Acórdão nº 50485212820208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50485212820208210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002845416
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5048521-28.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Reconhecimento/Dissolução

RELATOR: Desembargador RUI PORTANOVA

RELATÓRIO

Trata-se de ação de dissolução de união estável cumulada com partilha de bens ajuizada por ANA PAULA em face de ANTONIO FRANCISCO.

Na inicial, a autora relatou união estável vivenciada com o demandado, pelo regime da separação de bens, iniciada em maio/2006, conforme escritura pública firmada. Requereu a dissolução da união estável vivenciada até 22/12/2018, e a partilha de bens comuns.

Em contestação, o demandando concordou com a dissolução da união, insurgindo-se, contudo, quanto a partilha de bens, face adoção do regime de separação de bens.

A sentença julgou julgou parcialmente procedentes os pedidos da inicial, para dissolver a união vivenciada e reconhecer a inexistência de bens a partilhar (Evento 61 dos autos de origem).

O demandado opôs embargos declaratórios (Evento 65 dos autos de origem) que foram desacolhidos (Evento 74 dos autos de origem)

Da sentença, ambas as partes recorreram.

A autora requereu a partilha dos bens elencados na inicial (Evento 71 dos autos de origem).

Ausente contrarrazões (Evento 76 dos autos de origem).

O demandado requereu (a) seja declarado que o veículo é de sua propriedade, e (b) seja reformada a distribuição da sucumbência, já que sucumbiu minimamente (Evento 79 dos autos de origem).

Contrarrazões ao Evento 14.

O Ministério Público com atuação neste grau jurisdicional deixou de exarar parecer de mérito (Evento 07).

É o relatório.

VOTO

APELAÇÃO DA AUTORA.

Na inicial, a autora reconheceu ter vivenciado união estável com o demando, com data de inicio em maio/2006, pelo regime da separação de bens, nos termos da escritura pública firmada (Evento 1, CERTCAS5, dos autos de origem); e pediu a partilha dos seguintes bens:

"- A quarta parte da oficina mecânica de chapeação e pintura, já incluso no valor estimado, materiais e ferramentas de trabalho – valor estimado pela Requerente em R$ 50.000,00 (quarta parte – parte da Requerente);

- Um Reboque/Artezanal, carroceria aberta, placa IJR 9147, modelo 2000, CHASSI 9EZRS10PCY0001591, Cor Azul, para transporte de embarcações, adquirido em 31/10/2000 – valor estimado R$ 10.500,00

- Uma motocicleta, Yamaha/XVS950A MIDN.STAR, placa IRV1055, CHASSI 9C6KN0010B0002312, ANO 2011, Cor Preta, adquirida em 23/02/2016 – valor estimado Tabela Fipe R$ 23.876,00;

- Uma motocicleta, Yamaha/Neo AT115, placa IQD6273, CHASSI 9C6KE100080023682, ANO 2008, Cor Azul, adquirida em 22/09/2009, adquirida em 22/09/2009, valor estimado Tabela Fipe R$ 3.750,00;

- Um carro Gol VW 1.0, branco, placa IGW 6981, fabricação 2010/2011, em nome da Requerente, porém em posse do Réu, adquirido em 07/04/2015, valor estimado Tabela Fipe R$ 18.532,00;

- Uma embarcação lancha, para 12 tripulantes, com 15 metros de comprimento, todo em fibra, resina e vidraçaria, com deck, devidamente registrado na Marinha do Brasil, fotografias em anexo, valor estimado R$ 220.000,00"

Em contestação, o demandado rechaçou o pedido de partilha dos bens, face regime de bens adotados.

Em réplica, a autora requereu a nulidade da escritura pública, justificando que não sabia dos efeitos do regime de bens adotados quando firmou a escritura pública de união.

A sentença julgou improcedente o pedido:

"VALIDADE DO REGIME DE BENS NA ESCRITURA PÚBLICA

Na união estável, o regime que disciplina as relações patrimoniais é o da comunhão parcial de bens, o que resulta na comunicação de todos os bens que sobrevierem ao casal, na constância da união.

O Código Civil dispõe:

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

Todavia, as partes, conforme autoriza o art. 1725 do Código Civil, optaram por escolher o regime da separação de bens (Evento 1, doc 5).

Cabe ressaltar regra do Código Civil brasileiro, consubstanciada no art. 104, que estabelece que a validade do negócio jurídico necessita de:

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I - agente capaz;

II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III - forma prescrita ou não defesa em lei.

Não há como se afastar a validade ao ato jurídico estabelecido no reconhecimento da união estável porque a autora não refere a existência de nenhum vício de consentimento em sua narrativa posta na inicial, capaz de inquinar de nulidade o ajuste. De outro norte, não se sustenta a tese por ela veiculada apenas na réplica à contestação, no sentido de que: "a autora quando assinou a Certidão de União estável foi para legalizar a situação de sua família, e não para abrir mão de seus esforços junto ao companheiro na construção da vida em comum". Aduzindo que "o estipulado na Certidão de União estável, foi 'no que couber, o regime de separação de bens'”. Iso porque consta do instrumento dotado de fé pública que foi lido em voz alta aos presentes, os quais acharam conforme e assinaram a escritura, fato que desampara a sustentação do vício.

De salientar ainda, que o relacionamento do casal perdurou após a assinatura da escritura pública, datada de 28 de agosto de 2017, por mais de um ano, sem solução de continuidade, mesmo depois da alegada coação para a assinatura do instrumento, não sendo viável supor, diante de tal quadro, que a convivência fosse assim tão perversa, a ponto de autora ter sido coagida a firmar o documento público.

Assim entende o nosso Tribunal de Justiça do Estado, constando do corpo do Acórdão 70082896085, da 8ª Câmra Cível, Relatoria do Eminente Desembargador José Antônio Daltoé Cezar, julgado em 11 de setembro de 2020:

"O pacto é hígido, sequer havendo alegação da existência de vício de consentimento nos autos, sendo que nas uniões estáveis comum que, quando os conviventes percebem sua condição, é que manifestam o intento de estabelecer as regras em relação às questões patrimoniais, especialmente o regime de bens, mediante instrumento que terá efeito retroativo, salvo nos casos de expressa previsão em contrário.

Inexiste motivo razoável para vedar que duas pessoas, maiores e capazes, estabeleçam, para efeitos patrimoniais, 'o que lhes aprouver', como expressamente autoriza o artigo 1.639 do Código Civil. No mesmo viés, o artigo 1.725 do Código Civil confere validade à escritura pública que fixa as regras patrimoniais escolhidas para a união estável vivida pelas partes.

Igualmente, me filio ao entendimento esposado pela Min. Nancy Andrighi, em voto divergente proferido quando do julgamento do REsp 1597675/SP:

Vale aqui ressaltar, que embora a locução “união estável” guarde “sinonímia legal” com o termo casamento, tanto quanto ocorre com os vocábulos sinônimos, os institutos têm proximidade muito grande, mas não são idênticos, razão pela qual, nem sempre é possível aplicar-se o regramento expresso do casamento, para as uniões estáveis. E isso é tanto mais verdade, quanto o é a capacidade de restringir a autonomia da vontade da regulação do casamento.

É dizer: as regulações restritivas, próprias do casamento, não podem atingir, indistintamente, as uniões estáveis, se não houver fundada razão baseada em princípios jurídicos ou proteção de valores socialmente benquistos.

Assim, não vejo como possível a singela e genérica aplicação do posicionamento do STJ, relativa à impossibilidade de a alteração do regime de bens no matrimônio ter efeitos ex tunc, aos contratos que dispõe sobre relações patrimoniais na união estável.

Nestes, a lei não faz restrições, ao revés, dá ampla liberdade de contratação, podendo os companheiros, inclusive, solverem as questões sobre o patrimônio da forma como bem lhes aprouver:

Nesse sentido o escólio de Maria Berenice Dias:

Quando do fim da união, os companheiros podem solver as questões patrimoniais sem interferência da Justiça, mesmo que tenham sido adquiridos bens imóveis. Na hipótese de haver consenso sobre a divisão dos bens, se no título de propriedade o adquirente se qualificou como vivendo em união estável, é possível realizar a partilha extrajudicial. Caso contrário, nem isso é necessário.

Como não há a necessidade da intervenção estatal para sacralizar o fim da união estável – quer existam filhos mesmo incapazes – pode o casal se limitar a proceder a partilha de bens, que pode ser levada a efeito por contrato particular, mesmo de bens imóveis. (Dias, Maria Berenice. In: Manual de Direito das Famílias; 11ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, pag. 267)

Ora, na espécie, os ex-companheiros nada mais fizeram do que acordar, em verdadeiro pacto resolutório, sobre o patrimônio amealhado durante a união estável havida entre as partes."

Ademais, direito patrimonial tem como regra ser plenamente disponível, salvo eventuais restrições legais, não se amoldando no caso em apreço, tanto que, coriqueiramente, têm-se casos em que um dos conviventes abre mão de sua meação em favor do outro. Entendimento contrário, no sentido de não poder ocorrer a disponibilidade no decorrer da união estável, também levaria a impossibilidade de dispor do patrimônio quando da sua extinção.

Portanto, em observância ao princípio da autonomia privada devem ser mantidos os termos da escritura pública firmada entre as partes, não havendo falar em partilha de bens no período anterior à sua assinatura, haja vista o regime eligido pelas conviventes, através de escritura pública.

As testemunhas, quer da autora quer do requerido, ouvidas nas instrução (Evento 55) nada revelam em relação qualquer vício de consentimento ou coação que tivesse sofrido a Autora para a assinatura do ato nem sequer ocorreram perguntas da parte autora nesse sentido e, pelo contexto das declarações,...

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