Acórdão nº 50478165920228210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50478165920228210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003220915
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5047816-59.2022.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Juiz de Direito AFIF JORGE SIMOES NETO

APELANTE: LEIZA MARIA RODRIGUES NUNES (AUTOR)

ADVOGADO: francisco ferrari brandão gomes (OAB RS077737)

ADVOGADO: Tiago Copetti de Almeida (OAB RS077319)

ADVOGADO: CAROLINA PINHEIRO MACHADO BUCHABQUI (OAB rs080737)

ADVOGADO: ARARE RIBEIRO DE ALMEIDA (OAB RS055406)

ADVOGADO: PAULO ROBERTO MACIEL LEVY (OAB RS058525)

APELANTE: PORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

ADVOGADO: CASSIO MAGALHÃES MEDEIROS (OAB RS060702)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de apreciar apelações interpostas por LEIZA MARIA RODRIGUES NUNES e pela PORTOCRED S.A. CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO em face da sentença que, nos autos da ação revisional, julgou procedentes os pedidos formulados na petição inicial, nos termos do dispositivo assim exarado (evento 16, SENT1):

Pelo exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora para o fim de limitar os juros remuneratórios do contrato de empréstimo à taxa média de mercado à época da contratação (1,98% a.m.) e descaracterizar a mora, condenando o réu à devolução dos valores cobrados em excesso, subtraindo-os, se for o caso, das parcelas vincendas, com a repetição simples do indébito caso exista crédito em favor da parte autora após a compensação dos valores, quantia corrigida monetariamente pelo IGP-M a partir de cada desembolso e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da citação.

Considerando a sucumbência que toca à parte autora, decorrente da ausência de prova da má-fé, o decaimento é mínimo, a ensejar a condenação da parte demandada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, fixados em R$1000,00 (um mil reais) nos termos do art. 85, §8º, do CPC.

Em suas razões recursais (evento 26, APELAÇÃO1), a parte autora sustentou que a compensação não deve abranger as parcelas vincendas (CC, art. 369). Requereu a majoração dos honorários e, ao final, o provimento do recurso.

Por sua vez (evento 30, APELAÇÃO1), o banco réu alegou, preliminarmente, o decurso do prazo prescricional trienal, bem como a existência de nulidades em razão da ausência de análise da totalidade dos argumentos de defesa suscitados e do cerceamento de defesa pela falta do despacho saneador. No mérito, defendeu a legalidade dos juros contratados devido ao risco da contratação, a impossibilidade de repetir/compensar os valores pagos e a necessidade de minorar os honorários. Subsidiariamente, postulou a utilização de uma margem de tolerância equivalente ao dobro da média de mercado, bem como a atualização dos valores pagos a maior pela taxa Selic. Ao final, requereu o provimento do recurso interposto.

Apresentadas contrarrazões recursais (eventos 33 e 35, CONTRAZ1), vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso e passo à análise das preliminares recursais suscitadas pelo banco apelante.

Nulidades:

Registra-se, desde logo, que a preliminar de nulidade da sentença suscitada pela instituição financeira apelante não merece agasalho, uma vez que o julgador não é obrigado a manifestar-se sobre todas as teses legais suscitadas pelas partes, mas somente aquelas suficientes a confortar o seu convencimento.1

Na presente hipótese, o decisório recorrido está devidamente fundamentado, tendo em vista que a matéria trazida à lume nestes autos se encontra consolidada na jurisprudência do STJ, tanto por meio de súmulas, como de julgamentos de Recursos Especiais Repetitivos.

No mesmo sentido, descabe falar na ocorrência de cerceamento de defesa pela ausência de despacho saneador, tendo em vista que as provas a serem produzidas são todas documentais e já constavam no caderno processual, razão pela qual o feito comporta julgamento antecipado (CPC, art. 355, I).

Em caso análogo, foi o entendimento deste Egrégio TJRS:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. REVISIONAL. EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO. PRELIMINAR. NULIDADE DA SENTENÇA. DESACOLHIMENTO. CASO EM QUE A SENTENÇA RECORRIDA ENCONTRA-SE DEVIDAMENTE RELATADA E FUNDAMENTADA, EXPONDO DE MANEIRA CLARA O ENTENDIMENTO EXARADO PELO MAGISTRADO A QUO. PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. DESACOLHIMENTO. NÃO DEMONSTRADO O PREJUÍZO ACARRETADO ÀS PARTES EM FACE DA AUSÊNCIA DE DESPACHO SANEADOR. PRECEDENTES. PRESCRIÇÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. O PRAZO PRESCRICIONAL PARA A PRETENSÃO REVISIONAL E DE RESTITUIÇÃO DE VALORES COBRADOS A MAIOR É DE 10 (DEZ) ANOS, EM CONFORMIDADE COM O DISPOSTO NO ARTIGO 205 DO CÓDIGO CIVIL, ANTE O CARÁTER PESSOAL DA AÇÃO. PRECEDENTES. JUROS REMUNERATÓRIOS. ABUSIVIDADE CONFIGURADA, PORQUANTO A TAXA UTILIZADA ULTRAPASSA A TAXA MÉDIA DIVULGADA PELO BACEN, PARA A MESMA ESPÉCIE DE CONTRATO, NA DATA DA CONTRATAÇÃO. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. VIABILIDADE, POIS CONSTATADA ABUSIVIDADE NA COBRANÇA DOS ENCARGOS DA NORMALIDADE PELA SENTENÇA (JUROS REMUNERATÓRIOS). REPETIÇÃO DO INDÉBITO. POSSIBILIDADE NA FORMA SIMPLES, POIS RECONHECIDA A COBRANÇA DE VALORES INDEVIDOS. CORREÇÃO MONETÁRIA PELO IGP-M. MANUTENÇÃO, POIS É O ÍNDICE QUE MELHOR REFLETE A INFLAÇÃO E MAIS COMUMENTE APLICADO PARA ESTE TIPO DE DEMANDA. PRECEDENTES. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MANUTENÇÃO DO VALOR ARBITRADO, POIS ADEQUADO AO CASO CONCRETO DOS AUTOS. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação / Remessa Necessária, Nº 50631503620228210001, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Heleno Tregnago Saraiva, Julgado em: 24-11-2022) (grifei).

No caso, portanto, não verifico a existência de nulidades no caso em análise, pelo que rejeito a preliminar suscitada pela instituição financeira ré, ora também apelante.

Prescrição:

No caso trazido para desate, a parte autora postulou a revisão das cláusulas contratuais estabelecida no contrato entabulado com a instituição financeira e, consequentemente, requereu a repetição dos valores pagos a maior.

Desse modo, tratando-se de pretensão revisional cumulada com repetição de indébito, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de aplicar o prazo de prescrição decenal previsto no caput do artigo 205 do Código Civil2 , e não o trienal, como defende o banco réu.

Em consonância, portanto, com o entendimento sufragado por esta Vigésima Terceira Câmara Cível:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO. AFASTAMENTO. POSSIBILIDADE DE REVISÃO DE CONTRATOS FINDOS. PRESCRIÇÃO DECENAL. JUROS REMUNERATÓRIOS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. HONORÁRIOS. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO. PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO. POSSÍVEL A REVISÃO DE CONTRATOS FINDOS. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA CORTE. PRESCRIÇÃO. EM SE TRATANDO DE AÇÃO REVISIONAL, O PRAZO PRESCRICIONAL PARA O EXERCÍCIO DA PRETENSÃO É DE DEZ ANOS. MESMO PRAZO PARA A RESPECTIVA REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. JUROS REMUNERATÓRIOS. OS JUROS REMUNERATÓRIOS, EM REGRA, NÃO ESTÃO LIMITADOS A 12% AO ANO, NOS TERMOS DA SÚMULA N. 596/STF. ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NÃO É APLICÁVEL A LEI DE USURA. POSSÍVEL A REVISÃO CONTRATUAL NA HIPÓTESE DE OS JUROS REMUNERATÓRIOS EXORBITAREM A TAXA MÉDIA DE MERCADO. SITUAÇÃO OCORRIDA NOS AUTOS. NO CASO, A PRÁTICA DOS JUROS REMUNERATÓRIOS MOSTROU-SE EXCESSIVA PARA OS ONZE CONTRATOS ENTABULADOS ENTRE AS PARTES. O COTEJO DOS DOCUMENTOS REVELOU SIGNIFICATIVA ULTRAPASSAGEM EM RELAÇÃO À TAXA MÉDIA DE MERCADO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DEVEM SER DEVOLVIDOS, NA FORMA SIMPLES, OS VALORES PAGOS A MAIOR PELO CONSUMIDOR. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. OS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS DEVEM REMUNERAR O PROFISSIONAL DE FORMA CONDIGNA COM A FUNÇÃO EXERCIDA. O CRITÉRIO PARA A FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS ESTÁ DESCRITO NO ARTIGO 85 E §2º. NO CASO, O VALOR DA CAUSA DEVE SER CONSIDERADO PARA O ARBITRAMENTO DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. ARTIGO 85, §2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (TJRS, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5038192-54.2020.8.21.0001, 23ª Câmara Cível , Desembargador ALBERTO DELGADO NETO, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 19/08/2021) (grifei)

Analisando os autos, percebe-se que o contrato objeto da controvérsia foi firmado em 07/12/2015 e a presente demanda foi ajuizada em 30/03/2022 (Evento 11, CONTR2), pelo que descabe falar no decurso no prazo prescricional, razão pela qual rejeito, novamente, a preliminar recursal suscitada pelo banco demandado e passo ao exame do mérito recursal.

Juros Remuneratórios:

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.061.530/RS, submetido ao regime dos recursos repetitivos (tema nº 27), definiu que é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1 º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto (REsp n. 1.061.530/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 22/10/2008, DJe de 10/3/2009).

Na esteira do entendimento sedimentado por esta 23ª Câmara Cível, para verificação da abusividade, deve-se fazer um comparativo entre a taxa de juros contratada e a taxa média de juros de mercado, apurada pelo Bacen, observando-se a natureza do crédito concedido, a data da contratação e uma margem de tolerância de 10% - e não 100% como pretende a instituição financeira -.

Com efeito, tão somente nas situações em que ficar cabalmente demonstrada a onerosidade excessiva é que se admite a limitação dos juros contratados pelas partes. Nesta linha, colaciona-se o seguinte julgado:

PROCESSUAL CIVIL...

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