Acórdão nº 50482091820218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 17-02-2023

Data de Julgamento17 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50482091820218210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002768915
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5048209-18.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Vias de fato

RELATORA: Desembargadora FABIANNE BRETON BAISCH

RELATÓRIO

Adoto, de início, o relatório constante na sentença (ação penal originária: evento 47), publicada em 14.06.2022, que passo a transcrever:

"(...)

O Ministério Público denunciou L. F. M. S. como incurso nas sanções do artigo 21 do Decreto-Lei n.º 3.688/41, com incidência do artigo 61, inciso II, alínea “f”, do Código Penal.

Narra a denúncia que:

"No dia 09 de dezembro de 2020, por volta da 00h01min, na Rua (...), em Porto Alegre/RS, o denunciado L. F. M. S. praticou vias de fato contra a vítima N. G. DE O., sua esposa.

Na ocasião, o denunciado chegou em casa embriagado, agarrou a vítima pelos cabelos, sacudindo-a com força. O denunciado somente parou quando a vítima gritou por ajuda, sendo socorrida por sua mãe."

A denúncia foi recebida em 26/05/2021 (Evento 03).

Citado (Evento 14), o réu apresentou resposta à acusação por meio de um advogado constituído (Evento 09).

Durante a instrução, foi ouvida a vítima, as duas testemunhas de defesa e interrogado o réu (Evento 38).

Substituídos os debates orais por memoriais, o Ministério Público, entendendo demonstradas a materialidade e a autoria delitiva, pugnou pela procedência da ação penal com a condenação do acusado, nos termos da denúncia (Evento 42).

A defesa técnica, por sua vez, postulou a absolvição do acusado, com fundamento no princípio do in dubio pro reo, em face da ausência de provas suficientes a fundamentar o decreto condenatório, devendo o réu ser absolvido conforme o que dispõe o art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. (Evento 45).

(...)"

Acresço ao relatório que o réu contava com 46 anos de idade na data do fato.

No ato sentencial, a magistrada a quo JULGOU PROCEDENTE A DENÚNCIA para CONDENAR L. F. M. S. como incurso nas sanções do art. 21 da Lei das Contravenções Penais, com incidência do artigo 61, II, alínea “f” do CP, às penas de 20 DIAS DE DETENÇÃO (pena-base de 15 dias, aumentada em 5 dias pelo prevalecimento das relações domésticas, com violência contra a mulher), no regime inicial ABERTO. Concedido o sursis, pelo período de 2 anos, mediante participação em grupo reflexivo de gênero, proibição de ausentar-se da comarca onde reside, por mais de trinta dias, sem autorização do juiz e comparecimento bimestral em juízo. Fixada verba reparatória (danos morais) em favor da vítima, no valor de R$2.000,00. Concedido ao réu o direito de apelar em liberdade. Custas pelo acusado.

Inconformada, a defesa apelou do decisum (ação penal originária: evento 53), desejo idêntico ao manifestado pelo réu quando pessoalmente intimado (ação penal originária: evento 68).

Em razões, sustentando a tese de insuficiência probatória, bem como invocando o princípio da intervenção mínima, postulou a absolvição do acusado (ação penal originária: evento 60).

Contra-arrazoado o apelo (ação penal originária: evento 67), os autos subiram a esta Corte.

Aqui, o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Luiz Henrique Barbosa Lima Faria Corrêa, manifestou-se pelo improvimento do apelo (evento 7).

Vieram conclusos.

Esta Câmara Criminal adotou o procedimento informatizado utilizado pelo TJRS, tendo sido atendido o disposto no art. 207, II, do RITJERGS.

É o relatório.

VOTO

Quanto à responsabilidade criminal do apelante, adoto, novamente, a sentença de lavra da ilustre Juíza de Direito, Dra. Marcia Kern, agora em seus fundamentos, especificamente no que tange ao exame da prova produzida, quanto à materialidade e autoria, integrando-os ao presente, como razões de decidir, com a devida vênia:

"(...)

A prova da materialidade está consubstanciada pelo Boletim de Ocorrência Policial (Evento 01, fls. 03/04, no processo n.º 50128682820218210001).

Em relação à autoria, a vítima N. G. DE O. , ao ser inquirida em juízo, relatou que o dia dos fatos foi quando ocorreu a primeira audiência do divórcio do casal, a qual o juízo determinou o afastamento do réu do imóvel em até 5 dias. Disse que quando o réu voltou para casa nesse mesmo dia, por volta das 24h, ele foi para o escritório, onde a ofendida estava dormindo, que ele a acordou e ela sentiu o cheiro de bebida alcoólica, percebendo que o réu estava embriagado. Afirmou que o réu pediu para conversar com ela, mas que ela negou pois não era um momento propício para tal. Que ela se deitou novamente, com o objetivo de voltar a dormir e disse que foi nesse momento que ele a pegou pelos cabelos e a arrastou para fora da cama, a levando até a porta do quarto, dessa mesma forma. Relatou que ela conseguiu gritar chamando por sua mãe, que estava no quarto próximo com a porta fechada. Que sua mãe demorou para sair do quarto e o réu continuou a segurando pelos cabelos até ela sair. Afirmou que, após isso, questionou o réu sobre o que ele tinha feito e que ele a respondeu "o quê que tu vai fazer? Chama a polícia se tu quiser, ninguém vai acreditar em ti. Tu não tem marca" e também a ameaçou. Que foi a primeira vez que ele a agrediu. Relatou que quando ele se retirou para a suíte em que dormia, ela foi até a lavanderia para trocar de roupa, pois estava de pijama, e foi para a delegacia da mulher. Que quando chegou lá, ela estava "aos prantos", percebendo que a delegacia estava fechada, sendo recebida por um policial, que relatou que a delegacia estava fechada para reformas e a direcionou para outra mais próxima. A vítima relatou que tinha o sentimento de que precisava fazer o boletim de ocorrência, para impor um limite para as ações do réu e que ela precisava tomar uma atitude. Disse que é usuária de aparelho auditivo e que sem ele, ela não consegue ouvir, dessa forma, relatou que o réu, após soltá-la, falou "eu devia ter arrancado esse teu aparelho, porque daí tu não ia ter como fazer nada". Disse que protegeu suas orelhas quando ele a agarrou, afim de evitar a perda do aparelho e que se ele tivesse conseguido removê-lo, ela não teria como fazer absolutamente nada. Relatou que quando voltou da delegacia não tinha mais coragem de ficar na mesma casa com ele e que recebeu uma mensagem do denunciado avisando que eles iam conversar à noite, quando ele voltasse para casa, sozinhos. Disse que essa mensagem a gerou pavor, pois tinha medo de ficar sozinha com ele. Que, à tarde, ela fez uma mala com roupas para dormir na casa de uma amiga, até acabar os 4 dias restantes para o réu sair da casa. Que antes do pedido dela de divórcio, o casamento era tranquilo, que as ações do réu mudaram após isso.

A testemunha de defesa F. M. P., relatou em juízo que trabalhou para o casal por 4 anos, que nunca presenciou ou viu o réu sendo agressivo ou violento com a vítima. Disse que o réu não sabia que a vítima não estaria em casa no dia posterior ao dos fatos.

A testemunha de defesa R. F., sob compromisso, relatou que é vizinho do casal, mora dois andares acima deles e que nunca ouviu nenhuma briga ou gritou entre o casal. Afirmou que o réu é uma boa pessoa, trabalhadora e bom pai de família. Que é fácil ouvir os acontecimentos entre os apartamentos.

O réu L. F. M. S., quando interrogado, negou a prática delitiva, afirmando que, no máximo, ocorreram conversas "acaloradas" sobre a separação entre eles no dia do ocorrido. Que a vítima interpretou a pergunta do réu sobre a moradia dela como uma ameaça, já que o imóvel em que o casal residia era da mãe do réu. Que a vítima ainda reside no apartamento. Que no primeiro dia, após a decisão do juízo de sua retirada do imóvel, a vítima dormiu lá e que depois ela sumiu, levando o filho deles junto. Relatou que ele acredita que a vítima fez a denúncia para conseguir guarda única do filho do casal, já que estavam passando por um divórcio. Que ela já tinha feito um boletim de ocorrência sobre ameaça, anteriormente, assim, ele acredita que foi uma estratégia da vítima para conseguir uma liminar de separação de corpos, já que ele acredita que é preciso ter documentos, evidências contra ele. Relatou que quando chegou em casa e se dirigiu para o quarto em que a ofendida se encontrava, ela estava lendo. Negou estar alcoolizado e reitera que apenas ocorreu uma "conversa" entre o casal. Que sua sogra não estava dormindo e que até se juntou à eles, após a discussão. O réu afirmou que a vítima já tinha entrando com uma liminar de separação de corpos, que ele já estava preparado para tal.

Tendo em vista os elementos de prova produzidos ao longo do processo, entendo que a mesma se mostra plena, bem como coerente, de modo a embasar o juízo condenatório do réu, uma vez que a vítima corroborou o depoimento prestado em sede policial.

Como cediço, em delitos praticados no âmbito doméstico e familiar, a palavra da vítima ganha especial relevo, considerando-se as circunstâncias de convívio íntimo – e em regra sem testemunhas – nas quais geralmente ocorrem as agressões, mormente quando prestada de forma segura e crível, como no caso em tela.

...

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