Acórdão nº 50543687420218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 16-02-2023

Data de Julgamento16 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50543687420218210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003259873
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM Apelação Cível Nº 5054368-74.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Rescisão / Resolução

RELATOR: Desembargador HELENO TREGNAGO SARAIVA

EMBARGANTE: ALBIZIA EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS SPE LTDA (RÉU)

RELATÓRIO

ALBIZIA EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS SPE LTDA. opõe embargos de declaração em face do acórdão que deu parcial provimento à apelação do autor.

Em suas razões, aponta omissão e obscuridade no julgado. Afirma que as obras do empreendimento em questão foram concluídas no prazo estabelecido em contrato. Sustenta que a parte embargada é investidora imobiliária, o que afasta a aplicação do CDC e, consequentemente, a responsabilidade objetiva da embargante. Defende que o IGP-M sofreu um desproporcional e irrazoável aumento por diversos meses, se tornando elemento de enriquecimento indevido àqueles que tenham créditos corrigidos por ele. Refere a utilização do IPCA como índice de correção. Destaca que o marco inicial para incidência de juros moratórios deve ser o trânsito em julgado da decisão. Requer o acolhimento do recurso.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Não é o caso de acolhimento da presente irresignação, ainda que tempestiva.

É que na decisão embargada não há omissão, obscuridade, contradição ou erro material a ser sanado, consoante se depreende da leitura da referida decisão no ponto em que questionada:

(...)

Presentes os requisitos de admissibilidade conheço do recurso.

O autor ajuizou a presente ação pretendendo a resolução do contrato, com a restituição dos valores pagos e da comissão de corretagem, a condenação ao pagamento de multa de 10% sobre o valor do pago e indenização por danos morais e pelos lucros cessantes.

Na inicial, afirma que, em 2012, firmou contrato de promessa de compra e venda que tinha por objeto a unidade autônoma nº 401, torre nº 04, e a unidade autônoma 1608, torre nº 06 do empreendimento denominado Condomínio Residencial Liberdade I, pelo valor de R$ 299.169,00 e R$ 359.661,00; que o prazo para a entrega era dezembro de 2016, com tolerância de 180 dias; que, até 05/12/2018, havia pago R$ 77.250,74 pela unidade 1608 e R$ 54.651,89, pela unidade 401, quando os pagamentos foram suspensos; que assim procedeu para diminuir os seus prejuízos; que, mesmo concluída a obra, passados mais de quatro anos, o imóvel não possui condições de habitação; que houve publicidade abusiva no sentido de que seria implementada toda uma infraestrutura, o que foi determinante para a compra.

Em sua defesa (Evento 10 dos autos originários), a ré argui prescrição em relação ao pedido de devolução da comissão de corretagem. No mérito propriamente dito, afirma a impossibilidade de cumulação do pleito de lucros cessantes e inversão da cláusula penal moratória; que há incompatibilidade do pedido de aplicação da multa contratual com o pedido de rescisão contratual e restituição do valor integral investido; que se trata de rescisão unilateral de contrato, pois ausente qualquer ato ilícito cometido pela ré; que há legalidade no prazo de tolerância; que o empreendimento está finalizado; que houve a expedição do habite-se pelo órgão competente em 23/03/2017; que a contratação se limitou na aquisição das unidades do empreendimento Residencial Liberdade e não condicionou à construção de uma estrutura diversa daquela já devidamente construída e entregue no prazo; que há impossibilidade de inversão da cláusula penal, pois inexiste inadimplemento da ré; que não é possível indenizar por lucros cessantes sem comprovação; que não restou configurado o dano moral alegado.

A sentença julgou improcedentes os pedidos iniciais da ação, razão da presente inconformidade.

A relação existente entre as partes é típica de consumo, uma vez que o autor se insere na condição de consumidor – art. 2º do CDC – e a empresa requerida na condição de fornecedora – art. 3º do CDC. Desta forma, a situação trazida ao debate, deve ser examinada e solucionada à luz dos dispositivos consumeristas.

Assim, reconhecida a relação de consumo, a responsabilidade civil é objetiva. Nesse sentido, lecionam Claudio Bonatto e Paulo Valério Dal Pai Moraes, na obra Questões Controvertidas no Código de Defesa do Consumidor, Ed. Livraria do Advogado, p. 137, Porto Alegre, 2003, verbis:

Neste particular, entendemos que o CDC estabelece os mesmos critérios, tanto nos artigos 12 e 14 como nos artigos 18, 19 e 20, em que pese nestes não constar expressamente que os agentes econômicos serão responsabilizados independentemente de culpa.

Ocorre que o princípio é o mesmo e baseia-se no direito à proteção integral do consumidor, consubstanciada no art. 6º, inciso VI, do CDC, nos termos já citados acima, quando da transcrição das lições de Nelson Nery Júnior, relativamente à força maior.

Tem suporte a responsabilização do fornecedor independentemente da existência de culpa, também na necessidade de socialização dos custos, internalizando estes na estrutura produtiva dos agentes econômicos, a fim de que sejam distribuídos.

Assim, presentes ambas as situações, nos artigos 18, 19 e 20, não há como fugir à regra pelo que a responsabilidade sem culpa se aplica, igualmente, aos incidentes de consumo.”

Além disso, a responsabilidade dos fornecedores por vícios de quantidade, qualidade e de informação vem regulada a partir do art. 18 do Código de Defesa do Consumidor, o qual dispõe:

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a substituição do produto por outro da mês

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço.

De acordo com a norma referida, constatado o vício, deve ser oportunizado ao fornecedor do produto saná-lo e, não tendo este ocorrido no trintídio legal, pode o consumidor, à sua escolha, optar pelas alternativas constantes dos incisos I, II e II do § 1º do art. 18 do CDC.

Ainda, cabe destacar que o art. 422 do CC estabelece que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Conforme lição de Nelson Rosenvald (Código Civil Comentado. Coordenador Ministro Cezar Peluso. 2ª ed. São Paulo: Editora Manole, 2008, p. 411-412.), a norma aponta o desempenho de atribuição integrativa do princípio da boa-fé objetiva, ressaltando:

A função integrativa da boa fé resulta do art. 422 do Código Civil. Integrar traz noção de criar, conceber. Ou seja, além de servir à interpretação do negócio jurídico, a boa-fé é uma fonte, um manancial criador de deveres jurídicos para as partes. Devem elas guardar, tanto nas negociações que antecedem o contrato como durante a execução deste, o princípio da boa-fé. Aqui, prosperam os deveres de proteção e cooperação com os interesses da outra parte – deveres anexos ou laterais -, proporcionando a realização positiva do fim contratual na tutela aos bens e à pessoa da outra parte.

O conteúdo da relação negocial é dado pela vontade e integrado pela boa-fé. Com isso, estamos afirmando que a prestação principal do negócio jurídico (dar, fazer e não fazer) é um dado decorrente da vontade. Os deveres principais da prestação constituem o núcleo dominante, a alma da relação obrigacional. Daí que sejam eles que definem o tipo do contrato.

Todavia, outros deveres se impõem na relação obrigacional, completamente desvinculados da vontade de seus participantes. Trata-se dos deveres de conduta, também conhecidos na doutrina como deveres anexos, deveres instrumentais, deveres laterais, deveres acessórios, deveres de proteção e deveres de tutela.

Os deveres de conduta são conduzidos ao negócio jurídico pela boa-fé, destinando-se a resguardar o fiel processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra. Eles incidem tanto sobre o devedor quanto sobre o credor, mediante resguardo dos direitos fundamentais de ambos, a partir de uma ordem de cooperação, proteção e informação, em via de facilitação do adimplemento, tutelando-se a dignidade do devedor e o crédito do titular ativo.

Logo, outra não pode ser a conclusão de que a violação dos deveres decorrentes do princípio da boa-fé configura inadimplemento do contrato e leva à rescisão.

Os contratos discutidos nos autos foram firmados em 2012 e a ação foi ajuizada em 28/05/2021.

No que pertine ao feito, estabelece o contrato (Evento 1 - CONTR 3 e CONTR 4 dos autos originários):

(Quadro Resumo)

Unidade 1608

4.1 - As obras do empreendimento CONDOMÍNIO RESIDENCIAL LIBERDADE I, localizada no Setor Condominial GRAN VISTA tem seu término previsto para o último dia do mês de dezembro, do ano de 2016, admitindo-se um prazo de tolerância em favor da VENDEDORA de mais 180 (cento e oitenta) dias para sua conclusão, independentemente de ocorrência de caso fortuito ou força maior, observando-se o disposto no Capítulo XIV do CONTRATO DE COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA.

Unidade 401

4.1 - As obras do empreendimento CONDOMÍNIO RESIDENCIAL LIBERDADE I, localizada no Setor Condominial BELLA VISTA tem seu término previsto para o último dia do mês de dezembro, do ano de 2016,...

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