Acórdão nº 50503576520228210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 24-02-2023

Data de Julgamento24 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50503576520228210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002988516
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5050357-65.2022.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Crime de Descumprimento de Medida Protetiva de Urgência

RELATOR: Desembargador IVAN LEOMAR BRUXEL

RELATÓRIO

RUAN L. S. G., com 19 anos à época dos fatos (DN 05/07/2022), foi denunciado por incurso nos artigos 24-A da Lei n.º 11.340/06, 147, 147-A, § 1º, inciso II, do Código Penal, e 21 do Decreto-Lei nº 3.688/41.

Os fatos foram assim descritos na denúncia, recebida em 04/04/2022 (abreviaturas ausentes no original):

FATO N.º 01 - Descumprimento de medidas protetivas de urgência:

Entre os dias 08 de março de 2022 e 15 de março de 2022, em horários diversos, na Rua (...), Bairro Bom Jesus, nesta Capital, o denunciado RUAN L. S. G. descumpriu, por diversas vezes, decisão judicial que deferira medidas protetivas de urgência previstas na Lei Federal n.º 11.340/06, concedidas no dia 01/10/2021, no processo n.º 5112057-76.2021.8.21.0001/RS, com validade de seis meses, em favor da vítima Sherolin C. S., sua ex-namorada, medidas estas de que esteve ciente desde 05/10/2021 (conforme evento 1, OUT19, pág. 23).

As medidas protetivas de urgência, concedidas nos autos do processo n.º 5112057-76.2021.8.21.0001, determinavam: “(...) proibir o DEMANDADO de se aproximar da ofendida, da sua residência e do seu local de trabalho. Também não poderá manter nenhum tipo de contato com ela, inclusive por telefone e meios eletrônicos, bem como expô-la em redes sociais ou a terceiros por meio de fotos ou vídeos, (...).” (evento 1, OUT19, págs. 24/27).

Durante o referido período, o denunciado dirigiu-se até a residência da mãe da vítima, sob o pretexto de devolver-lhe um botijão de gás que haviam furtado de sua casa, permanecendo no local, bem como saía e retornava para lá, o que fez por cerca de uma semana, descumprindo, dessa forma, a decisão judicial que vedava a aproximação da ofendida e com ela entrar em contato.

FATO N.º 02 – Vias de fato:

No dia 14 de março de 2022, em horário não esclarecido nas indagações policiais, na Rua (...), Bairro Bom Jesus, nesta Capital, o denunciado RUAN L. S. G. praticou vias de fato contra a vítima, Sherolin C. S., sua ex-namorada.

Na ocasião, o denunciado passou a agredir fisicamente a vítima, desferindo-lhe chutes, bem como a sufocando, para que não gritasse pelas agressões.

O denunciado cometeu o delito prevalecendo-se de relações domésticas, bem como, com violência contra a mulher na forma da Lei n.º 11.340/06.

FATO N.º 03 – Ameaça:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar descritas no Fato n.º 01, o denunciado RUAN L. S. G. ameaçou, por palavras e gestos, por diversas vezes, a vítima Sherolin C. S., sua ex-namorada, de causar-lhe mal injusto e grave.

Nas ocasiões, o denunciado, além das agressões acima descritas (fato 02), estando no interior da residência da vítima, ameaçou-a de morte, diversas vezes, utilizando-se de um simulacro (apreendido – evento 1 – AUTOCIRCUNS3), ao ciclar1 o instrumento no momento em que ela ia dormir, assim como, dizendo-lhe que “se fosse para o abrigo, conforme sua genitora queria, mataria sua família”, causando justificado temor.

No dia 15 de março de 2022, a vítima logrou avisar para sua genitora, através de mensagem de aplicativo de telefone celular, que o denunciado havia retornado ao local, então, sua mãe, que estava no CRAS, acionou a Brigada Militar, que, por sua vez, chegou ao local e efetuou a prisão em flagrante do denunciado.

O denunciado cometeu o delito prevalecendo-se de relações domésticas que mantinha com a vítima, bem como, com violência contra a mulher na forma da Lei n.º 11.340/2006.

A vítima ofereceu tempestiva representação criminal (evento 1 – REGOP2, pág. 01).

FATO N.º 04 – Perseguição:

A partir de meados do mês de outubro de 2021, desde o término do relacionamento afetivo, em horários diversos, até o dia 15 de março de 2022, às 12h58min, na Rua (...), Bairro Bom Jesus, nesta Cidade, o denunciado RUAN L. S. G. perseguiu Sherolin C. S., sua ex-namorada, reiteradamente, ameaçando-lhe a integridade física e psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção, invadindo e perturbando a esfera de liberdade e privacidade.

Durante o referido período, o denunciado, inconformado com o fim da relação íntima de afeto, perseguiu a vítima em dias e horários alternados, realizando rondas no entorno da residência dela, a fim de mantê-la sob vigilância. Entrementes, o denunciado procurou a vítima insistentemente, ficando à espreita, em um beco e quando ela saía do seu local de trabalho, inclusive puxando-a pelo braço e dizendo-lhe que “era para ir para sua casa, pois ela era sua propriedade e que ela não iria ficar com mais ninguém e que, se ele descobrisse, iria matá-la bem como a pessoa que estivesse com ela”, ameaçando, dessa forma, sua integridade física e psicológica.

Os atos perpetrados pelo denunciado invadiram a liberdade da ofendida e restringiram sua capacidade de locomoção, já que consistiram na presença física do agressor no entorno da residência e do trabalho dela, perturbando a sua esfera de liberdade e privacidade.

O crime foi cometido contra mulher por razões da condição de sexo feminino, visto que os fatos envolvem violência doméstica e familiar, decorrendo de relação íntima de afeto, na qual agressor e ofendida haviam convivido.

A ofendida manifestou o desejo de representar criminalmente (evento 1 – REGOP2, pág. 01).e

Ultimada instrução, foi proferida sentença de parcial procedência da ação penal para condenar RUAN por incurso no artigo 24-A da Lei nº 11.340/06.

A DEFESA apelou, alegando insuficiência probatória, em busca da absolvição. Argumenta que o apelante tinha ciência da medida protetiva, mas que foi até a vítima com o consentimento dela, de modo que não houve descumprimento intencional. Aponta, ainda, para a inconstitucionalidade do art. 24-A da Lei 11.340/06, buscando a declaração incidental de inconstitucionalidade do delito. Subsidiariamente, requer o afastamento da prestação de serviços à comunidade. Prequestiona a matéria.

Oferecida contrariedade.

Parecer pelo parcial provimento.

É o relatório.

VOTO

Em 01/10/2021, foram deferidas medidas protetivas em favor da vítima nos autos do processo n.º 51120577620218210001 (medidas protetivas de urgência):

MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA

Lei Maria da Penha - art. 22, III, "a" e "b"

PROIBIÇÃO DE APROXIMAÇÃO E CONTATO

VALIDADE: 01.04.2022 (06 MESES)

REGISTRO DE OCORRÊNCIA Nº 100330/2021/7662

DELITO(S): LESÃO CORPORAL

PEDIDO

A ofendida solicitou medida protetiva de urgência para que o demandado seja proibido de se aproximar ou entrar em contato com ela, seus familiares e testemunhas, bem como seja proibido de frequentar determinados lugares. Requereu, ainda, a prestação de alimentos provisionais ou provisórios e a restrição ou suspensão das visitas ao(s) dependente(s) menor(es) de idade. Postulou, também, o comparecimento do ofensor a programas de recuperação e reeducação.

FATOS

Distribuído o expediente de medidas protetivas ao serviço de plantão permanente do Poder Judiciário da Capital. Na ocasião foi proferida decisão determinando a remessa do processo ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar, findo o período de plantão, para apreciação, entendendo inexistir narrativa que evidenciasse situação de risco iminente à vítima a demandar a análise do pedido em sede de plantão.

Redistribuído o feito ao 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, passo a apreciar o pedido:

A ofendida, quando do registro de ocorrência policial, relatou:

" A vítima informa que manteve relacionamento com o suspeito durante 1 ano, estando separados há 4 anos. Não moram juntos e possuem uma filha de 2 anos. Não depende economicamente dele. Relata que, na data dos fatos, estava em casa quando o suspeito apareceu lá. Que ele já chegou agredindo-a com tapas no rosto e dando vassouradas pelo corpo. Que a filha presenciou todo o ocorrido. Que, após ir embora, ele ainda mandou áudios para o celular dela, ameaçando-a de morte. A vítima refere que o suspeito bebe, usa drogas (maconha, cocaína e crack)(...)"

Consta Formulário Nacional de Avaliação de Risco respondido pela vítima.

**A ofendida autorizou o envio das medidas protetivas por WhatsApp/e-mail.

FUNDAMENTAÇÃO E DECISÃO

Os fatos noticiados pela ofendida na ocorrência policial são graves e demandam célere intervenção do Poder Judiciário para garantia de sua integridade física e psicológica.

Nesse sentido, o formulário de avaliação de risco, que corrobora o histórico de violência sofrido pela ofendida, dando conta de situações de ameaça, de agressão física, tais como enforcamento, sufocamento, paulada, socos, chutes, tapas, empurrões e puxões de cabelo, bem como obrigá-la a manter relação sexual, comportamentos de controle excessivo sobre ela, uso abusivo de drogas, de bebidas alcoólicas e acesso à arma de fogo (ameaçou utilizá-la). Tais elementos, conforme a literatura especializada 1, demonstram existir maior risco de reiteração de atos de violência bem como de feminicídio.

Diante disso e ante os elementos de convicção disponíveis, bem como do questionário de avaliação de risco, tenho que é caso de DEFERIMENTO da medida protetiva, forte no art. 22, III, "a" e "b", da Lei 11.340/2006, para proibir o DEMANDADO de se aproximar da ofendida, da sua residência e do seu local de trabalho. Também não poderá manter nenhum tipo de contato com ela, inclusive por telefone e meios eletrônicos, bem como expô-la em redes sociais ou a terceiros por meio de fotos ou vídeos, sob pena de violação da presente ordem judicial, o que poderá acarretar SUA PRISÃO e a prática de crime de descumprimento de decisão judicial, prevista no art. 24-A da Lei nº 11.340/2006.

E para a garantia da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT