Acórdão nº 50499899020218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50499899020218210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001901466
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5049989-90.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Telefonia

RELATOR: Desembargador DILSO DOMINGOS PEREIRA

APELANTE: TELEFONICA BRASIL S.A. (RÉU)

APELADO: AMADOR VALDECIR DA ROSA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por TELEFONICA BRASIL S.A. em face da sentença proferida nos autos da ação de exibição de documentos que lhe move AMADOR VALDECIR DA ROSA, cujo dispositivo enuncia (Evento 36):

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por AMADOR VALDECIR DA ROSA em desfavor de TELEFONICA BRASIL S.A. para o efeito de determinar a exibição dos documentos postulados pelo autor. Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em R$ 800,00, com base no art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

Em suas razões (Evento 43), a apelante sustenta, preliminarmente, ausência de interesse de agir. Argumenta que não houve pretensão resistida em exibir os documentos pleiteados. No mérito, alega que o valor fixado a título de verba honorária é excessivo. Requer, assim, o provimento do apelo, a fim de acolher a preliminar recursal e extinguir o processo por ausência de interesse de agir. Subsidiariamente, pede a minoração dos honorários sucumbenciais.

Com as contrarrazões (Evento 46), vieram os autos conclusos para apreciação.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

De início, porque prejudicial ao exame das demais questões vertidas nos autos, examino o interesse processual para a propositura da demanda.

O interesse de agir é constituído pelo binômio necessidade-adequação. Sobre o tema, discorre em sede doutrinária Marcos Vinícius Rios Gonçalves (in Novo Curso de Direito Processual Civil, Vol. I. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 92):

(...) A propositura da ação será necessária quando indispensável para que o sujeito obtenha o bem desejado. Se o puder sem recorrer ao Poder Judiciário, não terá interesse de agir. É o caso daquele que propõe ação de despejo, embora o inquilino proceda à desocupação voluntária do imóvel, ou do que cobra dívida que nem sequer estava vencida.

A adequação refere-se à escolha do meio processual pertinente, que produza um resultado útil. Por exemplo, o portador de título executivo não tem interesse em um processo de conhecimento. A escolha inadequada da via processual torna inútil o provimento e enseja a extinção do processo sem resolução do mérito. (...)

Cuidando-se de ação cautelar de exibição de documentos, a discussão a respeito do interesse de agir não é nova na seara jurídica.

Do entendimento de que a ausência de interesse processual por inexistência de comprovação do pedido extrajudicial à compreensão de que o interesse do autor estaria configurado, ainda que ausente a juntada do comprovante de realização do pedido administrativo, houve muita discussão a respeito entre os operadores do Direito.

Recentemente, porém, o STJ colocou uma pá de cal nessa discussão, ao apreciar o Resp nº 1.349.453/MS, processado e julgado na forma do art. 1.036 do CPC/15:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS EM CADERNETA DE POUPANÇA. EXIBIÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. INTERESSE DE AGIR. PEDIDO PRÉVIO À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA E PAGAMENTO DO CUSTO DO SERVIÇO. NECESSIDADE.

1. Para efeitos do art. 543-C do CPC, firma-se a seguinte tese:

A propositura de ação cautelar de exibição de documentos bancários (cópias e segunda via de documentos) é cabível como medida preparatória a fim de instruir a ação principal, bastando a demonstração da existência de relação jurídica entre as partes, a comprovação de prévio pedido à instituição financeira não atendido em prazo razoável, e o pagamento do custo do serviço conforme previsão contratual e normatização da autoridade monetária.

2. No caso concreto, recurso especial provido. (REsp 1349453/MS - RECURSO ESPECIAL 2012/0218955-5, Ministro Relator Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 10/12/2014)

No que tange aos motivos que conduziram à substancial alteração de posicionamento em tela, é esclarecedor o voto-vista da Ministra Maria Isabel Gallotti. Dele permito-me reproduzir elucidativa passagem, assim vazada:

(...) Também inspiram essa reflexão as ponderações que fiz em voto proferido por ocasião do julgamento do REsp 1.231.027/PR, em que examinado o crescente número de ações de prestação de contas, fenômeno caracterizador do surgimento de "indústria de processos" quanto àquela matéria, o que parece se repetir com o presente tema, e que talvez esteja implícito na gênese do equivocado entedimento do Tribunal de origem limitador da ação autônoma de exibição de documentos:

Transportando esses fundamentos para as ações cautelares de exibição de documento, em que apenas se pretende a segunda via de contratos ou extratos bancários, anoto ser inconteste que os bancos já enviam periodicamente extratos, sendo franqueado igualmente o acesso gratuito aos lançamentos em conta bancária por meio da internet. Se não houver a iniciativa de seu cliente de pedir na agência de relacionamento, pelos canis adequados, a emissão de segunda via dos documentos já fornecidos, não há com se considerar configurada a resistência do banco e, portanto, do interesse de agir que justifique a movimentação do Poder Judiciário para a solicitação dos documentos comuns.

Não pairam dúvidas de que a relação entre os bancos e seus correntistas é regida pelo Código de Defesa do Consumidor. Igualmente, é indisputável que o contrato e os extratos são documentos comuns e que o banco tem o dever de fornecê-los ao cliente, quantas vezes for solicitado. Mas o banco não pode adivinhar que determinado cliente deseja a segunda, a terceira ou a quarta via de tal ou qual documento. Não é razoável que o pedido seja feito diretamente perante o Judiciário, sem que tenha sido solicitado extrajudicialmente ao banco. Assim, é pressuposto para configurar o interesse de agir a demonstração de que o banco, ciente da pretensão, não se dispôs a fornecer os documentos em tempo hábil. Tal demonstração pode decorrer de negativa explícita ou da mera omissão em fornecer os documentos que lhe tenham sido requeridos, pelos canais de relacionamento adequados, nos termos contratuais e da regulamentação da autoridade monetária.

Penso, portanto, que o interesse de agir é condição da ação cautelar de exibição de documentos e ele estará evidenciado se o autor demonstra a recusa ou a inércia da instituição financeira em fornecer, em tempo hábil, os documentos comuns, após cientificada da pretensão. (...)

O entendimento em questão, em que pese recente o julgamento do Resp nº 1.349.453/MS pelo STJ, já vinha sendo adotado por este Tribunal:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. Verificado o interesse de agir da autora na propositura da ação cautelar de exibição de documentos. Pedido não atendido na esfera extrajudicial. Exibição da documentação objetivada somente em juízo. Procedência da demanda mantida. A imposição de multa cominatória é descabida em ação cautelar de exibição. Precedentes do STJ. Súmula nº 372 do STJ. Ônus sucumbenciais mantidos. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA (Apelação Cível Nº 70054250139, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil, Julgado em 26/06/2013)

Ação cautelar de exibição de documento. Contrato de financiamento bancário. Ausência de solicitação extrajudicial. Não demonstrado o interesse para agir, a autoridade judiciária pode e deve coibir ação cautelar desnecessária. (Apelação Cível Nº 70055318992, Vigésima... Ver íntegra da ementa Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 02/07/2013)...

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. APELO DO RÉU 1. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. A resistência à pretensão extrajudicial restou demonstrada, uma vez que o requerimento administrativo foi formulado em prazo superior a 30 dias do ajuizamento da ação. Recolhimento da taxa administrativa dispensável. 2. DEVER DE EXIBIÇÃO. Tratando-se de documento comum às partes, consoante dispõe o art. 358, III, do Código de Processo Civil está obrigado legalmente o réu a conservá-lo, salvo comprovação de que não o possui ou de que entregou cópia ao contratante, conforme permite o art. 357 do mesmo diploma legal, informações que não vieram aos autos. Cabível a Cabível a condenação do réu a custas e honorários de sucumbência, adequados aos parâmetros estabelecidos por esta Câmara para os feitos desta natureza, em consonância com o art. 20, §4º, do CPC. APELO DA AUTORA. 3. VERBA HONORÁRIA. MAJORAÇÃO. CABIMENTO. Merece reforma a sentença neste particular, cabendo a majoração da verba honorária objeto do recurso, a fim de adequar-se aos parâmetros estabelecidos por esta Câmara para os feitos desta natureza, em consonância com o art. 20, §4º, do CPC. APELO DO RÉU DESPROVIDO. APELO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70058054297, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fernando Flores Cabral Junior, Julgado em 26/02/2014)

Sublinha-se que a antiga jurisprudência do STJ, no sentido da dispensa da prova da notificação prévia, era lastreada no fato de que a ação de exibição (1) visa ao resguardo de um direito que possa eventualmente vir a ser perquirido, afastando o perigo de deficiência na instrução de demanda futura, ou ainda, (2) pode ter caráter satisfativo, independente do ajuizamento de lide principal. Nesta seara, traz-se à baila o...

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