Acórdão nº 50522745620218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 23-02-2022
Data de Julgamento | 23 Fevereiro 2022 |
Órgão | Segunda Câmara Cível |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 50522745620218210001 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20001627462
2ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação Cível Nº 5052274-56.2021.8.21.0001/RS
TIPO DE AÇÃO: ICMS/ Imposto sobre Circulação de Mercadorias
RELATOR: Desembargador RICARDO TORRES HERMANN
APELANTE: FUNDICAO VENANCIO AIRES LTDA (IMPETRANTE)
APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (INTERESSADO)
RELATÓRIO
FUNDIÇÃO VENÂNCIO AIRES LTDA. apela da sentença que denegou a ordem nos autos do Mandado de Segurança nº 5052274-56.2021.8.21.0001/RS impetrado contra ato do SUBSECRETÁRIO DA RECEITA ESTADUAL, cujos fundamentos transcrevo (EVENTO 19):
MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5052274-56.2021.8.21.0001/RS
IMPETRANTE: FUNDIÇÃO VENÂNCIO AIRES LTDA.
IMPETRADO: SUBSECRETÁRIO DA RECEITA ESTADUAL - ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - PORTO ALEGRE
SENTENÇA
Vistos.
FUNDICAO VENANCIO AIRES LTDA impetrou Mandado de Segurança contra ato praticado pelo SUBSECRETÁRIO DA RECEITA ESTADUAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, objetivando o reconhecimento do direito líquido e certo ao creditamento de ICMS incidente na aquisição de bens de uso e consumo, empregados na produção de mercadorias destinadas à exportação. Asseverou que, com o advento da Emenda Constitucional nº 42/2003, foi assegurado o direito à manutenção e ao aproveitamento do ICMS cobrado nas operações e prestações anteriores às de exportação. Afirmou que, ao não permitir, aos exportadores, o crédito fiscal de ICMS sobre materiais de uso e consumo, o Estado do Rio Grande do Sul acaba onerando pelo imposto, obliquamente, as operações de exportação do produto final, ofendendo os dispositivos constitucionais que estabelecem a imunidade das exportações, a não-cumulatividade do ICMS e o direito à manutenção e aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações anteriores. Disse que a disposição constitucional trazida pela EC 42/03 ampliou a desoneração de ICMS das exportações (imunidade que antes existia apenas para produtos “industrializados”), bem como garantiu, expressamente em seu texto, o direito de “manutenção” e “aproveitamento” do ICMS (crédito) cobrado nas operações anteriores à exportação. Destacou, ainda, que o objetivo da EC 42/03 era eximir as mercadorias exportadas de qualquer custo relativo ao ICMS incorporado no preço dos produtos. Discorreu sobre a limitação temporal imposta pelo art. 33 da LC 87/96, a qual seria restrita à aquisição de mercadorias consumidas e utilizadas na produção de mercadorias destinadas ao mercado interno. Por fim, requereu a concessão da segurança para que fosse reconhecido o seu direito de se creditar e aproveitar o ICMS que incidiu sobre as mercadorias (relativos a materiais de uso e consumo) utilizadas no processo produtivo das mercadorias que exporta, na proporção que as saídas para exportação representem em relação às saídas totais do estabelecimento. Solicitou, por fim, que fosse determinado que a autoridade coatora fosse proibida de praticar atos que vedem ou mitiguem o seu direito de crédito, não só para o futuro, mas com relação às entradas de mercadorias em seu estabelecimento ocorridas nos últimos cinco anos.
O Estado do Rio Grande do Sul postulou sua habilitação nos autos e intimação sobre todos os atos processuais subsequentes (evento 13).
Notificada, a autoridade coautora prestou informações. Preliminarmente, arguiu a ausência de direito líquido e certo, e a consequente impossibilidade de apreciação da matéria em mandado de segurança. Invocou a Súmula 213 do STJ. Alegou a inviabilidade do pedido de compensação, por não haver nos autos apuração líquida e certa dos valores pretendidos. No mérito, referiu que a redação utilizada pelo texto constitucional gerou controvérsias para identificar qual o critério - de crédito financeiro ou de crédito físico - aplicável nos casos de aquisição de mercadorias de uso e consumo. Apontou que o Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento segundo o qual a Constituição Federal não assegurou o direito à adoção do modelo de crédito financeiro para fazer valer a não-cumulatividade do ICMS, de modo que a adoção de modelo semelhante ao do crédito financeiro depende de expressa previsão constitucional ou legal, nos termos do art. 155, § 2°, XII, "c", da Constituição Federal. Referiu que, embora o art. 20, caput, da Lei Complementar n.° 87/96 viabilize a utilização do crédito financeiro, o art. 33, I do mesmo diploma, na redação dada pela Lei Complementar nº 138/2010, restringiu a vigência do dispositivo apenas às mercadorias que entrarem no estabelecimento após 1º de janeiro de 2033. Sustentou a constitucionalidade da limitação temporal ao creditamento do ICMS, na medida em que, nas aquisições de bens de uso e consumo, essas operações não são consideradas como integrantes do processo produtivo das mercadorias destinadas à exportação. Citou jurisprudência. Ao final, postulou a denegação da segurança (evento 14).
O Ministério Público opinou pela denegação da segurança (evento 17).
É o relatório.
Decido.
As preliminares trazidas nas informações prestadas, no sentido da inadequação do mandado de segurança em razão de o pleito estar direcionado contra lei em tese, bem como da inexistência de prova pré-constituída de direito líquido e certo, não merecem prosperar.
A Súmula n. 266 do STF, de modo efetivo, veda o manejo de mandado de segurança contra lei em tese, justamente porque a ação “(...) pressupõe a alegação de lesão ou ameaça concreta a direito líquido e certo do impetrante.”1
Dessa forma, a utilização do mandado de segurança ”(…) deverá recair, unicamente, sobre os atos destinados a dar aplicação concreta ao que se contiver nas leis, em seus equivalentes constitucionais.”2
Neste contexto é que, analisando a causa de pedir, o pedido e a prova pré-constituída carreada, se conclui que o presente mandado de segurança não foi interposto contra lei em tese. Na verdade, forçosa é a conclusão de que o writ foi impetrado contra os efeitos práticos que decorrem da aplicação sistemática, por parte do Fisco estadual, da normativa de regência, com o que o ente público obsta que o contribuinte se credite do ICMS incidente na aquisição de bens de uso e consumo, empregados na produção de mercadorias destinadas à exportação, sendo legítima a utilização do mandamus em hipóteses que tais.
No que diz respeito aos efeitos pretéritos pretendidos pelo impetrante, tenho que assiste razão à autoridade apontada como coatora. Conforme afirmado pelo eminente Des. Irineu Mariani, em recente decisão, proferida no dia 24.04.2019, por ocasião do julgamento da Apelação Cível n. 70080798705: "em relação ao período anterior ao ajuizamento, não se aplica a Súm. 213 do STJ, pela qual o mandado de segurança é adequado "para a declaração do direito à compensação tributária". Uma coisa é o direito líquido e certo ao creditamento e compensação a partir do ingresso do mandamus, reconhecido no item anterior, e outra é o creditamento retroativo."
Transcrevo, abaixo, a ementa do julgado acima, in verbis:
APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. SACOLAS PLÁSTICAS. CREDITAMENTO E COMPENSAÇÃO DO ICMS. 1. As embalagens das mercadorias, sem as quais inclusive a comercialização fica inviabilizada, se agregam a estas nas operações de saída. Não constituem produtos destinados ao uso ou consumo do estabelecimento, muito menos integram o ativo fixo. Assim, pelo princípio da não cumulatividade, o adquirente das embalagens tem o direito líquido e certo de se creditar do ICMS sobre elas incidente nas operações de entrada. 2. O mandado de segurança não tem efeitos patrimoniais retroativos nem substitui a ação de cobrança. Inaplicabilidade da Súm. 213 do STJ em relação ao período pretérito. Uma coisa é o direito líquido e certo ao creditamento e compensação a partir do ingresso do mandamus, e outra é o creditamento retroativo. 3. Dispositivo. Apelação provida em parte e, no mais, sentença confirmada em remessa necessária.
(Apelação e Reexame Necessário Nº 70080798705, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 24/04/2019) - Grifei
Todavia, ingressando no mérito propriamente dito, a hipótese é de denegação da segurança.
No caso em análise, a pretensão da impetrante é de ver reconhecido o seu direito de escriturar e utilizar os créditos de ICMS, relativos à aquisição de bens de uso e consumo, empregados na produção de mercadorias destinadas à exportação.
Justifica a sua pretensão no fato de que a norma instituída pela Emenda Constitucional nº 42/2003, que alterou o artigo 155, § 2º, X, ''a'', da Constituição Federal, objetivou desonerar totalmente o produto exportado da incidência cumulativa desse tributo, abrangendo, portanto, as operações anteriores que envolvam produtos empregados no processo produtivo.
Entende que não se aplica a limitação temporal ao caso, considerando que a Lei complementar nº 87/1996 possibilita a manutenção dos créditos de ICMS relativos às entradas de bens e materiais de uso ou consumo, justamente em razão do amplo e diferenciado tratamento conferido às exportações.
Como se vê, não há controvérsia quanto à qualificação das mercadorias que teriam gerado o alegado direito ao crédito, uma vez que a própria impetrante as classifica como referentes à aquisição de bens e produtos de uso e consumo.
Pois bem. Quanto ao ICMS, prevê o art. 155 da Constituição Federal o seguinte:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...) II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
(...) §2º. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(...) X – não incidirá:
a) sobre operações que destinem...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO