Acórdão nº 50453846720228210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50453846720228210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003211340
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5045384-67.2022.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: PORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: LUIZ CARLOS DE OLIVEIRA SEVERO (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por PORTOCRED S.A. CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO nos autos da ação revisional ajuizada por LUIZ CARLOS DE OLIVEIRA SEVERO em face da sentença que assim dispôs (Evento 31):

Pelo exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora para o fim de limitar os juros remuneratórios do contrato de empréstimo nº 3801663382 à taxa média de mercado à época da contratação (1,78% a.m.) e descaracterizar a mora, condenando o réu à devolução dos valores cobrados em excesso, subtraindo-os, se for o caso, das parcelas vincendas, com a repetição simples do indébito caso exista crédito em favor da parte autora após a compensação dos valores, quantia corrigida monetariamente pelo IGP-M a partir de cada desembolso e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da citação.

Considerando a sucumbência que toca à parte autora, decorrente da ausência de prova da má-fé, o decaimento é mínimo, a ensejar a condenação da parte demandada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, fixados em R$1000,00 (um mil reais) nos termos do art. 85, §8º, do CPC.

Transitada em julgado e nada requerido, arquive-se com baixa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se”.

Opostos embargos de declaração (Evento 37), estes foram desacolhidos (Evento 39).

Em suas razões recursais (Evento 45), a parte ré discorre inicialmente sobre a situação contratual da autora e sobre as suas peculiaridades, bem como sobre o produto e a operação em questão. Refere que a parte autora possui um crédito na modalidade subprime, o qual apresenta alto risco, em razão do consumidor não oferecer garantia suficiente para obter empréstimos com taxas de juros mais vantajosas. Impugna o cálculo que foi apresentado pela parte autora na petição inicial. Aponta a nulidade da sentença nos seguintes pontos: relatório não contém adequada suma da contestação; deixou de seguir jurisprudência e precedentes invocados pela parte ré; não enfrentou teses defensivas capazes de influenciar o julgamento da lide; e, ausência de despacho saneador e abertura da fase de instrução. Alega a impossibilidade de revisão do contrato quitado. Sustenta a ocorrência de prescrição. Requer a manutenção das taxas de juros remuneratórios pactuadas, sustentando a ausência de demonstração da abusividade do encargo. Assevera não ser cabível a descaracterização da mora e a repetição/compensação dos valores. De forma subsidiária, postula a redução da taxa de juros somente até o patamar considerado tolerável e a aplicação da taxa Selic para eventual repetição dos valores. Menciona a necessidade de readequação da sucumbência e de minoração da verba honorária. Manifesta interesse em prequestionar a matéria. Pede provimento.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 49).

É o relatório.

VOTO

A apelação do Evento 45 é tempestiva, pois o prazo recursal iniciou em 10/10/2022 e findou em 31/10/2022 (Evento 41), sendo o recurso interposto em 25/10/2022. Quanto ao preparo, o recolhimento deste restou comprovado no Evento 45 – CUSTAS2 e CUSTAS3.

Dito isso, recebo a apelação e passo ao seu exame, em tópicos.

Inicialmente, saliento que é objeto da revisão a Contrato de empréstimo pessoal nº 3801663382, firmado em 06/06/2014, no valor de R$ 1.304,76, com vencimento da primeira parcela em 20/08/2014 e juros remuneratórios de 6% ao mês e 101,22% ao ano (Evento 1 – CONTR4).

1. NULIDADE DA SENTENÇA. INOCORRÊNCIA.

Aponta, a parte ré, a nulidade da sentença nos seguintes pontos: relatório que não contém adequada suma da contestação; deixou de seguir jurisprudência e precedente invocados; não enfrentou teses defensivas capazes de influenciar o julgamento da lide; e, ausência de despacho saneador e abertura da fase de instrução.

No entanto, colhe-se da sentença do Evento 31 que esta citou no relatório, em que pese de forma resumida, a defesa da parte ré, assim como, que as questões foram analisadas na fundamentação.

Ademais, cumpre consignar que o julgador não precisa responder a todos os argumentos trazidos pelas partes, cabendo-lhe pronunciar-se sobre as questões suscitadas de maneira fundamentada, prejudicial às alegações, como no caso em liça.

Ressalto que não foram juntados documentos com a réplica (Evento 27), e sequer foi apresentado qualquer argumento novo apto a ensejar o alegado cerceamento de defesa.

Destarte, afasto a alegação de nulidade da sentença.

2. INTERESSE DE AGIR E POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. REVISÃO DO CONTRATO.

Requer a parte ré o reconhecimento da carência da ação, pela falta de interesse de agir da parte autora, ou o reconhecimento da impossibilidade jurídica do pedido, em razão da alegada impossibilidade de revisão de contrato já quitado.

Vejamos.

A revisão judicial do contrato em comento é juridicamente possível, calcada em preceitos constitucionais e nas regras de direito comum.

Encontra-se arraigado na Constituição Federal de 1988, entre as garantias fundamentais (art. 5º, inciso XXXV), dispositivo que assegura a intervenção do Poder Judiciário para apreciação de lesão ou ameaça a direito da parte.

Em se tratando de relação de consumo, esta intervenção encontra-se reforçada pelo inciso XXXII do artigo da Carta Magna, e pelas disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor, entre as quais aquelas elencadas no art. 51 da Lei Consumerista.

Nesse prisma, constatada a abusividade ou onerosidade excessiva de uma das partes em prejuízo da outra, adequada e pertinente é a intervenção do Poder Judiciário para adequar a relação contratual ao ordenamento jurídico vigente.

Inclusive, é pacífico o entendimento do STJ e deste Tribunal acerca da possibilidade da revisão de contratos extintos, seja pela quitação, seja pela novação, em homenagem ao princípio que impede o enriquecimento sem causa.

Nesse sentido, cito precedente do STJ:

RECURSO ESPECIAL. CRÉDITO RURAL. CONTRATOS FINDOS. LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA. UNIÃO. BANCO DO BRASIL. LIMITAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS. CAPITALIZAÇÃO. ENCARGOS MORATÓRIOS. CORREÇÃO MONETÁRIA PELO BTN (MARÇO/1990). SUBSTITUIÇÃO DO IGP-M E DA VARIAÇÃO CAMBIAL PELA TR. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. INCONSTITUCIONALIDADE DA MP N. 2.196-3/2001. POSSIBILIDADE DE INSCRIÇÃO DO DÉBITO EM DÍVIDA ATIVA. NULIDADE DA CDA. SUCUMBÊNCIA. [...] 2. A possibilidade de revisão de contratos bancários prevista na Súmula n. 286/STJ estende-se a situações de extinção contratual decorrente de quitação, novação e renegociação. [...] 14. Recurso do Banco do Brasil conhecido em parte e desprovido. Recurso de Arrozeira Chasqueiro Ltda. e outros conhecido em parte e provido também em parte. Recurso especial da União conhecido e provido em parte. (REsp 1348081/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2016, DJe 21/06/2016)

Destarte, é viável juridicamente a revisão do contrato já quitado, possuindo a parte autora interesse de agir e sendo plenamente possível juridicamente o pedido revisional.

3. PRESCRIÇÃO.

Requer a parte apelante que seja reconhecida a ocorrência de prescrição em relação à repetição dos valores, sustentando que se aplica ao caso o prazo prescricional trienal.

Vejamos.

O prazo prescricional para revisar cláusulas contratuais com a eventual restituição dos valores pagos a maior é fundada em direito pessoal, aplicando-se, portanto, o prazo decenal preconizado no art. 205 do Código Civil.

O termo inicial do aludido prazo é a data da assinatura do contrato, e para a repetição do indébito é data do pagamento indevido.

A corroborar com o expendido, cito precedentes do STJ:

“AGRAVO INTERNO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/2015. FUNDAMENTOS DA DECISÃO DE INADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL DEVIDAMENTE REBATIDOS. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DO CPC/1973. AÇÃO REVISIONAL COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO DE CONTA-CORRENTE. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973. NÃO OCORRÊNCIA. ART. 458 DO CPC/1973. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 282/STF. PRESCRIÇÃO. AÇÃO REVISIONAL. PRAZO VINTENÁRIO DO CC/1916 E DECENAL DO CC/2002. SÚMULA N. 83/STJ.

1. [...].

3. as ações revisionais de contrato bancário, adota-se o prazo prescricional vintenário na vigência do Código Civil de 1916 e o decenal na vigência do Código Civil de 2002.

4. Agravo interno desprovido.”

(AgInt no AREsp 868.658/PR, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/06/2016, DJe 01/07/2016). g.n.

“AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRESCRIÇÃO. PRAZO. ARTIGOS 177 DO CC/16 E 205 DO CC/2002.

REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO. CONSTATAÇÃO DA MÁ-FÉ. NECESSIDADE.

AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. A prescrição para a restituição/repetição de valores pagos indevidamente em função de contrato bancário segue os prazos previstos nos artigos 177 do Código Civil revogado e 205 do Código Civil vigente, respeitada a norma de transição do artigo 2.028 deste, e tem como termo inicial o efetivo prejuízo (pagamento ou lesão).

2. A Segunda Seção desta Corte firmou o entendimento de que a devolução em dobro dos valores pagos pelo consumidor somente é possível quando demonstrada a má-fé do credor, o que não ocorreu no caso dos autos.

3. Agravo interno a que se nega provimento.”

(AgRg no REsp 1019495/MT, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 19/04/2016, DJe 29/04/2016). g.n.

E desta Câmara:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS...

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