Acórdão nº 50530602120228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50530602120228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002205247
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5053060-21.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador JORGE MARASCHIN DOS SANTOS

AGRAVANTE: IVONE MARISA HENICKA MACHADO

AGRAVADO: ABEMOSE - ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE DE MOTORISTAS SERV PÚBL RS

AGRAVADO: CIRCULO OPERARIO FERROVIARIO DO RIO GRANDE DO SUL

AGRAVADO: SINDICATO DOS SERV PUBL APOSENTADOS E PENS DO RGSUL

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por IVONE MARISA HENICKA MACHADO, em face da decisão nos autos da ação de obrigação de fazer que move em desfavor de ABEMOSE - ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE DE MOTORISTAS SERV PÚBL RS e OUTROS, da qual assim constou:

Vistos.

Defiro AJG e tramitação preferencial.

Cuida-se de obrigação de fazer em que a parte autora pede, em sede de antecipação de tutela, a limitação dos descontos que estão sendo efetuados diretamente sobre seu complemento de aposentadoria e em conta-corrente. Invoca em seu favor precedentes jurisprudenciais para dizer que deve ser respeitado o percentual consignável de 30% do valor de seu benefício.

Num juízo preliminar, tenho que as alegações da exordial não contém fundamentos legais capazes de autorizar o deferimento do pedido de concessão de tutela de urgência, ao menos em parte, nos moldes do artigo 300 do CPC.

Ora, é visível que a margem consignável dos proventos do autor não foi superado, pois o total dos empréstimos descontados descontadas (R$ 2.215,81) não ultrapassa 70% de seu benefício previdenciário líquido (R$ 3.849,56), como permitido pelo art. 15 do Decreto 43.574/05. É que, prima facie, não vislumbro ilegalidade na referida norma estadual, pois há respeito à isonomia constitucional quando se dá tratamento diverso em situações diversas, especialmente envolvendo trabalhadores com vantagens, garantias e situações funcionais diferentes.

E, os descontos feitos em contra-corrente não podem ser limitados, pois há liberdade de pactuação quanto aos descontos feitos quando o estipêndio é depositado em conta.

Outrossim, não há alegação de que tais descontos não seriam devidos.

Dessa forma, indefiro o pedido de tutela antecipada formulado na inicial.

Ademais, tendo em vista a impossibilidade de realização de audiência de conciliação, em razão do risco de propagação do novo coronavírus, determino que se proceda na citação da parte ré para apresentar contestação, no prazo de 15 dias, contados da juntada do aviso de recebimento da carta de citação aos autos (art. 231, I, do NCPC).

Não havendo contestação a parte ré será considerada revel, presumindo-se verdadeiros os fatos alegados na inicial.

Eventual acordo poderá ser efetivado no curso da lide, inclusive com ulterior designação de audiência para tanto, se houver interesse.

Dil. legais.

(Dr. PAULO CESAR FILIPPON, Juiz de Direito do Juízo da 8ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de Porto Alegre/RS).

Em suas razões, a parte agravante sustentou que os valores descontados da sua folha de pagamento são abusivos, vez que ultrapassam a margem de 30% da qual as instituições financeiras devem respeitar. Afirmou que não há falar de limitação em 70%. Requer o provimento do presente recurso para readequar os descontos na sua folha de pagamento ao patamar máximo de 30%.

Recurso recebido sem efeito suspensivo ativo.

Prejudicada a intimação da parte agravada, diante da ausência de angularização processual.

É o relatório.

VOTO

DA LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. LIMITAÇÃO EM 30% DOS RENDIMENTOS.

Trata-se de ação de obrigação de fazer, em que a autora objetiva limitar em 30% os descontos de parcelas dos empréstimos descontados diretamente em sua folha de pagamento.

Pois bem.

Em relação ao desconto em folha de pagamento, com efeito, a cláusula que o autoriza é lícita, pois é da própria essência dos contratos celebrados entre as partes.

Na verdade, o desconto em folha de pagamento representa uma garantia do credor, o que, por sua vez, favorece o próprio financiado na medida em que permite redução na taxa de juros, melhores prazos e dispensa de outras garantias.

Por outro lado, inobstante a licitude da cláusula, é necessária a sua limitação ao percentual permitido em lei como margem de consignação.

Esta Câmara, em linha com o STJ (AgInt no Resp 1500846/DF, AgInt no AREsp 1427803/SP), passou a adotar o entendimento de que a limitação de desconto de 30% sobre os proventos de verba salarial somente se aplica à folha de pagamento ou conta salário, não se confundindo com a autorização de desconto em conta corrente.

Nesse sentido:

DESCONTO DE MÚTUO FENERATÍCIO EM CONTA-CORRENTE. AGRAVO INTERNO.
JULGAMENTO AFETADO PARA PACIFICAÇÃO NO ÂMBITO DO STJ.
DESCONTO IRRETRATÁVEL E IRREVOGÁVEL EM FOLHA E DESCONTO EM CONTA-CORRENTE.
HIPÓTESES DIVERSAS, QUE NÃO SE CONFUNDEM.
APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA LIMITAÇÃO LEGAL AO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. IMPOSSIBILIDADE.
CONTRATO DE CONTA-CORRENTE.
CARACTERÍSTICA. INDIVISIBILIDADE DOS LANÇAMENTOS. DÉBITO AUTORIZADO. REVOGAÇÃO DA AUTORIZAÇÃO, COM TODOS OS CONSECTÁRIOS DO INADIMPLEMENTO. FACULDADE DO CORRENTISTA, MEDIANTE SIMPLES REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO.
1. Em se tratando de mero desconto em conta-corrente - e não compulsório, em folha, que possui lei própria -, descabe aplicação da analogia para aplicação de solução legal que versa acerca dos descontos consignados em folha de pagamento.
2. No contrato de conta-corrente, a instituição financeira se obriga a prestar serviços de crédito ao cliente, por prazo indeterminado ou a termo, seja recebendo quantias por ele depositadas ou por terceiros, efetuando cobranças em seu nome, seja promovendo pagamentos diversos de seu interesse, condicionados ao saldo existente na conta ou ao limite de crédito concedido. Cuida-se de operação passiva, mediante a qual a instituição financeira, na qualidade de responsável/administradora, tem o dever de promover lançamentos.

3. Por questão de praticidade, segurança e pelo desuso do pagamento de despesas em dinheiro, costumeiramente o cliente centraliza, na conta-corrente, todas suas rendas e despesas pessoais, como, v.g., salário, eventual trabalho como autônomo, rendas de aluguel, luz, água, telefone, tv a cabo, cartão de crédito, seguro, eventuais prestações de mútuo feneratício, tarifa de manutenção de conta, cheques, boletos variados e diversas despesas com a instituição financeira ou mesmo com terceiros, com débito automático em conta.
4. Como incumbe às instituições financeiras, por dever contratual, prestar serviço de caixa, realizando operações de ingresso e egressos próprias da conta-corrente que administram automaticamente, não cabe, sob pena de transmudação do contrato para modalidade diversa de depósito, buscar, aprioristicamente, saber a origem de lançamentos efetuados por terceiros para analisar a conveniência de efetuar operação a que estão obrigadas contratualmente, referente a lançamentos de débitos variados, autorizados e/ou determinados pelo correntista.
5. Consoante o art. 3º, § 2º, da Resolução do CMN n. 3.695/2009, com a redação conferida pela Resolução CMN n. 4.480/2016, é vedada às instituições financeiras a realização de débitos em contas de depósito e em contas de pagamento sem prévia autorização do cliente.
O cancelamento da autorização referida no caput deve surtir efeito a partir da data definida pelo cliente ou, na sua falta, a partir da data do recebimento pela instituição financeira do pedido pertinente.

6. Com efeito, na linha da regulamentação conferida à matéria pelo CMN, caso não tenha havido revogação da autorização previamente concedida pelo correntista para o desconto das prestações do mútuo feneratício, deve ser observado o princípio da autonomia privada, com cada um dos contratantes avaliando, por si, suas possibilidades e necessidades, vedado ao Banco reter - sponte propria, sem a prévia ou atual anuência do cliente - os valores, substituindo-se ao próprio Judiciário.
7. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp 1500846/DF, Rel.
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/12/2018, DJe 01/03/2019) - grifei.

Com efeito, conforme entendimento pacificado pelo STJ, os descontos em folha de pagamento devem obedecer ao patamar de 30% sobre a remuneração, mesmo em se tratando de servidor público estadual.

Nessa linha:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 185, 421 e 422 do CC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. EMPRÉSTIMO. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO/CONSIGNADO. LIMITE DE 30%. NORMATIZAÇÃO FEDERAL NÃO COLIDENTE COM NORMA ESTADUAL. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.REVISÃO DE FATOS E PROVAS

1. Cuida-se, na origem, de ação em que a parte autora objetiva a limitação dos descontos decorrentes de empréstimos a 30% de sua renda.

2. Os arts. 185, 421 e 422 do CC não foram objeto de debate pelo Tribunal a quo, não preenchendo o requisito do prequestionamento viabilizador da instância especial.Incide, na hipótese, o teor da Súmula 282/STF.

3. Ademais, a instância de origem, ao estabelecer o limite de desconto consignado em 30% (trinta por cento) dos rendimentos líquidos do servidor público, não destoa da orientação do STJ. Impende salientar que não incide a Súmula 280/STF no caso em tela, haja vista que a limitação dos descontos em folha é estabelecida com base em legislação federal - Leis 10.820/2003 e 8.112/1990 - que não testilham com a normatização estadual. Nesse sentido: AgRg no REsp 1.316.545/RS, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, DJe 4/8/2014.


4. A jurisprudência do STJ é no sentido de que a aferição do percentual que cada litigante foi vencedor ou vencido ou a conclusão pela existência de sucumbência mínima ou recíproca das partes é questão que...

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