Acórdão nº 50479623720218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 21-03-2022
Data de Julgamento | 21 Março 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Recurso em Sentido Estrito |
Número do processo | 50479623720218210001 |
Tipo de documento | Acórdão |
Órgão | Segunda Câmara Criminal |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20001555744
2ª Câmara Criminal
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Recurso em Sentido Estrito Nº 5047962-37.2021.8.21.0001/RS
TIPO DE AÇÃO: Homicídio qualificado (art. 121, § 2º)
RELATORA: Juiza de Direito VIVIANE DE FARIA MIRANDA
RECORRENTE: SEGREDO DE JUSTIÇA
RECORRIDO: SEGREDO DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
De início, adoto o relatório da sentença de lavra da Juíza de Direito Cristiane Busatto Zardo, que bem sintetizou os principais eventos da marcha processual, in verbis (processo 5047962-37.2021.8.21.0001/RS, evento 58, SENT1):
Vistos etc.
O Ministério Público, por seu agente signatário, com base no Inquérito Policial, oriundo da 1ª Delegacia de Polícia Especializada no Atendimento à Mulher de Porto Alegre, ofereceu denúncia contra:
RENATO T. D. S. H., (...), nascido(...) no dia 20 de janeiro de 1986, com 35 anos de idade à época do fato
como incurso nas sanções do artigo 121, parágrafo 2º, incisos II (fútil), III (asfixia), VI (contra a mulher por razões da condição de sexo feminino) e §7º, inciso III, combinado com o artigo 14, inciso II, bem como no artigo 217-A, todos do Código Penal, pela prática dos seguintes fatos delituosos, assim descritos na denúncia:
“FATO 01:
No dia 20 de março de 2021, às 04h, na Rua Marista, nº (...), Bairro Vila João Pessoa, nesta Capital, o denunciado RENATO T. D. S. H., mediante socos, atos de constrição, esganadura e chutes, tentou matar a vítima FERNANDA R. D. S. K. R., causando-lhe as lesões corporais descritas no Laudo Pericial nº 64446/2021 (fl. 60 do IP, acostado ao Evento 01), o qual refere ““hematoma periorbital esquerdo... escoriações em mucosa oral... lesão contusa em crânio”. Equimoses violáceas (com algumas áreas amareladas): em região periorbitária bilateralmente, com edema periorbitário; região bucinadora esquerda; braço direito lateral (medindo cinquenta milímetros por sessenta milímetros); região lombar esquerda (medindo setenta milímetros por trinta milímetros); glúteo esquerdo (medindo sessenta milímetros por trinta milímetros); diversas menores nos membros inferiores e algumas diminutas no pescoço (região anterolateral esquerda). Escoriações na mucosa labial inferior em processo de consolidação”; somente não consumando o intento criminoso por circunstâncias alheias à sua vontade, uma vez que a vítima se fingiu de morta, o que fez com que o denunciado parasse as agressões.
Na ocasião, o denunciado RENATO T. S. H., irritou-se com a vítima e passou a desferir-lhe socos e chutes, enquanto os filhos da ofendida gritavam e imploravam para que o denunciado não a matasse. Ainda, o denunciado tentou estrangulá-la, momento em que a mãe da ofendida, a qual presenciou o fato, gritou “tu vai matar ela”. Na tentativa de salvar sua vida, a vítima ligou para o número 190, mas foi impedida pelo denunciado, o qual a agrediu com um golpe de “mata-leão”, imobilizando-a. Durante as constantes agressões, a vítima sentiu que estava engolindo muito sangue, momento em que se fingiu de morta, permanecendo imóvel. Ato contínuo, o denunciado soltou a vítima no chão, desferiu mais alguns pontapés contra a cabeça da ofendida e disse “pronto, consegui matar essa vagabunda”.
O crime foi praticado por motivo fútil, porquanto praticado em razão de o denunciado ter se irado com a vítima, sem motivo aparente.
O crime foi cometido contra mulher, por razões da condição de sexo feminino porquanto perpetrado em menosprezo à condição do gênero da vítima, configurando violência doméstica e familiar.
O crime foi praticado mediante asfixia, uma vez que o denunciado desferiu na vítima golpe de “mata-leão”, bem como tentou estrangulá-la.
Crime foi praticado na presença física de descendente e ascendente da vítima, pois no local estava e assistira à agressão os filhos e a mãe da vítima.
FATO 02:
Em circunstâncias de tempo e local incertos e não sabidos, o denunciado RENATO T. S. H., enquanto a ofendida encontrava-se impossibilitada de oferecer resistência, estuprou a vítima FERNANDA R. D. S. K. R. quando inconsciente, em virtude de medicamentos.
Conforme ocorrência policial, durante o relacionamento amoroso da vítima com o denunciado, a ofendida era violentada sexualmente por Renato enquanto dormia. A vítima, em virtude dos medicamentos que tomava para dormir, encontrava-se inconsciente e, portanto, impossibilitada de apresentar qualquer resistência contra os atos cometidos pelo denunciado.”
Inicialmente a Autoridade Policial representou pela prisão preventiva do acusado (evento 1 – processo relacionado), com manifestação favorável do Ministério Público (evento 1 – processo relacionado). Em 09/04/2021 foi decretada a prisão preventiva do acusado (fl. 74 – evento 1 – processo relacionado).
A denúncia foi recebida em 13/05/2021 (evento 3).
O réu foi citado pessoalmente (evento 9) e apresentou resposta à acusação, através da Defensoria Pública, sem rol de testemunhas (evento 20).
Durante a dilação probatória foi ouvida a vítima, FERNANDA R. D. S. K. R. (evento 49), bem como as testemunhas arroladas pela acusação ANDRÉA D. M. D. R. R. (evento 49), LEANDRO C. S. (evento 49) e EVA TEREZINHA R. D. S. (evento 49). Por fim, realizou-se o interrogatório do réu (evento 49).
Encerrada a instrução, o Ministério Público, em alegações escritas, requereu a pronúncia do réu nos termos da denúncia (evento 53). A defesa do réu, por sua vez, pugnou pela desclassificação do delito, alegando que não houve risco de morte. Alternativamente, requereu o afastamento das qualificadoras. Quanto ao fato 2, pugnou pela absolvição, alegando ausência de materialidade e ausência da data do fato (evento 56).
Por sentença publicada em 9/9/2021, o réu RENATO T. D. S. H. foi PRONUNCIADO como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, incisos III (asfixia), VI (contra a mulher por razões de sexo feminino) e § 7º, inciso III, combinado com o artigo 14, inciso II, e artigo 217-A, todos do Código Penal, a fim de que seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri; não facultado o direito de recorrer em liberdade (processo 5047962-37.2021.8.21.0001/RS, evento 58, SENT1).
Inconformada, a Defensoria Pública recorreu.
Em suas razões, requereu a desclassificação do crime doloso contra a vida para delito diverso, com lastro no artigo 419 do Código de Processo Penal, sustentando que o réu não agiu com animus necandi. Outrossim, requereu a impronúncia do acusado quando ao crime sexual atribuído, alegando que sequer o fato está devidamente descrito na denúncia, atrelado ao fato de que a palavra da vítima "é a única referência ao delito em comento". Subsidiariamente, pediu o afastamento da qualificadora da asfixia, alegando que manifestamente improcedente (processo 5047962-37.2021.8.21.0001/RS, evento 68, RSE1).
Apresentadas as contrarrazões (processo 5047962-37.2021.8.21.0001/RS, evento 77, CONTRAZ1), em juízo de retratação, o decisum fustigado foi mantido (processo 5047962-37.2021.8.21.0001/RS, evento 79, DESPADEC1).
O expediente eletrônico foi remetido a este Sodalício, sendo distribuído (processo 5047962-37.2021.8.21.0001/TJRS, evento 3, INF1).
Nesta instância, em parecer exarado pela Dra. Jacqueline Fagundes Rosenfeld, Procuradora de Justiça, manifestou-se pelo desprovimento do recurso defensivo (processo 5047962-37.2021.8.21.0001/TJRS, evento 9, PARECER1).
É o relatório.
VOTO
Eminentes Desembargadores:
Cuida-se de recurso em sentido estrito manejado por RENATO T. D. S. H., por intermédio da Defensoria Pública, inconformado com o decisum que o pronunciou nas iras artigo 121, § 2º, incisos III (asfixia), VI (contra a mulher por razões de sexo feminino) e § 7º, inciso III, combinado com o artigo 14, inciso II, e artigo 217-A, todos do Estatuto Penal Repressivo.
Ausentes preliminares suscitadas pelo recorrente, passo à análise meritorial do recurso.
I - Requisitos do artigo 413 do Código de Processo Penal
Na decisão de pronúncia, veda-se ao Julgador análise "exaustiva, percuciente do processo, como se estivesse julgando um crime de sua competência"1, porquanto somente ao Conselho de Sentença, diante de expressa determinação no texto constitucional, incumbe o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Exige-se do Juiz togado, tão somente, nesta decisão interlocutória mista não terminativa, que encerra o judicium accusationes, a indicação de prova da materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria, a teor do artigo 413 do Código de Processo Penal.
Nessa toada, descabe ao Juiz togado, nesta fase processual, realizar exame percuciente do almanaque probatório, bem como a integralidade de fatores que permeiam a acusação, tal apreciação acurada competindo ao Conselho de Sentença, nos termos do artigo 5º, inciso XXXVIII, “d”, da Constituição Federal.
Entretanto, como preleciona Campos (2021, pág. 341):
Deve-se tomar redobrado cuidado na interpretação do art. 413, § 1º do CPP que limita a fundamentação da pronúncia à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. Isso porque, numa leitura literal de tal dispositivo, a fundamentação, da decisão de pronúncia limitar-se-ia, tão somente, a indicar páginas referentes ao laudo de exame de corpo de delito ou necroscópico e aquelas onde constam os depoimentos colhidos e mais nada! Ora, não se pode aceitar essa indicação de provas como fundamento da decisão; é preciso que o magistrado, além de apontar onde constatou as evidências de materialidade e autoria, analise sua eficácia probante, se suficiente ou não para levar o processo a ser julgado pelo Tribunal do Júri, sem inocorrer; é claro, em exageros terminológicos que poderiam comprometer a imparcialidade dos jurados2.
À luz de tais diretrizes, verifica-se que a materialidade do primeiro fato delituoso (crime doloso contra a...
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