Acórdão nº 50499567120198210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 31-08-2022

Data de Julgamento31 Agosto 2022
ÓrgãoNona Câmara Cível
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50499567120198210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002630767
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5049956-71.2019.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Material

RELATOR: Desembargador CARLOS EDUARDO RICHINITTI

APELANTE: MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE (RÉU)

APELADO: ONC ADMINISTRACAO LTDA. (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de remessa necessária1 e apelação cível interposta pelo MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE em face de sentença (evento 73 do processo originário) que, nos autos da ação indenizatória movida por ONC ADMINISTRAÇÃO LTDA., julgou parcialmente procedente o pedido nos seguintes termos:

(...) Pelo exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial para condenar o réu no pagamento de indenização a título de lucros cessantes, no montante total de R$ 1.430.123,69 [R$ 29.093,28 (IPTU) + R$ 1.401.030,41 (alugueres) - Evento 1, CALC22], devidamente atualizado pelo IPCA a contar do ajuizamento da ação e juros de mora (índice da caderneta de poupança) a contar da citação; além disso, em relação aos alugueres e dívidas de IPTU desde o ajuizamento da ação até a data da finalização das obras da trincheira da esquina das avenidas Cristóvão Colombo e Dom Pedro II, a quantia deverá ser apurada por liquidação, observados os mesmos índices de atualização utilizados nos cálculos do demandante.

Considerando que o autor decaiu em parte mínima do pedido, condeno o demandado ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da condenação. Isento o requerido do pagamento das custas processuais, sem prejuízo de reembolso de eventuais despesas judiciais feitas pela parte vencedora, nos termos do artigo 5º, inciso I e parágrafo único da Lei Estadual nº 14.634/2014.

Intimem-se.

Em suas razões (evento 77 dos autos originários), alega o apelante, em síntese apertada, que não há, no caso concreto, prova suficiente da prática de ato ilícito pela chamada faute du service. Aduz que eventuais transtornos decorrentes da obra pública executada nos entornos do imóvel pertencente à demandante não constituem ato lesivo perpetrado pelo Município contra a autora, não passando, assim, de encargos normais da vida em sociedade, mormente em uma capital do porte de Porto Alegre. Sustenta que os contratempos enfrentados pela parte adversa em virtude da obra realizada nas imediações do seu imóvel são consequências naturais dos princípios administrativos da indisponibilidade do interesse público e da sua supremacia sobre o interesse privado. Discorre sobre os princípios que regem a atividade da Administração Pública e assinala que a parte contrária não logrou comprovar que houve atuação estatal contrária a parâmetros legais e contratuais que tenha implicado o bloqueio para acesso ao seu imóvel ou qualquer outra restrição imposta ao desenvolvimento de sua atividade comercial, inexistindo prova de que o atraso da obra relativa à trincheira da Avenida Cristóvão Colombo tenha sido a causa dos prejuízos alegados na exordial, circunstância que afasta qualquer caracterização de ato ilícito por parte do ente estatal. Pondera que a obra questionada em juízo era de grande porte e demandava, por conseguinte, procedimentos complexos de engenharia, estando naturalmente sujeita, assim, a atrasos em sua execução. Descreve as características e finalidades urbanísticas da obra realizada, bem como os benefícios visados com sua execução para o fluxo de veículos naquela localidade, argumentando, ainda, que, a médio e longo prazo, a região será consideravelmente valorizada. Aduz, nesse contexto, que não se pode falar, in casu, em configuração de nexo causal por conta de “desvalorização patrimonial” supostamente decorrente da denúncia do contrato de locação que mantinha com empresa farmacêutica e consequente impossibilidade de firmar novas relações negociais a esse título, até porque o ganho futuro com a realização da obra deve superar, certamente, os transtornos temporariamente suportados com sua execução, além de serem geradas, por causa dela, novas perspectivas de negócios para a autora. Enfatiza, ademais, que não há prova de nexo causal entre os aventados danos e alguma conduta ilícita que lhe seja atribuível. Refere que o atraso da obra não representa, só por si, a configuração de desídia ou desinteresse por parte da Administração Municipal, inexistindo qualquer evidência de imperícia, imprudência ou negligência no projeto ou na contratação das empresas responsáveis por sua execução. Consigna ser fato notório a crise nas finanças públicas por todo o País, com sua agravação pelo ciclo de recessão instaurado nos últimos anos e os consequentes reflexos negativos na economia nacional e nas economias locais. Desse modo, afirma que, no transcurso da execução da obra, sobrevieram mudanças drásticas na situação econômica do Município, com enorme impacto negativo em suas finanças (mormente pela diminuição de repasses federais e estaduais), o que teve implicação inequívoca no andamento da obra em referência. Registra, nesse contexto, que, no ramo de atuação da antiga locatária da demandante (farmacêutico), não há dúvida de que sobrevieram impactos igualmente negativos em sua situação financeira por conta da recessão econômica de âmbito nacional, não se podendo eleger a obra realizada na região como a causa exclusivamente determinante do distrato de seu pacto de locação. Destaca que inúmeros fatores e contingências influem no desempenho comercial de estabelecimentos empresariais, razão pela qual não se pode considerar a referida obra pública como causa única da desvalorização patrimonial afirmada e dos prejuízos econômicos e negociais daí decorrentes. Argumenta que decisões como a aquisição de determinado imóvel e a manutenção ou não de negócio no local, assim como escolhas acerca da condução do negócio estabelecido no imóvel (contratação de empréstimos, relacionamento com fornecedores, empregados, etc.) constituem circunstâncias que decorrem da própria atividade especulativa e empresarial e, portanto, são de responsabilidade do proprietário (empresário), e não do ente estatal. Defende, dessa forma, que inexistem danos indenizáveis a título de lucros cessantes, uma vez que a transitória “desvalorizaçao patrimonial”, ou a denúncia do contrato de locação pela locatária, são circunstâncias inerentes ao risco da atividade empresarial e se encontram hoje compensadas pela pujante valorização imobiliária decorrente da obra pública realizada na região, não se podendo imputar ao Poder Público determinadas despesas e prejuízos decorrentes da própria atividade empresarial como locações, formação de pontos comerciais, necessidade de realização de investimentos no estabelecimento, custos com estratégias negociais, pagamento de fornecedores, etc. Cita doutrina e jurisprudência e requer, ao final, o recebimento e o provimento do recurso, com a consequente rejeição da pretensão indenizatória deduzida pela parte contrária.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 85 dos autos de origem).

A Procuradoria de Justiça, por sua vez, declinou de intervir no feito (evento 7).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Recebo o recurso interposto, porquanto atendidos os seus pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade.

A questão controvertida, conforme narrado na exordial, reside na alegação da parte autora de experimentação de prejuízos em virtude de atraso injustificado na conclusão de obra pública realizada nas imediações de imóvel que lhe pertence e que usava para obter renda mediante contrato de locação firmado com empresa do ramo farmacêutico (Droga Raia).

Afirmou a demandante, em suma, que é proprietária de um imóvel situado na Rua Dom Pedro II, nº 1.170, Bairro Higienópolis, em Porto Alegre/RS, consistente em prédio comercial localizado em zona própria para exploração de atividade econômica. Aduziu que o bem lhe foi vendido, em 2011, com contrato de locação vigente entre o antigo proprietário e a farmácia Droga Raia, restando consequentemente subrogada nos direitos e obrigações da referida locação. Consignou, entretanto, que, em 2012, iniciaram-se obras na região em virtude da Copa do Mundo de 2014, as quais não teriam sido ainda concluídas. Sustentou que o atraso injustificado para encerramento da aludida obra teria ocasionado a desvalorização do imóvel e a denúncia, pela locatária, da locação que mantinha com a empresa farmacêutica. Defendeu, diante disso, que o ente demandado é objetivamente responsável pela reparação dos danos que teve de suportar em razão dos transtornos advindos da demora desproporcional para conclusão da obra pública realizada na região de seu imóvel. Pugnou, nesse diapasão, pela condenação da Fazenda municipal ao pagamento de indenização por lucros cessantes em face do encerramento da mencionada locação e consequente dificuldade de realizar nova relação negocial a tal título, bem como ao reembolso de valores de IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) que era pago pelo locatário do bem por força do contrato então denunciado. Requereu, ainda, o recebimento de indenização por danos emergentes em razão da ausência de circulação de pessoas no entorno do imóvel em função das obras promovidas pelo réu e o atraso daí decorrente, permitindo, com isso, que vândalos passassem a frequentar o local e depredassem o bem. Postulou, assim, a procedência da ação para fins de responsabilização do requerido ao pagamento da soma total de R$ 1.677.010,75 (um milhão, seiscentos e setenta e sete mil, dez reais e setenta e cinco centavos) a título de indenização por lucros cessantes e danos emergentes, além de quantias correspondentes a lucros cessantes a serem apuradas em sede liquidação de sentença por arbitramento.

A sentença foi de parcial...

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