Acórdão nº 50430321020208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoNona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50430321020208210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002364497
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5043032-10.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Auxílio-Acidente (Art. 86)

RELATOR: Desembargador CARLOS EDUARDO RICHINITTI

APELANTE: JAIRO BATISTA (AUTOR)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de reexame necessário e de apelações interpostas pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) e por JAIRO BATISTA contra sentença (evento 115 do processo originário) que, nos autos da ação movida pelo segurado em desfavor do ente previdenciário, julgou procedente o pedido inicialmente formulado, nos termos do seguinte dispositivo:

“[...] Face ao exposto, julgo PROCEDENTE a ação, com fundamento no artigo 86 da Lei 8.213/91, condenando o demandado à concessão e implementação de auxílio-acidente, a contar do pedido administrativo (29/06/2020), devendo ser mantido até a véspera do início de qualquer aposentadoria ou até a data do óbito do segurado.

Por consequência, revogo a liminar que concedeu auxílio-doença e antecipo os efeitos desta sentença para determinar que o INSS conceda imediatamente o auxílio-acidente à parte autora.

Fica autorizada a compensação, por competências, no período em que a parte recebeu auxílio-doença por força da liminar deferida.

Considerando que se trata de verba alimentar, as parcelas vencidas devem ser pagas de uma única vez e sobre os valores deve haver incidência de juros legais devidos desde a citação, à razão de 1% ao mês até 29/06/2009 (com fundamento no art. 3º do Decreto-Lei nº 2.322/1987, aplicável analogicamente aos benefícios pagos em atraso, diante do seu caráter alimentar), e, posteriormente, à razão do índice dos juros aplicados à caderneta de poupança, forte na Lei Federal n° 11.960/09 e de correção monetária, devida desde a data de cada inadimplemento com base no INPC, de acordo com a Lei nº 11.430/06 e Tema 905 do STJ.

Quanto à sucumbência, o INSS é isento do pagamento da taxa judiciária única, segundo previsto no art. 5, inciso I, da Lei n. 14.634/2014. No entanto, fica condenado ao pagamento da remuneração do perito e dos honorários advocatícios ao patrono da parte adversa que fixo em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença (inclusive as parcelas pagas em tutela antecipada), com fulcro no artigo 85, §3°, I, do Código de Processo Civil e Súmula 111 do STJ.

Face ao exposto no art. 496 do CPC e as peculiaridades do caso concreto, desnecessário o reexame.

Transitada em julgado a decisão, aguarde-se 30 dias por eventual requerimento de cumprimento de sentença.

Nada sendo requerido, arquive-se, com baixa.

Havendo eventuais pedidos, voltem conclusos para apreciação.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se."

[sic]

Em suas razões recursais, a autarquia apelante sustenta, em síntese, que a parte contrária não faz jus a auxílio-acidente, tendo em vista a natureza meramente transitória da redução de sua inaptidão laborativa. Pugna, assim, pelo afastamento da prestação alcançada em sentença. Pede o recebimento e o provimento do recurso.

A parte autora, por sua vez, apela da decisão com o propósito de obter, em suma, a manutenção de auxílio-doença até a conclusão de procedimento de reabilitação profissional, com a ulterior conversão dessa prestação em auxílio-acidente ou aposentadoria por invalidez. Informa que nem sequer teve alta, ainda, do auxílio-doença que vinha recebendo, mostrando-se impositiva a sua manutenção até que seja considerada permanentemente inválida ou readaptável para outra atividade. Requer o recebimento e o provimento do inconformismo.

Não foram apresentadas contrarrazões.

A Procuradoria de Justiça, por seu turno, opinou pelo provimento parcial dos recursos apresentados.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o sucinto relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

As apelações reúnem condições de admissibilidade, razão por que delas conheço.

Impende ainda registrar, de antemão, a minha compreensão de que a nova normatização do duplo grau obrigatório de jurisdição é suficientemente clara quanto à dispensa da remessa oficial nos casos em que a sentença for impugnada mediante recurso voluntário da Fazenda Pública.

Ora, é de conhecimento geral que não se presumem, na lei, palavras inúteis. Recomenda a boa hermenêutica, efetivamente, que todas as palavras, expressões, locuções e orações empregadas em textos normativos devem ser compreendidas, sempre que possível, com a sua devida utilidade e eficácia, em conformidade com a velha máxima segundo a qual verba cum effectu sunt accipienda.

Sob tal perspectiva, é preciso reconhecer que expressões e termos introduzidos em legislações revogadoras – seja mediante substituição de uma palavra, frase ou período anteriormente positivado na norma, seja mediante acréscimo de uma ou mais expressões que não constavam do texto revogado – ganham especial relevo quando se busca interpretar determinada regra a partir da nova redação que lhe foi conferida.

E dúvida não há, nesse passo, de que o Código de Processo Civil de 2015 constitui um dos exemplos mais atuais da legislação nacional em que as diversas mutações implementadas no respectivo texto normativo devem ser analisadas eficaz e criteriosamente, à luz do próprio espírito de transformação estrutural do processo que a codificação nova buscou infundir nos seus intérpretes e aplicadores.

No caso do reexame necessário, observam-se relevantes mudanças em sua disciplina normativa no âmbito do novo Código, cabendo destacar, nesta específica análise, a expressa eliminação do seu cabimento quando identificada a interposição de recurso voluntário pela Fazenda Pública sucumbente.

Repare-se que a alteração operada na redação do artigo 475, § 1º, do velho CPC, embora seja aparentemente sutil, materializa o intuito inequívoco do legislador de extinguir a possibilidade de trâmite conjunto da remessa oficial com apelações voluntariamente interpostas por entes fazendários.

Com efeito, assim dispunha a norma revogada:

Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

(...)

1º. Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los. (Grifei)

Deveras, o excerto acima grifado não abria margem para dúvidas interpretativas, pois nele se determinava, com clareza, que a remessa dos autos era impositiva independentemente de apelação voluntariamente interposta. Vale dizer: no regime anterior, houvesse ou não apelação do ente público vencido, deviam os autos ser sempre remetidos ao Tribunal para reapreciação da lide quando configurada uma das hipóteses legais do reexame necessário.

A regra correspondente no novo Código, entretanto, suprimiu o fragmento textual acima destacado, com sua consequente substituição por trecho de significação substancialmente diferente (cuja inserção, a toda a evidência, não pode ser concebida como vã). Veja-se:

Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

(...)

§ 1º. Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-á. (Grifei)

Como dito, a modificação textual acima sublinhada revela o propósito claro do legislador de limitar a incidência do duplo grau obrigatório aos casos em que a Fazenda Pública deixa de recorrer voluntariamente da sentença. Deve-se apreendê-la, a valer, em sentido condicional, com a conseqüente inferência de que o juiz só deve ordenar a remessa oficial dos autos se não houver interposição de apelação no prazo legal, isto é, desde que não sobrevenha apelo tempestivo da pessoa jurídica de direito público.

A meu sentir, a inovação em comento é bastante compreensível se considerarmos o atual estágio de estruturação e desenvolvimento dos sistemas de representação judicial das Fazendas Públicas. Como cediço, as pessoas de direito público dispõem, nos dias de hoje, de aparato material e humano suficientemente capaz de assegurar a defesa judicial de seus direitos e interesses por meio da atuação exclusiva de advogados públicos.

Nesse contexto, é bem de ver que o reexame necessário de sentenças proferidas contra entes públicos representados por profissionais especializados e organizados em carreira não mais se justifica – na sistemática e conjuntura atuais – quando interposta apelação pela Fazenda Pública, uma vez que a tutela judicial dos interesses fazendários não padece, hodiernamente, de deficiências estruturais relevantes que sejam capazes de legitimar a coexistência de dois mecanismos de proteção – no caso, a presença constante do reexame necessário ao lado de apelações interpostas por procuradores que, em regra, possuem o dever funcional de promover (em todos os graus de jurisdição) a defesa judicial das Fazendas a que se vinculam.

Por conseguinte, entendo que o novo CPC considera descabida a sobreposição de duas medidas indutoras da reapreciação da sentença sempre que a Fazenda Pública recorrer voluntariamente da decisão (devolvendo, com isso, o exame da controvérsia ao Tribunal competente). Por sua vez, a impugnação recursal de apenas parte da decisão pelo patrono da Fazenda corresponde, no ordenamento vigente, à aceitação tácita dos demais capítulos do pronunciamento recorrido, evidenciando, assim, uma renúncia implícita do ente público ao seu direito de impugnar o restante da sentença em grau recursal.

É nesse sentido, por sinal, que a doutrina especializada vem assentando o seu posicionamento em torno da temática sob enfoque, conforme...

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