Acórdão nº 50519215020208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Criminal, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50519215020208210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002256421
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5051921-50.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Homicídio qualificado (art. 121, § 2º)

RELATORA: Desembargadora ROSANE WANNER DA SILVA BORDASCH

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

RAFAEL PEREIRA DE MORAES foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 121, §2º, incisos II e IV, combinado com o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal pela prática, em tese, do seguinte fato delituoso evento 1, INIC1:

No dia 20 de maio de 2020, por volta das 20h30min, na Rua Saibreira, s/nº, Bairro Cel. Aparício Borges, em Porto Alegre, o denunciado, RAFAEL PEREIRA DE MORAES, mediante golpes de arma branca (não apreendida), tentou matar RHUAN ROMERO DAITX, produzindo-lhe as lesões corporais descritas nas fls. 34/40, que referem “ferimento por arma branca em fossa ilíaca esquerda”, somente não consumando seu intento homicida por circunstâncias alheias à sua vontade, já que a vítima logrou fugir e receber eficaz atendimento médico. Na ocasião, RAFAEL, portando uma faca, abordou RHUAN na via pública e passou a agredi-lo com intento homicida, atingindo-o no ventre. A vítima logrou desvencilhar-se do agressor e fugir correndo antes de ser atingida em região imediatamente letal, sendo então socorrida por terceiros e encaminhada a atendimento médico. O delito foi perpetrado por motivo fútil, insatisfação do denunciado com um aparelho de televisão comprado da vítima anteriormente. O delito foi perpetrado mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, surpreendida quando caminhava desprevenida pela via pública, sem esperar ataque, o que diminuiu suas possibilidades de defesa.

A denúncia foi recebida em 18 de agosto de 2020 (evento 4, DESPADEC1).

Após regular processamento do feito, sobreveio sentença de pronúncia, para submeter o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri, como incurso nas sanções do artigo 121, §2º, II e IV, combinado com o artigo 14, II, ambos do Código Penal (evento 207, SENT1).

Submetido a julgamento pelo Conselho de Sentença em 8 de fevereiro de 2022, o réu foi condenado nas sanções relativas aos dispositivos nos quais foi pronunciado à pena de 12 anos de reclusão, a ser cumprida no regime inicial fechado.

Inconformadas, a Defesa e a Acusação apresentaram apelação (evento 262, APELAÇÃO1 e evento 260, APELAÇÃO1).

A Defesa requereu a redução da pena fixada, alegando excessivo o aumento de um ano para cada vetorial avaliada como negativa. Disse que o comportamento da vítima deveria ter sido valorado a favor do réu, e a atenuante da confissão espontânea, compensada com a agravante da reincidência (evento 274, RAZAPELA1).

A Acusação postulou o aumento da pena-base, com a valoração negativa dos antecedentes, culpabilidade, conduta social e personalidade, maior aumento pelas consequências. Por fim, pediu o reconhecimento do recurso que dificultou a defesa da vítima como agravante e redução mínima pela tentativa, totalizando a pena em 16 anos de reclusão (evento 261, RAZAPELA1).

Foram apresentadas contrarrazões (evento 275, CONTRAZAP1 e evento 278, CONTRAZAP1).

O Ministério Público, nesta instância, opinou pelo provimento do recurso ministerial e improvimento do recurso defensivo (7.1).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e preenche os pressupostos de admissibilidade.

No caso em apreço, não houve recurso quanto ao mérito da condenação, mas apenas quanto à fixação da pena, a qual analiso.

Quanto à dosimetria da pena, sigo o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que ela só deve ser alterada quando constatada flagrante desproporcionalidade ou grave erro não sua aplicação, o que não ocorre.

No caso concreto, ela foi fixada da seguinte forma:

Esclareço que parto do patamar básico do crime de homicídio qualificado, qual seja, 12 (doze) anos de reclusão. As condenações definitivas do réu serão analisadas unicamente na segunda fase da dosimetria, pelo que considero como neutros, nesta fase, os seus antecedentes. A sua conduta social não foi desabonada. O fato de o réu ter praticado o crime em pleno cumprimento de pena, em regime domiciliar, que havia sido concedido em caráter humanitário dois meses antes, conforme se infere do Consulta de Preso extraída do Sistema de Consultas Integradas (pág. 10, ANEXO05, Ev. 225), revela personalidade voltada para as práticas delitivas, pelo que aumento a pena em 01 (um) ano e 06 (seis) meses. O motivo do crime, fútil, conforme reconhecido pelos jurados, serve para qualificá-lo, pelo que não pode servir para novo aumento de pena. Tratando-se de crime duplamente qualificado, pondero o motivo fútil exclusivamente como qualificadora, servindo como circunstância negativa o fato de o crime ter sido praticado mediante recurso que dificultou a defesa do vítima, que foi surpreendida pelo ataque do réu quando caminhava desprevenida na via pública, tal qual reconhecido pelo Conselho de Sentença, pelo que elevo a pena em 01 (um) ano e 06 (seis) meses. Como consequência negativa, pondero o fato de a vítima ter restado incapacitada para as ocupações habituais por mais de 30 (trinta) dias, consoante Laudo Pericial n° 272720/2021 (OFIC2, Ev. 246), o que embasa o aumento a pena em 01 (um) ano e 06 (seis) meses. Não houve demonstração de que o comportamento da vítima tenha incentivado a prática delitiva. A culpabilidade, considerada como a reprovabilidade da conduta do réu, ficou dentro da ordinária. Assim, fixo a pena-base em 16 (dezesseis) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

O réu ostenta múltipla reincidência, inclusive específica, decorrente das condenações definitivas anteriores nas ações penais n° 001/2.13.0063554-0 (lesão corporal), 001/2.13.0070141-0 (roubo duplamente majorado), 001/2.150030711-2 (roubo duplamente majorado), 039/2.15.0005297-9 (homicídio qualificado) e 039/2.14.0004206-8 (receptação e furto). Assim, com base no artigo 61, inciso I, do Código Penal, agravo a pena em 03 (três) anos. Ainda, em face da confissão parcial do acusado, que admitiu, em seu interrogatório em Plenário, ter desferido o golpe de arma branca na vítima, negando, contudo, a intenção de matá-la, aplicável a atenunante prevista no artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal, pelo que reduzo a pena em 01 (um) ano e 06 (seis) meses. Assim, resulta a pena provisória do réu em 18 (dezoito) anos de reclusão.

Em razão do reconhecimento da figura tentada do crime, considerando que o golpe perpetrado pelo réu atingiu a vítima na região abdominal, deixando-a gravemente ferida, inclusive com risco de morte, conforme laudo pericial n° 272720/2021 (Ev. 246), extrai-se que o iter criminis foi interrompido em sua fase final, pelo que diminuo a pena em 1/3 (um terço). Assim, fica a pena definitiva em 12 (doze) anos de reclusão.

O regime inicial de cumprimento da pena deverá ser o fechado, haja vista o patamar dessa e a reincidência do réu, nos termos do art. 33, §2º, do Código Penal. O cômputo do período que o réu está preso preventivamente (549 dias) não causa repercussão no regime fixado, porquanto não atinge o percentual mínimo para a progressão de regime (no caso, 70% da pena aplicada, critério fixado no art. 112, inciso VIII, da Lei de Execuções Penais como condição objetiva para progressão de regime). Salienta-se a aplicabilidade da Lei dos Crimes Hediondos (nº 8.072/90), por força do seu art. 1º, inciso I.

Atendendo ao art. 492, alínea “e”, do Código de Processo Penal, entendo que a prisão preventiva anteriormente decretada deve ser mantida, pois permanecem integralmente válidos os fundamentos que a motivaram, agora reforçados pela condenação proferida pelo Conselho de Sentença, ressaltando-se a múltipla reincidência do réu e a fixação de pena elevada a ser cumprida em regime inicial fechado. Assim, recomende-se ao Presídio em que se encontra e forme-se o PEC provisório.

Do que se vê, foram valoradas negativamente a personalidade, as circunstâncias e as consequências.

Ao revisar a dosimetria, destaco que não há nos autos elementos suficientes para valorar a conduta social do réu. O comportamento da vítima não pode ser utilizado em desfavor do acusado e a culpabilidade não foi apreciada como fora do esperado para o fato típico. Havendo duas qualificadoras, uma delas pode ser utilizada para aumento da pena-base, como no caso.

O aumento pelas consequências, assim como pelas demais circunstâncias, atende aos parâmetros fixados pelo Superior Tribunal de Justiça, consoante o qual para cada circunstância negativa a pena pode ser aumentada em até 1/6.

Sobre o tema, cite-se:

PENAL. HABEAS COUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. HOMICÍDIO PRIVILEGIADO. DOSIMETRIA. PENA-BASE FIXADA NO DOBRO DO MÍNIMO LEGAL, COM LASTRO EM TRÊS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS (CULPABILIDADE DO AGENTE, CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DO DELITO). FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA PARA A EXASPERAÇÃO DA SANÇÃO BÁSICA. QUANTUM DESPROPORCIONAL. REDUÇÃO PARA A FRAÇÃO PRUDENCIAL DE 1/6 PARA CADA VETORIAL NEGATIVADA. HABEAS COUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO. (...) - O entendimento desta Corte firmou-se no sentido de que, na falta de razão especial para afastar esse parâmetro prudencial, a exasperação da pena-base, pela existência de circunstâncias judiciais negativas, deve obedecer à fração de 1/6 sobre o mínimo legal, para cada vetorial desfavorecida. (...) (HC 464.591/ES, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 07/02/2019, DJe 14/02/2019).

Mantenho o agravamento da pena em mais três anos, pois o réu é multirreincidente e não houve valoração de maus antecedentes, bem como a redução em 01 ano e 06 meses pela confissão espontânea. Não há como...

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