Acórdão nº 50529429020228210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 30-08-2022

Data de Julgamento30 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50529429020228210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002590538
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5052942-90.2022.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador JORGE LUIS DALL AGNOL

APELANTE: NILZA MACHADO DE OLIVEIRA (AUTOR)

APELADO: BANCO SAFRA S A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por NILZA MACHADO DE OLIVEIRA da sentença que, nos autos da ação revisional de contrato bancário proposta em face de BANCO SAFRA S A julgou improcedentes os pedidos, condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixou em R$ 1.000,00, ficando suspensa a exigibilidade, por litigar sob o pálio da gratuidade da justiça (evento 16 dos autos de origem).

Em suas razões, a apelante afirma que os juros remuneratórios devem ser limitados à taxa indicada pelo Bacen, devendo ser reconhecida a abusividade. Fala que os juros remuneratórios não devem ser cumulados com comissão de permanência. Diz que a capitalização de juros não está prevista de forma clara e expressa. Fala que deve ser afastada a mora. Sustenta que deve ser admitida a compensação e repetição do indébito. Postula o provimento do recurso (evento 20 dos autos de origem).

Apresentadas as contrarrazões (evento 25).

É o relatório.

VOTO

A apelante insurge-se contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos, pretendendo, a reforma da sentença hostilizada.

Passo ao exame do mérito do presente recurso.

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Oportuno esclarecer, de início, que se aplicam as disposições do Código de Defesa do Consumidor aos contratos celebrados com instituições financeiras, como in casu, considerando o que dispõe a Súmula nº 297 do STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

JUROS REMUNERATÓRIOS

A matéria acerca da limitação dos juros remuneratórios em contratos bancários foi pacificada no Colendo Superior Tribunal de Justiça, conforme decisão proferida em sede de REsp n. 1.061.530-RS, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 22.10.2008, ficando assim estabelecido:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO Constatada a multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, foi instaurado o incidente de processo repetitivo referente aos contratos bancários subordinados ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos da ADI n.º 2.591-1. Exceto: cédulas de crédito rural, industrial, bancária e comercial; contratos celebrados por cooperativas de crédito; contratos regidos pelo Sistema Financeiro de Habitação, bem como os de crédito consignado. (...). I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE. ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS. a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. (...). Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido, para declarar a legalidade da cobrança dos juros remuneratórios, como pactuados, e ainda decotar do julgamento as disposições de ofício. Ônus sucumbenciais redistribuídos (STJ - REsp: 1061530 RS 2008/0119992-4, Relator: Ministra Nancy Andrighi, julgado em 22/10/2008, Segunda Seção,DJe 10/03/2009) – grifei.

Consoante se extrai da supracitada ementa, a revisão contratual é devida em situações excepcionais e desde que a abusividade aferida esteja apta a impor ao consumidor desvantagem exagerada onde a internvenção estatal se justifique devido à discrepância entre as taxas de juros contratuais e de mercado, à luz do que dispõe o Código de Defesa do Consumidor:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

Em suas razões de decidir, a excelentíssima Ministra Nancy Andrighi apresentou diversos precedentes do Egrégio STJ, cada um deles embasados em contratos diferentes, à citar empréstimo pessoal e abertura de conta corrente.

Dentre esses precedentes, cabe ressaltar o REsp 1.036.857/RS, que, em contrato de alienação fiduciária, reduziu a taxa de juros prevista de 45,65% a.a. para a taxa média de mercado à época da contratação de 37,42% a.a.. Ainda, o REsp 327.727/SP, que revisou os juros remuneratórios de 34,87% a.m. para o patamar de 14,19% a.m., apurado por meio de perícia. Por fim, o REsp 971.853/RS que revisou contrato de empréstimo para limitar a taxa prevista de 380,78% a.a. para a média BACEN de 67,81%.

Consoante se extrai do referido julgado, depreende-se entendimento da Corte Superior no sentido de não adotar um patamar fixo ou inflexível para caracterizar a abusividade ou, ainda, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, a excessiva onerosidade, mas, buscando nesse, o entendimento do "equilibrio contratual":

Todavia, esta perquirição acerca da abusividade não é estanque, o que impossibilita a adoção de critérios genéricos e universais. A taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central, constitui um valioso referencial, mas cabe somente ao juiz, no exame das peculiaridades do caso concreto, avaliar se os juros contratados foram ou não abusivos. (STJ - REsp: 1061530 RS 2008/0119992-4, Relator: Ministra Nancy Andrighi, julgado em 22/10/2008, Segunda Seção,DJe 10/03/2009) - grifei.

Ainda sobre o tema, julgado desta Câmara Cível:

[...] O não estabelecimento de um limitador quantitativo fixo permite averiguar as particularidades de cada caso, indicadas pela natureza e espécie da contratação, circunstâncias subjetivas que cercam os contratantes, local e tempo da contratação, riscos envolvidos em cada operação, etc.

De outro lado, deve-se cuidar para que o indesejável paternalismo pretoriano não gere a obliteração de práticas saudáveis ao crescimento sustentável da economia, tolha condutas privadas, e crie uma sociedade incapaz de assumir as consequências das próprias ações, delegando sempre ao Estado o resguardo de interesses eminentemente privados, não por uma situação de hipossuficiência, mas por incúria ou uso do sistema.

Nesse conduto de exposição, Rodolpho Barrento Sampaio Júnior destaca que o magistrado tem o dever de observar os reflexos de sua decisão na esfera econômica, porquanto esse julgamento pode influenciar uma série de fatores que facilitarão ou não novas contratações e a circulação de riqueza1”.

Na averiguação da chamada desvantagem excessiva, um parâmetro valioso é o da boa-fé contratual. Por vezes, sob a justificativa do risco inerente ao contrato, impõe-se ao consumidor uma situação tão desvantajosa que o próprio negócio jurídico fica viciado. E nesses casos o princípio pacta sunt servanda deve ser mitigado, a bem da boa-fé objetiva.

A boa-fé objetiva, enquanto standard de comportamento ético-jurídico2, não visa à eliminação de vantagens obtidas, mas à proteção de critérios objetivos dos contratos. É um comportamento que vincula as partes.

A boa-fé é observada na função interpretativa contratual (artigo 113 do Código Civil3), na função integrativa (gerando os deveres anexos ao contrato4), e na função limitadora ou de controle (que tende a afastar os abusos de direito).

[...]

(Apelação Cível, Nº 70083564989, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dr. Afif Jorge Simões Neto, julgado em 17/12/2020) - grifei.

De acordo com a Súmula n. 596 do STF5, as taxas de juros remuneratórios aplicadas por instituições financeiras deixaram de ser limitadas por parâmetros da Lei da Usura, isto é, não se aplicam à matéria as disposições do Decreto n. 22.626/1993.

Ademais, a estipulação de juros remuneratórios em patamar superior a 12% ao ano, por si só, não caracteriza abusividade, conforme dicção da Súmula n. 382 do STJ: A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Assim, a caracterização de abusividade – em aplicação do Código de Defesa do Consumidor – é análise a ser realizada em cada caso concreto, mediante o cotejo com a taxa média de mercado registrada pelo BACEN quando da pactuação do contrato e de acordo com a natureza do crédito alcançado (crédito pessoal, cheque especial, capital de giro, dentre outros). E, quando comprovada referida exorbitância, afasta-se o percentual de juros avençado pelos contratantes.

Nesse sentido é o julgamento da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1.061.530/RS, na sistemática dos recursos repetitivos:

ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS

a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;

b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;

c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as...

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