Acórdão nº 50485054020218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50485054020218210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002145068
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5048505-40.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador JOAO MORENO POMAR

APELANTE: ANTONIO CARLOS DA SILVA FELIX (AUTOR)

APELADO: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

ANTÔNIO CARLOS DA SILVA FELIX apela da sentença proferida nos autos da ação revisional que move em face de BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A, assim lavrada:

Vistos etc.

ANTONIO CARLOS DA SILVA FELIX ajuizou ação revisional de contrato em face de BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A., alegando, em síntese, ter firmado contrato de cartão de crédito consignado com a requerida, o qual apresenta cláusulas abusivas. Afirmou que a taxa de juros remuneratórios é exacerbada e acima da média praticada pelo Bacen. Discorreu sobre a descaracterização da mora e o direito à repetição de valores. Postulou a concessão da gratuidade judiciária, o deferimento da tutela de urgência, a fim de depositar em juizo o valor incontroverso e vedar a inscrição do autor em cadastros de inadimplentes, a limitação dos juros remuneratórios, a descaracterização da mora e a restituição em dobro ou simples dos valores cobrados a maior. Acostou documentos (evento 1).

Determinada redistribuição para esta Vara Cível, em razão da resolução nº 1329/2021 da COMAG (evento 3).

Concedido o benefício da gratuidade de justiça à autora, indeferida a tutela de urgência e invertido o ônus da prova (evento 6).

Citada, a parte ré contestou (evento 18), suscitando, preliminarmente, a impugnação da AJG concedida, a inépcia da inicial, pelo descumprimento do Art. 330 §2 e §3 do CPC. Defendeu a legalidade na contratação e das taxas praticadas. Discorreu sobre os juros remuneratórios e a inaplicabilidade da Lei de Usura. Defendeu a caracterização da mora e o descabimento da repetição de valores. Requereu a improcedência dos pedidos. Juntou documentos.

Sobreveio réplica (evento 21).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

DECIDO.

O feito tramitou regularmente. Não há nulidades ou irregularidades processuais a sanar e foram observados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, nos termos do art. 5º, LV, da Constituição Federal de 1988.

Não havendo necessidade de produção de outras provas para a resolução da lide, autorizado o seu julgamento antecipado, no estado em que se encontra, conforme o disposto no art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil.

Inicialmente, rejeito a impugnação à gratuidade judiciária, visto que a parte autora aufere renda inferior a cinco salários mínimos, como bem reconhecido pelo réu, circunstância que se amolda ao entendimento fixado na Conclusão 49ª do Centro de Estudos do TJRS.

Ademais, pretendendo a revogação do benefício, competia ao réu trazer elementos capazes de demonstrar a ausência de veracidade nas informações prestadas ou de que a situação da parte autora se modificou no curso da ação, ônus do qual não se desincumbiu.

Nesse sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR. SERVIÇO DE HOME CARE, FONOAUDIÓLOGA E FISIOTERAPEUTA. INCLUSÃO DA UNIÃO. DESNECESSIDADE. PLEITO DE TUTELA DE URGÊNCIA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS. PRELIMINAR. REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO DA GRATUIDADE. IMPOSSIBILIDADE. 1. O benefício da Assistência Judiciária Gratuita pode ser impugnado a qualquer tempo. Para a revogação do benefício processual, é necessário que a parte adversa comprove nos autos que a parte que teve deferido o benefício possui plenas condições de arcar com as custas do processo e honorários de advogado; caso contrário, deve prevalecer a decisão de concessão do benefício. 2. O agravante não instruiu o recurso com os documentos referente aos rendimentos da parte agravada, a fim de comprovar suas alegações e sustentar o seu pedido de revogação do benefício concedido, razão pela qual vai indeferido o referido pleito. (...) AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 50322514420218217000, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leonel Pires Ohlweiler, Julgado em: 22-04-2021) -Grifei-

Rejeito a preliminar de indeferimento da inicial, pois a parte autora especificou os encargos controvertidos, atendendo ao disposto no art. 330, §2º, do CPC.

Inexistem preliminares pendentes de análise, ao passo que se fazem presentes os pressupostos processuais e as demais condições da ação, razão pela qual passo ao exame do mérito.

A controvérsia reside na taxa de juros aplicada no contrato nº 814301474, firmado em 19/04/2020, em 84 parcelas de R$ 440,02, referente a empréstimo pessoal consignado para pensionista (EXTR6 - Evento 1).

Dos juros remuneratórios

Com a revogação expressa do § 3º do art. 192 da Constituição Federal, pela Súmula n° 648 do Supremo Tribunal Federal, a tese de limitação dos juros remuneratórios em 12% ao ano com base na auto-aplicabilidade daquele dispositivo constitucional restou totalmente superada.

Também não há falar em limitação dos juros com base na Lei de Usura, que não se estende às instituições financeiras, consoante o teor da Súmula n° 596 do STF.

O entendimento jurisprudencial do egrégio Superior Tribunal de Justiça está sedimentado no sentido de que somente se pode revisar os juros remuneratórios pactuados quando o índice contratado seja extremamente abusivo, assim entendido aquele que supera a denominada taxa média de mercado fornecida pelo BACEN em seu site. Os juros são limitados, então, em hipótese excepcional, qual seja, quando ultrapassada a taxa média de mercado.

A decisão paradigma, RESP 1.061.530/RS, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, julgado em 22/10/08, foi assim ementada:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO. (...) Neste julgamento, os requisitos específicos do incidente foram verificados quanto às seguintes questões: i) juros remuneratórios; ii) configuração da mora; iii) juros moratórios; iv) inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes e v) disposições de ofício. (...) I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE. ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS. a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. (...) (REsp 1.061.530/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009).

Na esteira do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a jurisprudência vem reiteradamente decidindo, que haverá abusividade na pactuação dos juros quando a taxa de juros remuneratórios praticada no contrato objeto da revisão superar uma vez e meia a taxa média de mercado conforme divulgado em tabelas pelo BACEN para o mês de celebração do instrumento, consideradas as operações da mesma natureza.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA. CÉDULAS DE CRÉDITO BANCÁRIO. CONFISSÃO DE DÍVIDA. ALEGAÇÕES DE ABUSIVIDADES. PRELIMINAR DE NULIDADE DA EXECUÇÃO. Arguição de nulidade da execução dissociada do contexto dos autos, que trata da revisão das cláusulas dos contratos estabelecidos entre as partes. Apelo não conhecido no tópico. POSSIBILIDADE DE REVISÃO DOS CONTRATOS QUITADOS. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. As questões atinentes à possibilidade de revisão dos contratos que deram ensejo ao pacto de renegociação de dívida e à aplicação da legislação consumerista foram objeto de apreciação pelo juízo de origem, carecendo a autora de interesse recursal quanto a tais pontos. JUROS REMUNERATÓRIOS. Mostra-se possível a limitação dos juros remuneratórios praticados quando esses excederem uma vez e meia a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil. Manutenção dos juros remuneratórios contratados, porquanto não excedem as médias de mercado. (...) APELO CONHECIDO EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, PARCIALMENTE PROVIDO.(Apelação Cível, Nº 70083678490, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira Rebout, Julgado em: 04-02-2021) -Grifei-

No caso em exame, o contrato revisando, firmado entre as partes em 19/04/2020 (EXTR6 - Evento 1), prevê a cobrança de juros remuneratórios no patamar de 1,86% ao mês e 24,82% ao ano, o que não se afigura abusivo, tendo em vista que, em casos de cartão de crédito rotativo, a taxa de juros estabelecida pelo BACEN é de 178,48% ao ano, diferença esta que não se mostra excessiva a ponto de justificar a limitação desse encargo.

Da Descaracterização da Mora.

A mora só fica descaracterizada quando há cobrança de encargos abusivos durante o período da normalidade contratual (juros remuneratórios e/ou capitalização de juros), consoante posicionamento sedimentado pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.061.530/RS, de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi, submetido ao regime dos recursos repetitivos,...

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