Acórdão nº 50398751320228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 27-04-2022

Data de Julgamento27 Abril 2022
ÓrgãoOitava Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus
Número do processo50398751320228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002063720
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Habeas Corpus (Câmara) Nº 5039875-13.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Estelionato (art. 171)

RELATORA: Desembargadora ISABEL DE BORBA LUCAS

PACIENTE/IMPETRANTE: ANNE LOPES FERREIRA

IMPETRADO: JUÍZO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CAMAQUÃ

RELATÓRIO

CESAR AUGUSTO WAIMER impetrou o presente habeas corpus em favor de ANNE LOPES FERREIRA, com pedido liminar, pugnando pelo trancamento da ação penal na qual é imputada à paciente a conduta prevista no artigo 171, caput, do Código Penal.

Alegou, o impetrante, a inépcia da denúncia, pois refere, apenas, ter ocorrido induzimento da vítima a erro, mediante meio fraudulento, sem, contudo, detalhar de que forma este teria se dado, bem como deixou de mencionar o dolo na conduta da paciente, ferindo o direito de defesa. Outrossim, não houve representação, pela vítima, conforme alteração legislativa promovida pela Lei nº 13.964/19, aplicável ao caso, ocorrendo a decadência, pelo que deve ser extinta a punibilidade da paciente.

Com base nessas considerações, requereu, liminarmente, a suspensão do feito originário, até o julgamento do writ e, no mérito, o trancamento da ação penal.

A liminar foi indeferida, dispensadas informações da autoridade apontada como coatora, diante da possibilidade de acesso integral aos autos originários (evento 4, DOC1).

Em parecer, opinou o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Glênio Amaro Biffignandi, pela denegação da ordem (evento 15, DOC1).

Vieram conclusos.

É o relatório.

VOTO

Pela análise dentro dos limites da estreita via do habeas corpus, entendo que a ordem deve ser denegada.

Na espécie, a paciente foi denunciada pela prática do crime previsto no artigo 171, caput, do CP.

Assim constou da inicial acusatória (processo 5004338-85.2019.8.21.0007/RS, evento 2, DOC2, fl. 01):

Entre o mês de fevereiro e o dia 15 de abril de 2018, em horário não especificado no Inquérito Policial, mas na Empresa Massai Viagens e Turismo, localizada na Rua Capitão Adolfo Castro, n.º 187, Centro, em Camaquã/RS, a denunciada ANNE LOPES FERREIRA obteve, para si, vantagem ilícita, em prejuízo das vítimas Financeira Aymoré (vinculada ao Banco Santander) e Luiz Tamoyo da Costa Torino, induzindo-as em erro, mediante meio fraudulento.

Na oportunidade, a denunciada, na condição de proprietária de uma agência de turismo vinculada à CVC, tendo acesso aos cadastros dos clientes e podendo gerar títulos e financiamentos em nome destes, utilizou indevidamente os dados da vítima Luiz Tamoyo da Costa Torino, seu cliente, sem qualquer autorização, para efetuar um financiamento de compra de viagem junto ao Banco Santander, no valor de R$ 13.078,30 (treze mil e setenta e oito reais com trinta centavos), sendo que Luiz Tamoyo somente tomou ciência de tal financiamento obtido em seu nome, quando recebeu notificação da financeira da dívida não paga.

Assim agindo, a denunciada ANNE LOPES FERREIRA incorreu nas sanções penais cominadas ao artigo 171, caput, do Código Penal. (...)

Inicialmente, no que tange ao pleito de extinção da punibilidade, pela decadência, sem razão a defesa.

Com efeito, a Lei nº 13.964/2019, denominada de Pacote Anticrime, promoveu significativa alteração no artigo 171 do CP, que tipifica o crime de estelionato, ao incluir o §5º, que passou a exigir, em regra, a representação da vítima como condição de procedibilidade para a instauração da ação penal, nos seguintes termos:

(...)

§ 5º Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima for:

I - a Administração Pública, direta ou indireta;

II - criança ou adolescente;

III - pessoa com deficiência mental; ou

IV - maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.

A referida alteração legislativa entrou em vigor no dia 23/01/2020, sendo majoritário o entendimento, perante os Tribunais Superiores, de que a norma não retroage, nos casos em que o Ministério Público houver oferecido denúncia antes da sua vigência. Nesse sentido:

HABEAS COUS. ESTELIONATO. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA A PARTIR DA LEI N. 13.964/19 ("PACOTE ANTICRIME"). IRRETROATIVIDADE NAS HIPÓTESES DE OFERECIMENTO DA DENÚNICA JÁ REALIZADO. PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA LEGALIDADE QUE DIRECIONAM A INTERETAÇÃO DA DISCIPLINA LEGAL APLICÁVEL. ATO JURÍDICO PERFEITO QUE OBSTACULIZA A INTERRUPÇÃO DA AÇÃO. AUSÊNCIA DE NORMA ESPECIAL A PREVER A NECESSIDADE DE REPRESENTAÇÃO SUPERVENIENTE. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. HABEAS COUS INDEFERIDO. 1. Excepcionalmente, em face da singularidade da matéria, e de sua relevância, bem como da multiplicidade de habeas corpus sobre o mesmo tema e a necessidade de sua definição pela PRIMEIRA TURMA, fica superada a Súmula 691 e conhecida a presente impetração. 2. Em face da natureza mista (penal/processual) da norma prevista no §5º do artigo 171 do Código Penal, sua aplicação retroativa será obrigatória em todas as hipóteses onde ainda não tiver sido oferecida a denúncia pelo Ministério Público, independentemente do momento da prática da infração penal, nos termos do artigo 2º, do Código de Processo Penal, por tratar-se de verdadeira “condição de procedibilidade da ação penal”. 3. Inaplicável a retroatividade do §5º do artigo 171 do Código Penal, às hipóteses onde o Ministério Público tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor da Lei 13.964/19; uma vez que, naquele momento a norma processual em vigor definia a ação para o delito de estelionato como pública incondicionada, não exigindo qualquer condição de procedibilidade para a instauração da persecução penal em juízo. 4. A nova legislação não prevê a manifestação da vítima como condição de prosseguibilidade quando já oferecida a denúncia pelo Ministério Público. 5.Inexistente, no caso concreto, de ilegalidade, constrangimento ilegal ou teratologia apta a justificar a excepcional concessão de Habeas Corpus. INDEFERIMENTO da ordem.

(STF, HC 187341, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 13/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-263 DIVULG 03-11-2020 PUBLIC 04-11-2020)

(Grifei)

HABEAS COUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CRIME DE ESTELIONATO. PRETENDIDA APLICAÇÃO RETROATIVA DA REGRA DO § 5º DO ART. 171 DO CÓDIGO PENAL, ACRESCENTADO PELA LEI N. 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME). INVIABILIDADE. ATO JURÍDICO PERFEITO. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. DOUTRINA. DOSIMETRIA. PRETENSÃO DE CONVERSÃO DA PENA COORAL EM MULTA. ART. 44, §2º, DO CÓDIGO PENAL. DISCRICIONARIEDADE DO JULGADOR. WRIT NÃO CONHECIDO.

1. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal e as Turmas que compõem a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.

2. A Lei n. 13.964/2019, de 24 de dezembro de 2019, conhecida como "Pacote Anticrime", alterou substancialmente a natureza da ação penal do crime de estelionato (art. 171, § 5º, do Código Penal), sendo, atualmente, processado mediante ação penal pública condicionada à representação do ofendido, salvo se a vítima for: a Administração Pública, direta ou indireta; criança ou adolescente; pessoa com deficiência mental; maior de 70 anos de idade ou incapaz.

3. Observa-se que o novo comando normativo apresenta caráter híbrido, pois, além de incluir a representação do ofendido como condição de procedibilidade para a persecução penal, apresenta potencial extintivo da punibilidade, sendo tal alteração passível de aplicação retroativa por ser mais benéfica ao réu. Contudo, além do silêncio do legislador sobre a aplicação do novo entendimento aos processos em curso, tem-se que seus efeitos não podem atingir o ato jurídico perfeito e acabado (oferecimento da denúncia), de modo que a retroatividade da representação no crime de estelionato deve se restringir à fase policial, não alcançando o processo. Do contrário, estar-se-ia conferindo efeito distinto ao estabelecido na nova regra, transformando-se a representação em condição de prosseguibilidade e não procedibilidade. Doutrina: Manual de Direito Penal: parte especial (arts. 121 ao 361) / Rogério Sanches Cunha - 12. ed. rev., atual. e ampl. - Salvador: Editora JusPODIVM, 2020, p. 413.

4. Ademais, na hipótese, há manifestação da vítima no sentido de ver o acusado processado, não se exigindo para tal efeito, consoante a jurisprudência desta Corte, formalidade para manifestação do ofendido.

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