao realizarem consulta pelo aplicativo da PRF, chamado "Valida Documento", constataram aviso de alerta de que o lote com a numeração impressa no documento apresentado constava como futado/roubado. Foi dada voz de prisão em flagrante ao denunciado JOSÉ MANOEL SANTOS SOARES que foi conduzido para DPPA.

O veículo foi apreendido (fl.18).

O veículo foi avaliado indiretamente em R$ 34.300,00 (fl.48).

Não há elemento de autoria da execução da adulteração dos sinais identificadores. Também descarte o processamento por uso de domento falso, diante da rápida operação da origem espúria.

CIRCUNSTÂNCIAS RELEVANTES

O denunciado JOSÉ MANOEL SANTOS SOARES possui os seguintes processos:

A denúncia foi recebida e, após regular instrução, sobreveio sentença absolvendo o réu.

Inconformado, o Ministério Público apelou.

Em razões, alegou que uma vez apreendido o objeto subtraído em posse do réu, ocorre a inversão do ônus da prova, aliado com a presunção de responsabilidade agente. Ainda, afirmou que não foram trazidos nos autos meios que justificassem o acusado estar em poder do veículo roubado. No mais, ressaltou que o depoimento dos policiais possuí credibilidade e não pode ser ignorado. Requereu a condenação do réu nos exatos termos da denúncia.

Foram apresentadas contrarrazões.

Nesta instância, a douta Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Adianto que dou provimento ao apelo do Ministério Público.

A existência do fato e sua autoria ficaram devidamente comprovadas e, para demonstrá-lo, utilizo-me de trecho do parecer do Ministério Público nesta instância, da lavra da Procuradora de Justiça Dra. Gilberto A. Montanari, que resume com propriedade a prova produzida:

Respeitado o entendimento da Julgadora sentenciante, equivoca-se ao fundamentar que não há provas nos autos suficientes a demonstrar a autoria imputada ao acusado JOSÉ MANOEL SANTOS SOARES.

Merece provimento a apelação porque o acervo probatório impõe a condenação.

Quando do édito absolutório disse a magistrada: “A ocorrência do crime antecedente ao denunciado, roubo do veículo HYUNDAI/HB20 1.0M, prata, placas IOU-9296, está comprovada pelo registro de ocorrência policial nº 3908/2018/10.04.64 (fls. 42/42), fato datado de 01.04.2018, do que foi tomado depoimento na investigação da vítima BRUNO WALKER DINIZ GOMES (fl. 44). A apreensão do veículo se deu no dia 10.07.2018, ostentando as placas MLB-4228, conforme ocorrência policial nº 2274/2018 (fls. 15/17) e auto de apreensão (fl. 18), vistoria (fl. 22), auto de avaliação indireta (fl. 47) e auto de restituição (fl. 157). Constam, ainda, os laudos periciais n° 108397/2018 acerca do CRLV (fls. 61/62) e n° 108499/2018 acerca da identificação veicular (fls. 95/96). Assim, há prova dos elementos materiais do crime imputado ao denunciado.

Correta a decisão, pois a materialidade restou suficientemente comprovada, o que emerge do boletim de ocorrência, auto de apreensão, auto de restituição, auto de avaliação indireta (Ev. 3, PROCJUDIC 1), bem como pela prova oral colhida nos autos.

Quanto à autoria, entendeu a magistrada que “não restou provada a elementar subjetiva do tipo penal, o dolo do denunciado, de transportar e conduzir o automóvel sabendo o condutor que se tratava de produto de roubo...”.

Vejamos:

O apelante JOSÉ MANOEL SANTOS SOARES deixou de apresentar sua versão quanto ao crime que lhe é imputado. Foi declarado revel. Na fase policial manteve-se em silêncio. O acusado apenas se manifestou na audiência de custódia aduzindo que era motorista de aplicativo e havia alugado o veículo para trabalhar.

O Policial Rodoviário Federal TARCISO RENÉ KASPER, em juízo, “contou que abordaram um veículo HB20 na BR-290 e que a abordagem se deu porque esse modelo de automóvel é muito clonado. Que o bem ostentava placas de Santa Catarina, o que aumentou as suspeitas. Verificaram os sinais identificadores do veículo e concluíram se tratar de um clone. Que o indivíduo abordado era motorista de aplicativo e estava sozinho na ocasião. Respondendo ao MP, disse que o flagrado afirmou que não sabia se tratar de veículo roubado. Que nas abordagens as justificativas dos flagrados costumam ser parecidas de que compraram o carro na internet desconhecendo a origem ilícita. A pedido da acusação, reconheceu o acusado pela imagem da fl. 02. À Magistrada, referiu que o agente apresentou documento com espelho “quente” com informações adulteradas”.

A Policial Rodoviária Federal QUELI CRISTINE ROMEIRA DOS ANJOS, em juízo, não recordou das minúcias do fato, mas referiu que o HYUNDAI/HB20 é o modelo de veículo mais clonado. Confirmou, a pedido do MP, sua assinatura lançada no termo de depoimento (fl. 10). Reiterou, perguntado pela defesa, não lembrar do fato e nem do acusado.

Como se constata a partir do acervo probatório formado nos autos, o acusado foi preso em flagrante na posse do Hyundai, HB 20 1.0, cor prata, veículo de origem espúria, o qual foi roubado em 01/04/2018 e estava, no momento de sua apreensão, com os sinais identificadores alterados, eis que tinha as placas clonadas

A apreensão da coisa subtraída em poder do agente gera a presunção de sua responsabilidade, invertendo-se o ônus da prova, impondo-se uma justificativa inequívoca.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. RECEPTAÇÃO E ROUBOS. EMPREGO DE ARMA DE FOGO E CONCURSO DE AGENTES. PRELIMINAR, AFASTADA. DA INÉPCIA DA DENÚNCIA EM RELAÇÃO AO 3º FATO. (...). No que se refere ao onus probandi, quanto à ausência de dolo é de incumbência da defesa neste particular, sendo remansosa a jurisprudência deste Tribunal, fenômeno que se repete na Corte Superior de Justiça. (...) APELO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Criminal, Nº 50141077520198210021, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glaucia Dipp Dreher, Julgado em: 25-04-2022) (Suprimi e grifei)

APELAÇÃO CRIMINAL. RECEPTAÇÃO DOLOSA. 1. ÉDITO CONDENATÓRIO. MANUTENÇÃO. Dolo de receptação de difícil comprovação, justamente por se tratar de elemento subjetivo do tipo, de difícil percepção. No entanto, se o agente, na posse de bem de procedência ilícita, alegar desconhecimento da origem espúria daquele, instaura-se a dúvida, que só pode ser dirimida a partir do exame criterioso de todas as circunstâncias que envolvem os fatos. A apreensão da res em poder do agente é circunstância que gera presunção de autoria, provocando a inversão do onus probandi, cumprindo ao flagrado comprovar a licitude da posse, encargo do qual não se desincumbiu a contento, ônus que incumbia à defesa, nos termos do art. 156 do CPP. (...). (Apelação Criminal, Nº 50008138320178210163, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em: 30-03-2022) (Suprimi e grifei).

Reitera-se o acusado não buscou apresentar sua versão dos fatos, provar que nada sabia da origem ilícita do carro, da adulteração realizada. Apenas, na audiência de custódia, arguiu que havia alugado o carro para trabalhar. Não trouxe aos autos comprovantes de aluguel.

As provas carreadas aos autos evidenciam, à saciedade, que o réu tinha plena consciência da origem ilícita do carro que dirigia. Comprovado, por conseguinte, o dolo específico exigido pelo tipo penal.

O fato de estar trafegando com os documentos não retira a culpa do acusado, até porque esta condição serve para tentar ludibriar, afastar qualquer dúvida que possa vir a ocorrer. Ademais, como afirmado pela magistrada a quo: “Acrescento que há indícios de sofisticação das adulterações no documento de circulação, contende as correspondentes placas afixadas no veículo, tratando-se de clone “perfeito”, posto que correspondia a...

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