Acórdão nº 50403132120218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 03-11-2022

Data de Julgamento03 Novembro 2022
ÓrgãoOitava Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50403132120218210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002771938
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5040313-21.2021.8.21.0001/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5040313-21.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Tutela

RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS

RELATÓRIO

Cuida-se de apelação cível interposta por MARCOS F.L. em face da sentença do evento 65, SENT1 dos autos da ação de curatela contra ele ajuizada por JOSÉ ÊNIO L., seu tio, mediante a qual foi decretada sua interdição para a prática de atos da própria saúde, do patrimônio e dos negócios, sendo nomeado curador o autor.

Em complemento, incorporo o relatório constante do parecer do em. Procurador de Justiça:

Em suas razões, o recorrente alega, em síntese, que os processos de interdição devem ser exaustivamente instruídos, fazendo-se necessária a realização de perícia médica a fim de se atestar a capacidade do interditando para praticar os atos da vida civil. Requer o provimento do recurso, desconstituindo-se a sentença e determinando-se o regular prosseguimento do feito (evento 72, processo originário).

Houve contrarrazões (evento 80, CONTRAZAP1).

O Ministério Público opinou pelo provimento (evento 20, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

A Defensoria Pública, nomeada curadora especial, se insurge contra o julgamento da ação sem que tenha sido realizada prova pericial para avaliação das condições da parte demandada quanto à prática dos atos da vida civil, sustentando que não há nos autos laudo pormenorizado, não servindo para elucidar o caso o atestado médico que instruiu a inicial.

Assevera que é necessária a perícia médica para indicar precisamente a extensão de eventual limitação da capacidade da parte demandada/apelante.

Sabe-se que com a entrada em vigor da Lei n.º 13.146/2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência - o Estatuto da Pessoa com Deficiência -, houve drástica alteração da legislação no que tange à capacidade civil. Em razão de o art. 6º do referido Estatuto preconizar que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa”, agora, somente os menores de 16 anos são considerados absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil (art. 3º do CC).

Em suma, as definições de capacidade civil foram reconstruídas para dissociar a deficiência da incapacidade.

O art. 84, caput, do referido Estatuto estabelece que a pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas”.

Somente quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida a curatela, conforme a lei, sendo a curatela medida excepcional, podendo afetar somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial (art. 85).

Nesse contexto está presente a realização de perícia médica, como estabelece o art. 753 do CPC:

Art. 753. Decorrido o prazo previsto no art. 752, o juiz determinará a produção de prova pericial para avaliação da capacidade do interditando para praticar atos da vida civil.

No caso, contudo, não vejo necessidade de realizar tal perícia.

A ação foi ajuizada pelo tio do apelante, narrando que MARCOS é solteiro, não tem filhos nem pais vivos e sofre de retardo mental leve e de transtorno esquizoafetivo do tipo misto (F-70 e F 25.2), conforme atestado por médico psiquiatra em documento de abril de 2019, referindo tratamento psiquiátrico contínuo, com déficit cognitivo, social, afetivo e laborativo permanente, decorrentes daquelas patologias (evento 1, ATESTMED11). A inicial foi instruída, ainda, com laudo médico de perito da Justiça Federal, datado de fevereiro de 2021, referindo quadro grave, crônico e com mau prognóstico (evento 1, LAUDO12).

Além disso, o vídeo de entrevista (evento 12, VÍDEO1) deixa evidente a limitação da recorrente quanto ao seu discernimento intelectivo. MARCOS disse que toma remédio desde os 20 anos de idade, quando foi diagnosticado com esquizofrenia, referiu que acredita na Polícia Federal e que pretendia que um agente federal fosse a pessoa indicada para cuidar da sua saúde e negócios, como seu curador.

De tudo resulta que a sentença não fere a previsão do art. 753 do CPC, uma vez que são consistentes os elementos probatórios existentes nos autos que demonstram, à saciedade, as alegadas deficiências intelectivas do curatelado e o comprometimento de sua autonomia pessoal.

Destaco, a propósito, o entendimento deste Tribunal:

APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. AÇÃO DE INTERDIÇÃO. PERÍCIA MÉDICA. DESNECESSIDADE, NA HIPÓTESE. LAUDO MÉDICO EMITIDO PELO DMJ QUE ATESTA, ESTREME DE DÚVIDAS, A INCAPACIDADE CIVIL DO CURATELADO. ART. 751 DO CPC E ART. 85 DA LEI N. 13.146. EM QUE PESE A AUSÊNCIA ESPECÍFICA DA PERÍCIA NO PRESENTE FEITO, A SITUAÇÃO FÁTICA, CORROBORADA PELAS PROVAS PRODUZIDAS NOS AUTOS TROUXE A CERTEZA, ESTREME DE DÚVIDAS, DE QUE A DOENÇA QUE ACOMETE A PARTE DEMANDADA - MAL DE ALZHEIMER - A IMPOSSIBILITA DE PRATICAR OS ATOS DA VIDA CIVIL DE FORMA PLENA E CAPAZ, SENDO AFETADAS DIRETAMENTE AS DECISÕES SOBRE SUA SAÚDE (RESGUARDADO, OBVIAMENTE, O DIREITO À SAÚDE), O PATRIMÔNIO E OS NEGÓCIOS, ÚNICOS ASPECTOS ADMITIDOS PELA LEI COMO POSSÍVEIS DE SEREM VERGASTADOS PELA COLOCAÇÃO DA PESSOA SOB CURATELA (ART. 85 DA LEI 13.146/2015). PRECEDENTE. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 51180279120208210001, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mauro Caum Gonçalves, Julgado em: 02-12-2021)

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE INTERDIÇÃO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA CITAÇÃO E ALEGAÇÃO DE IMPRESCINDIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA MÉDICA.1. (...).2. NÃO HÁ FALAR-SE EM DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA QUE DECRETOU A INTERDIÇÃO POR AUSÊNCIA DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA MÉDICA QUANDO HAJA PROVA INEQUÍVOCA DA INCAPACIDADE DO INTERDITANDO.3. CASO CONCRETO EM QUE CONSTA DOS AUTOS LAUDO MÉDICO INDICANDO A INCAPACIDADE DA CURATELADA PARA OS ATOS DA VIDA CIVIL, EM RAZÃO DE DEMÊNCIA NA DOENÇA DE ALZHEIMER (EM ESTADO AVANÇADO DE MANIFESTAÇÃO).4. ALÉM DISSO, REALIZADA ENTREVISTA COM A REQUERIDA, CONSTATOU-SE A DIFICULDADE EM RESPONDER AS PERGUNTAS MAIS COMEZINHAS QUE LHE FORAM SUBMETIDAS, ASSIM COMO NARRATIVA DISSOCIADA DA REALIDADE E DESORIENTAÇÃO TEMPORAL.5. (...).RECURSO DESPROVIDO.(Apelação Cível, Nº 51089721920208210001, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vera Lucia Deboni, Julgado em: 26-11-2021)

APELAÇÃO CÍVEL. CURATELA. PEDIDO DE NULIDADE EM RAZÃO DA DISPENSA NA REALIZAÇÃO DE PERÍCIA MÉDICA NA CURATELADA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1. Hipótese em que, considerando as conclusões do laudo médico apresentado, bem como da entrevista realizada pela magistrada, na origem, em observância do artigo nº 751 do CPC, restou demonstrado que a curatelada, que já conta noventa e seis anos de idade, está incapacitada para os atos da vida civil. 2. As provas juntadas aos autos se mostram suficientes para justificar a manutenção da curatel...

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