Acórdão nº 50499575120228210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 24-11-2022

Data de Julgamento24 Novembro 2022
ÓrgãoSexta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50499575120228210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002875015
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5049957-51.2022.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de Água

RELATORA: Desembargadora ELIZIANA DA SILVEIRA PEREZ

APELANTE: ANTONIO LUIZ FERREIRA VIANA (AUTOR)

APELADO: DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE ÁGUA E ESGOTOS - DMAE (RÉU)

RELATÓRIO

ANTÔNIO LUIZ FERREIRA VIANA interpõe recurso de apelação da sentença (evento 23) que julgou improcedente o pedido formulado nos autos da demanda que move em face de DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE ÁGUA E ESGOTOS - DMAE.

Em suas razões (evento 29), afirma residir em localidade pobre do Município de Porto Alegre, sofrendo com as constantes faltas de água. Ressalta ter ficado 74 horas sem abastecimento, situação que acarretou imensos transtornos e aborrecimentos. Refere que, segundo o seu próprio diretor, o DMAE teria ficado “descapitalizado” pela sistemática retirada de recurso para o caixa único do Município, o que teria acabado por inviabilizar os investimentos necessários em obras de infraestrutura para os consumidores, de modo que a obra necessária nunca foi feita. Argumenta não ter sido o “caso fortuito” que deu causa ao desabastecimento que gerou os danos sofridos, mas a desídia do apelado em relação ao serviço de qualidade que deveria ter prestado ao consumidor. Aduz que os problemas de interrupção foram previstos desde 2011, justamente pela falta de investimentos. Salienta que a responsabilidade da ré é objetiva, conforme prevê o § 6º do art. 37 da Constituição da República.

Requer o provimento do recurso.

O DMAE ofereceu contrarrazões (evento 33).

Remetidos os autos a esta Corte, vieram conclusos os autos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas.

Trata-se de demanda na qual a parte autora narra ter sofrido interrupções no abastecimento de água potável, por negligência administrativa do DMAE.

Alega que tais fatos são de amplo conhecimento do Poder Público, conforme reconhecido pelo próprio Diretor do Departamento Municipal de Água e Esgotos, o que evidencia a negligência da Administração.

Aduz ter ficado sem água em sua residência do dia 2 de janeiro de 2022, às 17h00min, até o dia 5 de janeiro de 2022, às 19h00min.

Requer a procedência do pedido para condenar o réu ao pagamento de indenização pelos danos morais sofridos no período que ficou sem o abastecimento de água, no montante de 61 salários mínimos, ou em valor a ser arbitrado pelo juízo.

Inicialmente, ressalto ser objetiva a responsabilidade civil da autarquia municipal pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, uma vez que se trata de pessoa jurídica de direito público, nos termos do parágrafo 6º do art. 37 da Constituição da República, assim dispondo, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. [grifei]

A Constituição da República adotou a teoria do risco administrativo, segundo a qual a indenizabilidade decorre da comprovação da existência de nexo de causalidade entre a conduta e a existência de dano, independente da demonstração da culpa do agente.

Além disso, por se tratar de relação de consumo, nos termos do art. 141 do Código de Defesa do Consumidor, a autarquia responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados ao consumidor por defeitos relativos à prestação de seus serviços.

Portanto, cumpre verificar se estão presentes os pressupostos do dever de indenizar, quais sejam, a relação de causalidade com o resultado danoso e o prejuízo sofrido com o ato praticado, bem assim eventual existência de excludentes de responsabilidade – caso fortuito, força maior, fato de terceiro ou a culpa exclusiva da vítima.

Ademais, observada a regra do art. 6º, inciso VIII2, do CDC, possível a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, hipossuficiente em relação à concessionária, que dispõe de meios técnicos para comprovar suas alegações.

Na espécie, é incontroverso o fato de que a parte autora ficou durante seis dias sem o fornecimento de água em sua residência, abastecida pelo Subsistema EBAT (Estação de Bombeamento de Água Tratada) São Manoel, em face de interrupções ocorridas entre os dias 2 e 4 de janeiro de 2022, com interrupção durante 28h50min (evento 6, p. 5), situação que sustenta ter-lhe causado dano moral.

Para eximir-se do dever de indenizar, a parte requerida alega a existência de excludente de responsabilidade, em face de queda brusca de fornecimento de energia elétrica em decorrência de temporal, o que configura interrupção emergencial, prevista no art. 40, inciso I e parágrafo 1º, da Lei nº 11.445/073.

Contudo, embora a autarquia sustente que as interrupções foram emergenciais, o nexo causal entre a conduta omissiva da autarquia e o prejuízo alegado encontra-se suficientemente demonstrado, porquanto a suspensão do fornecimento ocorreu por um tempo total de mais de 28 horas no período informado, situação que, sem dúvida, acarretou transtornos que transcendem o mero dissabor, ainda que em decorrência de evento climático, ensejando o dever de indenizar.

A fornecedora de serviços de fornecimento de água potável possui o dever de dimensionar sua rede de distribuição de tal modo que os seus usuários não estejam à mercê de interrupções dessa dimensão temporal, ainda que possam ser reputadas emergenciais em decorrência de questões climáticas, uma vez que a falta do bem essencial viola o núcleo do direito fundamental à dignidade da pessoa humana (inciso III do art. 1º da Constituição da República).

Assim, ausente excludentes de responsabilidade, deve ser reconhecido o dever de indenizar.

No tocante ao dimensionamento do quantum fixado a título de dano moral, destaco que se deve observar o princípio da proporcionalidade, bem assim a sua natureza reparatória e pedagógica, com o escopo de evitar que se repitam condutas assemelhadas.

Observados tais vetores, em especial o espaço de tempo durante o qual houve a interrupção do fornecimento de água, tenho que o montante da condenação deva ser fixado em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ÁGUA. FALHA DEVIDAMENTE COMPROVADA NOS AUTOS. DANOS MORAIS IN RE IPSA CONFIGURADOS. 1) Trata-se de ação de indenização, através da qual os autores pretendem a indenização pelos danos morais advindos da falha na prestação de serviço essencial, entre os dias 28/12/2019 e 01/01/2020, julgada procedente na origem. 2) Da legitimidade ativa - Em se tratando de serviço público de natureza essencial, este egrégio Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado no sentido de que, independentemente de ser ou não o titular da unidade consumidora, o indivíduo residente em um imóvel que tem o serviço interrompido por prazo demasiado possui, via de regra, legitimidade para postular a reparação dos danos sofridos. Preliminar afastada. 3) Do mérito - A responsabilidade civil imputada à parte ré é objetiva, nos termos do art. 37, § 6º, da constituição federal, já que a demandada é uma sociedade de economia mista, que faz parte da administração indireta do estado. 4) No caso telado, restou suficientemente comprovada a interrupção no fornecimento de água na residência dos autores por aproximadamente 04 dias,. 5) Embora a legislação contemple a possibilidade de interrupções emergenciais no fornecimento de água, por evidente que se trata de medida excepcional, que não pode ser adotada de forma habitual e prolongada, sendo que, no caso em apreço, nao há qualquer justificativa da companhia para suspensão do fornecimento de água na residência dos autores entre os dias 28/12/2019 e 01/01/2020. 6) Por trata-se de dano moral in re ipsa, dispensa a comprovação da extensão dos danos, sendo estes evidenciados pelas circunstâncias do fato. 7) Valorando-se as peculiaridades da hipótese concreta e os parâmetros adotados normalmente pela jurisprudência para a fixação de indenização em hipóteses símiles, a indenização deve ser majorada para R$ 5.000,00 (...), para cada unidade consumidora, de molde a ficar acordo com os critérios da razoabilidade e proporcionalidade. DUPLA APELAÇÃO. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, PARCIALMENTE PROVIDA. APELAÇÃO DA RÉ, DESPROVIDA. (Apelação Cível, Nº 50009246720218210053, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Niwton Carpes da Silva, Julgado em: 29-09-2022) [grifei]

No tocante à taxa única, em se tratando de demanda ajuizada a partir de 15 de junho de 2015, incide o disposto na Lei Estadual nº 14.634/14, que institui a Taxa Única de Serviços Judiciais, prevendo que os Estados e Municípios são contribuintes do referido tributo, nos seguintes termos:

Art. 3.º São contribuintes da taxa:

I - a pessoa que solicita a prestação do serviço mencionado no art. 1.º;

II - a pessoa jurídica de direito público e suas respectivas autarquias, quando vencidas;

[...]

Art. 5.º São isentos do pagamento da taxa:

I - a União, os Estados, os Municípios, os Territórios Federais, o Distrito Federal e as respectivas autarquias e fundações;

[...]

Parágrafo único. A isenção prevista neste artigo não alcança as entidades fiscalizadoras do exercício profissional, nem exime as pessoas jurídicas referidas no inciso I da obrigação de reembolsar as despesas judiciais feitas pela parte...

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