Acórdão nº 50446564920208217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 29-01-2021

Data de Julgamento29 Janeiro 2021
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50446564920208217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20000318525
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5044656-49.2020.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Direito de Vizinhança

RELATOR: Desembargador GELSON ROLIM STOCKER

AGRAVANTE: JBS AVES LTDA.

AGRAVADO: NANCY ANTUNES DE CARVALHO

RELATÓRIO

JBS AVES LTDA. interpôs recurso de agravo de instrumento contra decisão que, nos autos de AÇÃO DE CONHECIMENTO PELO RITO ORDINÁRIO com PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA DE URGÊNCIA que lhe move NANCY ANTUNES DE CARVALHO, assim decidiu (conforme evento 24 da origem):

Vistos.

1. Inicialmente, a ré impugnou o benefício da AJG concedido à parte autora.

(...)

Nestes termos, desacolho a impugnação à assistência judiciária gratuita arguida pela parte ré.

2. Em seguimento, a parte ré alegou que o feito deve ser extinto pela falta de interesse processual.

(...)

Assim, sendo adequada a pretensão exercida, merece ser afastada a preliminar.

3. A ré também postulou a extinção da ação por inépcia da inicial, sob a alegação de carecer prova constitutiva do direito postulado.

(...)

Assim sendo, refuto a preliminar.

4. Ainda, a ré arguiu a ilegitimidade ativa da parte autora.

(...)

Sob tal ótica, também rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa.

5. Relativamente à conduta ética dos advogados da parte autora e o pedido de expedição de ofício à Ordem dos Advogados do Brasil, indefiro o requerimento, tendo em vista que incumbe à ré e/ou seus advogados acionarem o órgão de classe por seus próprios meios para que seja efetuada a averiguação do alegado uso predatório da Jurisdição e eventual sanção ética cabível.

6. No que diz respeito a inversão do ônus da prova, verifico que a matéria posta a apreciação do juízo trata-se de alegada poluição ambiental e dano moral.

A imputação de responsabilidade àquele que causa danos ao meio ambiente se dá sob observância do princípio do poluidor-pagador, daí exsurgindo a responsabilidade sem culpa, decorre da natureza da poluição gerada pela atividade do agente, nos termos do que prevê o art. 14, §1.º, da Lei 6.938/81, nestes termos:

Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

(...)

§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua sim

atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

Menezes Direito e Cavalieri Filho entendem que o art. 225, §3.º da CF recepcionou o art. 14, §1.º, da Lei 6.938, expondo assim sua posição:

Extrai-se do texto constitucional e do sentido teleológico da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.º 6.938/81) que essa responsabilidade é fundada no risco integral, conforme sustentado por Nelson Nery Junior (Justitia, 126/74). Reforça essa conclusão o fato de não conter o dispositivo acima citado nenhuma causa de exclusão da responsabilidade do poluidor, diferentemente do que ocorre com o dano nuclear, cujo art. 8.º da Lei n.º 6.453/1977, autoriza, como vimos, afastar a responsabilidade do operador em certas circunstâncias. (DIREITO, Carlos Alberto Menezes e CAVALIERI Filho, Sérgio. Comentários ao Novo Código Civil. Da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Arts. 927 a 965, vol. XIII, 2.ª ed. Revista e atualizada. Coordenador Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 33.)

Entretanto, esclarecem esses doutrinadores, que os princípios da responsabilidade subjetiva são aplicáveis à responsabilidade objetiva. Também aqui serão indispensáveis a conduta ilícita, o dano e o nexo causal. Só não será necessário o elemento culpa. (...) Indispensável será a relação de causalidade, porque, mesmo em sede de responsabilidade objetiva, ninguém poderá ser responsabilizado por aquilo a que não tiver dado causa” (Idem, p. 149.).

Tartuce alude, de acordo com as palavras de Ramón Martin Mateo, o princípio do poluidor-pagador não tem como objetivo aceitar a poluição mediante uma remuneração, mas sim evitar o dano ao meio ambiente. O objetivo do legislador não é de simples punição, mas de seguir a corrente reparatória, consagrada também na Constituição Federal de 1988 (TARTUCE, Flávio. Direito civil, vol. 2: direito das obrigações e responsabilidade civil. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 532.).

Édis Milaré, também citado por Tartuce, vai além, e leciona que, nos casos de dano ao meio ambiente, diversamente, a regra é a responsabilidade civil objetiva – ou nas palavras do próprio legislador, 'independentemente de existência de culpa' –, sob a modalidade do risco integral, que não admite quaisquer excludentes de responsabilidade (MILARÉ, Édis. Direito de ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 338 apud TARTUCE, Flávio. Direito civil, vol. 2: direito das obrigações e responsabilidade civil. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 533.).

Adere, esse doutrinador, a teoria do risco integral, a qual foi adotada pelo Superior Tribunal de Justiça:

A responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar. (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/1973 - TEMA 681 e 707, letra a - RESP 1049.822/RS).

Desse modo, o evento autoriza reconhecer na parte autora a figura do bystander (art. 17 do CDC), já que vítimas em tese de fato diretamente relacionado ao processamento produtivo de produtos comercializados pela empresa ré, ou seja, os autores são consumidores por equiparação, vítimas da atuação da fornecedora no exercício de sua atividade no mercado de consumo.

Nesse mesmo sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DE VIZINHANÇA. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRESCRIÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO. CONSUMIDORES POR EQUIPARAÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. - Não se olvida do direito das partes, todavia, nítido resta que o reconhecimento ou não da prescrição do direito da parte autora, baseado em cognição sumária, é prematuro e deve ser reanalisado mediante juízo de cognição exauriente, sob o crivo do contraditório, pois não há, pelo menos neste momento processual provas acerca dos danos ou dos marcos de início ou término deles. - No caso dos autos, os agravados figuram como consumidores por equiparação, denominado de bystander, na forma do artigo 17 do CDC. - Portanto, aplica-se ao caso vertente os institutos previstos no Estatuto Consumerista, dentre eles a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC. - Todavia, no que toca aos danos materiais alegadamente sofridos pela desvalorização dos imóveis dos autores, ressalta-se que é dever da parte autora provar os fatos constitutivos do direito alegado, mesmo considerando a incidência do CDC ao caso, a teor da disposição do artigo 373, I, do CPC, aplicável ao caso em comento. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME.(Agravo de Instrumento, Nº 70083909069, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em: 30-04-2020) (Grifou-se).

Com efeito, iluminada a hipótese pelo CDC e caracterizada a hipossuficiência técnica da parte autora para comprovar existência de poluição ambiental, inverto o ônus da prova, nos moldes do art. 6º, inc. VIII, do CDC, para o efeito de determinar que as provas sobre a legalidade e regularidade das atividades da empresa, bem como da ausência de falha na produção do produto, recaiam sobre a ré, especialmente no que diz com a verificação da liberação de partículas sólidas no ar, exalação de odores e extravasamento de amônia, que possam causar danos ao consumidor por equiparação.

Entretanto, a luz da distribuição dinâmica do ônus da prova, recepcionada no Código de Processo Civil no seu art. 373, §1º, consigno que inobstante o cabimento da inversão do ônus da prova, cumpre à parte autora demonstrar o dano moral sofrido, haja vista a impossibilidade de produção de prova negativa pela parte ré, bem como porque sua inversão geraria excessiva dificuldade à requerida, além da impossibilidade de fazê-la.

7. Intimem-se as partes para que digam as provas que pretendem produzir, específica e justificadamente, não substituindo essa indicação as menções genéricas às provas contidas na inicial ou na contestação, no prazo comum de 15 dias, sob pena de indeferimento.

Havendo interesse na produção de prova testemunhal, desde já ficam as partes intimadas a, no mesmo prazo, apresentar rol testemunhas, devendo ser observados os limites previstos pelo art. 357, § 6º, CPC.

Nada sendo requerido, voltem os autos conclusos para sentença para julgamento antecipado.

Dil. Legais.

Em suas razões, a parte ré, ora agravante, afirma que esta não é ação de reparação de eventual dano ambiental, mas de dano moral individual, com caráter patrimonial. Sustenta que, no caso, impossível a inversão do ônus da prova com base em responsabilidade ambiental. Assevera que o fundamento da decisão recorrida, art. 14, da Lei Federal 6.938/1981, tem cabimento para indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade, independentemente da existência de culpa (responsabilidade objetiva). Entretanto, no caso, tal dispositivo não é...

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