Acórdão nº 50518641620228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Classe processualConflito de competência
Número do processo50518641620228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002080762
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Conflito de Competência (Câmara) Nº 5051864-16.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Improbidade Administrativa

RELATORA: Desembargadora MATILDE CHABAR MAIA

SUSCITANTE: JUÍZO DA VARA ESTADUAL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

SUSCITADO: JUÍZO DA 1ª VARA DO JUIZADO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DO FORO CENTRAL DA COMARCA DE PORTO ALEGRE

RELATÓRIO

Trata-se de conflito de competência suscitado pelo JUÍZO DA VARA ESTADUAL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA em face de declinação efetuada pelo JUÍZO DA 1ª VARA DO JUIZADO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DO FORO CENTRAL DA COMARCA DE PORTO ALEGRE, nos seguintes termos (evento 178 dos autos de origem):

Pelo presente, e em conformidade com o disposto no artigo 66, inciso II, do Código de Processo Civil, venho à presença de V. Exa. suscitar Conflito Negativo de Competência para processar e julgar a presente AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA em desfavor de CELSO CIRILO DE ALMEIDA, FRANCISO DELMAR RIBEIRO PRATES, GILBERTO PAULO CARDOSO, JOÃO CASTRO PEIXOTO e SÉRGIO MEDEIROS SOARES, diante da decisão prolatada pelo Juízo Suscitado que entendeu que houve alteração de competência em razão da edição da Resolução n° 08/2021-OE que dispôs sobre a transformação da 19ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre em Vara Estadual de Improbidade Administrativa e criação do Núcleo de Justiça 4.0 de Proteção ao Erário Público.
Com efeito, busca o autor no presente feito a condenação dos requeridos, agentes socioeducadores, alegando que praticaram atos que atentaram contra os princípios da administração pública, conforme o disposto no art. 11, caput e inciso I, da Lei n° 8.429/92, que tipifica os atos ilícitos que violam os princípios da administração pública.

Inicialmente, o feito foi distribuído para a 1ª Vara do Juizado da Infância e Juventude do Foro Central da Comarca de Porto Alegre e foi determinada a redistribuição do feito para esta Vara Especializada (ev.
133).
Determinada a manifestação das partes sobre a nova redação da Lei n° 8.429/92 (evento 152).

Sobreveio parecer do Ministério Público reconhecendo a aplicação da Nova Lei aos processos em curso, diante da previsão expressa dos princípios do direito administrativo sancionador, conforme o art. 1°, §4° da Lei 14.230/21.
Assim, requereu a conversão do feito em Ação Civil Pública, consoante determina o artigo 17, § 16 da Lei n°14.230/21.
Fundamentada na Resolução n° 08/2021 que estabeleceu a criação do Núcleo 4.0 de Proteção ao Patrimônio Público, que determinou que são de competência desta Vara Estadual de Improbidade Administrativa somente os processos relacionados à matéria improbidade administrativa no âmbito estadual, e na Lei n° 8.429/92, foi convertida a demanda em Ação civil Pública, decorrente de gravíssima falha funcional, sendo determinada a redistribuição do processo ao juízo de origem, 1ª Vara do Juizado da Infância e da Juventude da Comarca de Porto Alegre/RS (evento 157).

É o relato.

Decido.

No processo em que se suscita o conflito negativo, verifico que inexiste ato que configure improbidade administrativa diante da revogação do inciso I, artigo 11 da Lei n° 8.429/92:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

I - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

A Nova Lei de Improbidade Administrativa em seu artigo 1°, §1° definiu o conceito de de ato de improbidade administrativa da seguinte forma:

§ 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Outrossim, a partir da inclusão do §4ª, ao art. 1ª, da Lei de Improbidade Administrativa, entende-se que se aplica ao instituto da improbidade administrativa os princípios do direito administrativo sancionador.

Sobre o tema, o Ministro Teori Zavascki, proferiu seu voto no julgamento da Pet 3240AgR:

É justamente essa identidade substancial das penas que dá suporte à doutrina da unidade da pretensão punitiva (ius puniendi) do Estado, cuja principal consequência “é a aplicação de princípios comuns ao direito penal e ao direito administrativo sancionador, reforçando-se, nesse passo, as garantias individuais” (OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador, SP:RT, 2000, p. 102; ENTERRIA, Eduardo García de; FERNANDEZ, Tomás-Ramon. Curso de direito administrativo, trad. Arnaldo Setti, SP:RT, 1991, p. 890). Realmente, não parece lógico, do 26 ponto de vista dos direitos fundamentais e dos postulados da dignidade da pessoa humana, que se invista o acusado das mais amplas garantias até mesmo quando deva responder por infração penal que produz simples pena de multa pecuniária e se lhe neguem garantias semelhantes quando a infração, conquanto administrativa, pode resultar em pena muito mais severa, como a perda de função pública ou a suspensão de direitos políticos. Por isso, embora não se possa traçar uma absoluta unidade de regime jurídico, não há dúvida que alguns princípios são comuns a qualquer sistema sancionatório, seja nos ilícitos penais, seja nos administrativos, entre eles o da legalidade, o da tipicidade, o da responsabilidade subjetiva, o do non bis in idem, o da presunção de inocência e o da individualização da pena, aqui enfatizados pelaimportância que têm para a adequada compreensão da Lei de Improbidade Administrativa. (Pet 3240 AgR, Relator(a): TEORI ZAVASCKI, Relator(a) p/ Acórdão: ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-171 DIVULG 21-08-2018 PUBLIC 22-08-2018)

Segundo entendimento consolidado no egrégio Superior Tribunal de Justiça “o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador” (STJ, RMS 37.031/SP, Rel(a) Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 20/02/2018).

Esse é o recente entendimento da 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

"No ponto, tenho sustentado que as alterações operadas pela Lei 14.230/21 nos institutos de direito material devem ser aplicadas de forma retroativa, desde que em benefício do réu (art. 5º, XL, da CRFB). Lado outro, as alterações de ordem exclusivamente procedimental na Lei de Improbidade Administrativa, como aquela que institui contraditório prévio à decisão da cautela de indisponibilidade (art. 16, §3º, da Lei 8.429/92) não retroagem, tampouco invalidam o ato praticado à luz da legislação então vigente (AI 5223086-86.2021.8.21.7000, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relatora: Marilene Bonzanini, Julgado em:15/12/21).”

Ademais, a RESOLUÇÃO n° 08/2021 em seu artigo 3° dispõe que:

ART. 3º A PARTIR DA DATA ESTABELECIDA NO ART. 1º DESTA RESOLUÇÃO, SERÃO REDISTRIBUÍDOS À VARA ESTADUAL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA TODOS OS PROCESSOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DA COMARCA DE PORTO ALEGRE E AQUELES DISTRIBUÍDOS NAS DEMAIS COMARCAS DO ESTADO NOS ÚLTIMOS 24 MESES, NOS TERMOS DE RELATÓRIO A SER ENCAMINHADO ÀS UNIDADES PELA CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA, SEM PREJUÍZO DE POSTERIOR REDISTRIBUIÇÃO DO ACERVO QUE CONTINUARÁ A TRAMITAR NAS DEMAIS COMARCAS, A SER DELIBERADO PELA CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA.

O Órgão Ministerial em manifestação bem fundamentada, se pronunciou (evento 155) sobre a nova redação da Lei n° 8.429/92, e ainda requereu a conversão do feito em Ação Civil Pública, consoante o art. 17, §16, da Lei n° 14.230/21, afirmando:

"entender inexistente adequação típica para Improbidade Administrativa diante da alteração legislativa implementada. Com efeito, na nova redação, as condutas estão enumeradas de forma taxativa, não mais exemplificativa, não contemplando, no restrito rol, a conduta dos réus, não obstante sua reprovabilidade. Entretanto, o Ministério Público mantém o pedido de perda da função pública dos demandados, por violação dos deveres do cargo, segundo as diferentes normas aplicadas ao caso, descritas no item 2 da exordial, dentre as quais se destaca o Regulamento Normativo de Procedimentos Disciplinares da FASE, trazendo a colação o trecho posto na inicial, para evitar tautologia: “ No âmbito administrativo interno da FASE, os requeridos também estão vinculados ao que determina o Regulamento Normativo de Procedimentos Disciplinares da FASE/RS – RNPD, norma e obrigações descumpridas pelos demandados...

Assim, o Ministério Público, a teor do § 16 do artigo 17 da Lei n.º 14.230/21,
requer seja convertida a presente ação de improbidade administrativa em ação civil pública para a tutela dos interesses de adolescentes, uma vez que os réus infringiram o inciso “a”, do parágrafo segundo do artigo primeiro do Regulamento Normativo de Procedimentos Disciplinares da FASE/RS – RNPD, c/c o inciso “b” do artigo 20 do mesmo regulamento, devendo ser aplicada pena de demissão a ambos, a bem do serviço público e na proteção dos diretos difusos e coletivos dos socioeducandos".

Desa forma, diante de ausência de adequação atípica, conforme bem enfatizada pela douta Promotora de Justiça, não mais compete este juízo o processamento da demanda, tendo em vista a especialização do presente Núcleo que não abarca matéria diversa da improbidade.

A jurisprudência deste Tribunal acerca de conflito de competência negativo em ações de improbidade administrativa, segue o...

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