Acórdão nº 50491348220198210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 24-06-2022

Data de Julgamento24 Junho 2022
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50491348220198210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002257115
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5049134-82.2019.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Mútuo

RELATOR: Desembargador MARCO ANTONIO ANGELO

APELANTE: MARA SONGER RODRIGUES NOGUEIRA (AUTOR)

APELANTE: FUNDACAO CORSAN DOS FUNCIONARIOS DA COMPANHIA RIOGRANDENSE DE SANEAMENTO CORSAN (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por MARA SONGER RODRIGUES NOGUEIRA e por FUNDACAO CORSAN DOS FUNCIONARIOS DA COMPANHIA RIOGRANDENSE DE SANEAMENTO CORSAN contra a sentença proferida na ação revisional, com o seguinte dispositivo (Evento 88 do originário):

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados para afastar a capitalização de juros nos contratos objeto da demanda, condenando a ré a ressarcir, de forma simples, eventuais valores cobrados a esse título, corrigidos pelo IGPM e acrescidos de juros legais desde cada cobrança, autorizada a compensação com eventual débito e observada a prescrição decenária anterior à propositura da demanda, o que deverá ser apurado em liquidação de sentença.

Considerando o decaimento mínimo da ré, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios do procurador da parte adversa que arbitro em R$ 1.000,00, tendo em vista o disposto no §8º do art. 85 do CPC.

A FUNCORSAN e a autora opuseram embargos de declaração (Eventos 92 e 97 do originário). Os embargos da autora foram desacolhidos (Evento 99 do originário), enquanto os embargos da ré foram parcialmente acolhidos para "fazer constar o INPC e não IGP-M, como constou inicialmente na sentença". (Evento 108 do originário).

FUNDACAO CORSAN DOS FUNCIONARIOS DA COMPANHIA RIOGRANDENSE DE SANEAMENTO CORSAN, declinando suas razões (Evento 114 do originário), preliminarmente, arguiu ausência de interesse processual quanto ao pedido de afastamento da capitalização mensal de juros. No mérito, requer a reforma da sentença para autorizar a capitalização e afastar a repetição do indébito. Destacou o prejuízo dos demais participantes com o descumprimento da avença contratual redundando no desequilíbrio atuarial do plano de benefícios.

MARA SONGER RODRIGUES NOGUEIRA, por sua vez, declinando suas razões (Evento 115 do originário), requer seja afastada a prescrição, uma vez que há continuidade negocial, com a renovação sucessiva da obrigação principal, pronunciando-se sobre a revisão de todos os contratos objeto da lide, sobretudo diante do termo inicial a contar do vencimento de cada contrato. Destacou que a FUNCORSAN entidade de previdência privada fechada com finalidade precípua de prover a complementação de benefícios da previdência social, todo empréstimo por ela realizado deve adotar a legislação pertinente ao empréstimo entre privados, em especial juros legais de 1% ao mês, conforme o art. 406 do Código Civil, combinado com o art. 161, §1° do Código Tributário Nacional, motivo pelo qual requer a limitação dos juros remuneratórios a 12% ao ano. Requer também o redimensionamento dos ônus da sucumbência, condenando a ré ao pagamento de honorários advocatícios no percentual de 20% sobre o proveito econômico obtido.

Foram apresentadas contrarrazões pelas partes (Eventos 120 e 121 do originário).

Cumprido o disposto nos artigos 931, 934 e 935 do CPC/2015.

É o relatório.

VOTO

PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS.

Resulta necessário que a parte, para a propositura da ação, tenha interesse processual (art. 17 do CPC/2015), o qual diz respeito à necessidade da intervenção judicial e à utilidade do provimento jurisdicional pretendido de acordo com os fatos narrados na inicial.

Ao analisar à aferição da existência de interesse e legitimidade das partes, Luiz Guilherme Marinoni1 ensina o seguinte:

O interesse e a legitimidade para causa representam requisitos para o julgamento do pedido e devem ser aferidos in status assertionis, isto é, à vista das afirmações do demandante, sem tomar em conta as provas produzidas no processo. Havendo manifesta ilegitimidade para causa ou quando o autor carecer de interesse processual, pode ocorrer o indeferimento da petição inicial (art. 330, II e III, CPC), com extinção do processo sem resolução de mérito (art. 485, VI, CPC). Todavia, se o órgão jurisdicional, levando em consideração as provas produzidas no processo, convence-se da ilegitimidade da parte ou da ausência de interesse do autor, há resolução de mérito (art. 487, I, CPC). No primeiro caso, não há que se pensar na formação de coisa julgada (art. 502, CPC). Nada obstante, mesmo inexistindo sentença de mérito e coisa julgada, porque o pronunciamento judicial é capaz de obstar nova propositura da demanda, caberá ação rescisória (art. 966, § 2.º, I, CPC). No segundo, há resolução de mérito e formação de coisa julgada, seguindo-se a regra geral da possibilidade de propositura de ação rescisória (STJ, 3.ª Turma, REsp 21.544/MG, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 19.05.1992, DJ 08.06.1992, p. 8.619).

Na hipótese, em tese, a presente ação é via útil e necessária para resolver a pretensão da autora de revisar os contratos de mutuo firmados com a entidade-ré, inclusive em relação à capitalização de juros, a qual a requerente defende sua incidência e abusividade, havendo pretensão resistida.

A procedência, ou não, do pedido envolvendo a capitalização de juros é questão de mérito.

REJEITO, pois, a preliminar contrarrecursal de ausência de interesse processual arguida pela fundação-ré.

PRESCRIÇÃO.

A pretensão revisional cumulada com repetição do indébito prescreve nos prazos previstos no artigo 177 do CCB/1916 e artigo 205 do CCB/2002, a depender da norma de transição do art. 2.028 do CCB/2002.

Com efeito, o art. 177 do CCB/1916 dispunha:

Art. 177. As ações pessoais prescrevem ordinariamente, em vinte anos, as reais em dez entre presentes e, entre ausentes, em vinte, contados da data em que poderiam ter sido propostas.

O artigo 205 do CCB/2002, por sua vez, determina:

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

Por outro lado, a regra de transição esculpida no art. 2.028 do CCB/2002, dispõe que serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

Assim, nas ações revisionais de contratos bancário - ainda que extintos - com pretensão de repetição de indébito, o prazo a ser observado é o do art. 177 do CC/1916, prazo vintenário, ou o decenal previsto no art. 205 do novo Código Civil, devendo-se para tanto observar a referida regra de transição.

Nesse sentido, precedentes do STJ:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA. BANCÁRIO. [...] 3. PRAZO PRESCRICIONAL VINTENÁRIO (CÓDIGO CIVIL DE 1916) OU DECENAL (CÓDIGO CIVIL DE 2002). DEVOLUÇÃO EM DOBRO. [...] 3. Conforme entendimento assente deste Tribunal, o prazo prescricional para as ações revisionais de contrato bancário, nas quais se pede o reconhecimento da existência de cláusulas contratuais abusivas e a consequente restituição das quantias pagas a maior, é vintenário (sob a égide do Código Civil de 1916) ou decenal (na vigência do novo Código Civil) pois fundadas em direito pessoal. [...] 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 763.465/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/11/2015, DJe 27/11/2015).

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. PLANO ECONÔMICO. COLLOR I (MARÇO/1990). ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. PRESCRIÇÃO. PRAZO. ART. 177 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 E ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. TERMO INICIAL. LESÃO. 1. A prescrição para a restituição/repetição de valores pagos indevidamente em virtude de contrato bancário segue os prazos previstos no art. 177 do Código Civil de 1916 e no art. 205 do Código Civil de 2002, respeitada a norma de transição do artigo 2.028 deste último diploma legal, e tem como termo de início de contagem o momento da lesão de direito. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 613.323/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 10/03/2015, DJe 23/03/2015).

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CÉDULA RURAL. REVISÃO DE CONTRATOS FINDOS. ADMISSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. PRAZO VINTENÁRIO. SÚMULA N. 83/STJ.1. A possibilidade de revisão de contratos bancários prevista na Súmula n. 286/STJ estende-se a situações de extinção contratual decorrente de quitação.2. Incide a prescrição vintenária do art. 177 do CC/1916 ou a decenal do art. 205 do CC/2002 nos casos de ações de repetição de indébito, respeitada a regra de transição prevista no art. 2.028 do atual Código.3. Agravo regimental desprovido.(AgRg no AREsp 32.822/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/08/2013, DJe 22/08/2013).

E desta Décima Nona Câmara Cível:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE CRÉDITO PESSOAL. DA PREFACIAL CONTRARRECURSAL: A prescrição da pretensão para revisar contratos bancários e pleitear restituição de valores indevidamente pagos segue a norma do artigo 205, do Código Civil" (STJ AREsp 137892 / PR). [...] REJEITARAM A PREFACIAL CONTRARRECURSAL. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70069605483, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Julgado em 11/08/2016)

Outrossim, o termo inicial do prazo prescricional deve corresponder à data da assinatura do contrato em revisão.

Nesse sentido:

APELÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO...

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