Acórdão nº 50553072520198210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 06-07-2022

Data de Julgamento06 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50553072520198210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002290202
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5055307-25.2019.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Responsabilidade civil

RELATOR: Desembargador EDUARDO KRAEMER

APELANTE: JOSE EMILIO ACIOLI BOECKEL (AUTOR)

APELANTE: RUTH LORENA GONCALVES BOECKEL (AUTOR)

APELADO: AIRBNB SERVICOS DIGITAIS LTDA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por JOSE EMILIO ACIOLI BOECKEL e RUTH LORENA GONCALVES BOECKEL, inconformados com a sentença (Evento 42, SENT1, origem) que julgou parcialmente procedente a ação indenizatória ajuizada em face de AIRBNB SERVICOS DIGITAIS LTDA, nos seguintes termos, in verbis:

Ante o exposto, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil,julgo procedentes, em parte, os pedidos contidos na presente ação indenizatória ajuizada por Ruth Lorena Gonçalves Boeckel e José Emílio Acioli Boeckel contra Airbnb Serviços Digitais Ltda, para condenar a ré a pagar aos autores, a título de indenização por danos materiais o valor de R$ 2.273,97 (dois mil duzentos e setenta e três reais e noventa e sete centavos), com correção monetária pelos índices do IGP-M a contar de cada desembolso, mais juros legais de 1% ao mês, desde a citação.

Condeno os autores ao pagamento de 70% das custas processuais, mais honorários aos patronos da ré, que fixo em R$ 1.700,00 (um mil e setecentos reais), com juros legais contados do trânsito em julgado, nos termos do artigo 85, §§2º, 8º e 16, do Código de Processo Civil.

Condeno a ré, em virtude da sucumbência recíproca, ao pagamento do restante das custas processuais, mais honorários aos patronos dos autores, que fixo em R$ 900,00 (novecentos reais), com juros legais contados do trânsito em julgado, nos termos do artigo 85, §§2º, 8º e 16, do Código de Processo Civil.

Fica expressamente vedada a compensação da honorária (art.85, §14, CPC).

Opostos embargos de declaração pela parte autora (Evento 49, EMBDECL1, origem), foram acolhidos, nos seguintes termos:

"Dessa forma, acolho os embargos declaratórios opostos para, sanando o erro material da sentença, retificar o valor da condenação, para condenar a ré a pagar aos autores, a título d e indenização por danos materiais o valor de R$ 3.249,85 (três mil duzentos e quarenta e nove reais e oitenta e cinco centavos), com correção monetária pelos índices do IGP-M a contar de cada desembolso, mais juros legais de 1% ao mês, desde a citação

Mantenho hígida, outrossim, a sentença nos demais aspectos."

A parte autora, em suas razões (Evento 71, APELAÇÃO1, origem), em síntese, busca o reconhecimento dos danos morais, arguindo que a situação ultrapassa os meros dissabores do dia a dia, já que planejaram as férias em Miami com antecedência, nutriram expectativas, e quando chegaram ao local do imóvel locado não conseguiram contato com o locador e depois foram surpreendidos com a informação de que o condomínio não permitia aluguel por temporada. Afirmam que ficaram sem ter para onde, ir, tendo que procurar um hotel e depois nova estadia, que só foi confirmada por volta das 16h do dia seguinte. Ainda afirmam que ficaram em local incomparável ao que tinham escolhido, pela localização e falta de estacionamento. Defendem se tratar de dano in re ipsa. Subsidiariamente, pugnam pela cassação parcial da sentença, para que seja produzida prova em relação aos danos morais, aduzindo que os autores são as únicas testemunhas do fato que residem no Brasil, tendo cada um nomeado o outro como testemunha. Em relação ao dano material, defendem que o aluguel de hospedagem no último dia não pode ser excluído do montante, pelo fato de os autores terem optado por passar esta noite mais próximo do aeroporto, pois o valor da estadia foi inclusive menor do que nas outras noites. Requerem o provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 76, CONTRAZAP1, origem).

Registro terem sido cumpridas as formalidades dos artigos 931 e 934, do CPC/2015, considerando a adoção do sistema informatizado por este Tribunal (Ato n° 24/2008-P).

É o relatório.

VOTO

Recebo o recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Cuida-se de ação de indenização por danos morais e materiais decorrentes da má prestação do serviço de intermediação de hospedagem a cargo da ré.

Processado e instruído o feito, sobreveio sentença de parcial procedência dos pedidos, condenando-se o réu a indenizar os danos materiais no valor de R$ 3.249,85 corrigidos pelo IGP-M desde o desembolso e acrescidos de juros legais de 1% ao mês, a contar da citação.

Irresignados, recorrem os autores, buscando, em síntese, o reconhecimento de indenização por danos morais e a majoração dos danos materiais.

A questão colocada em julgamento configura relação de consumo, razão pela qual aplicável o Código de Defesa do Consumidor.

De acordo com o que dispõe o art. 14 do CDC1, que trata da responsabilidade pelo fato do serviço (acidente de consumo), a responsabilidade é objetiva, ou seja, independe de culpa, bastando que fique comprovada a ocorrência do fato, o dano e o nexo de causalidade entre ambos.

O fornecedor responde, portanto, pelo serviço defeituoso, assim considerado aquele que não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias do § 1º do art. 142, só não sendo responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, conforme determina o § 3º do artigo em comento.

Tem-se, pois, inversão do ônus da prova ope legis, cabendo ao fornecedor o dever de demonstrar a ocorrência de alguma das hipóteses excludentes de sua responsabilidade. É o que leciona Sérgio Cavalieri Filho3:

Dispõe o § 3º do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor: “O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar [...]”. No mesmo sentido o § 3º do art. 14: “O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar [...]”. Temos aí, induvidosamente, uma inversão do ônus da prova quanto ao nexo causal, porquanto em face da prova de primeira aparência, caberá ao fornecedor provar que o defeito inexiste, ou a ocorrência de qualquer outra causa de exclusão de responsabilidade. Essa inversão do ônus da prova – cumpre ressaltar – não é igual àquela que está prevista no art. 6º, VIII. Aqui a inversão é ope legis, isto é, por força da lei; ao passo que ali a inversão é ope iudicis, que, a critério do juiz, poderá ser feita quando a alegação for verossímil ou quando o consumidor for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência. (...)"

Na hipótese dos autos, alegam os demandantes que em janeiro de 2019 viajaram de férias para Miami, nos Estados Unidos, e ao chegarem no apartamento que haviam locado através da plataforma do réu foram surpreendidos com a notícia de que ele não estaria disponível. A partir de então, tiveram que buscar nova estadia, perderam tempo, sofreram momentos de angústia por não ter onde ficar, e acabaram gastando mais do que gastariam, caso a ré tivesse cumprido o contratado.

Analisados os autos entendo que o conjunto probatório suporta a tese de ocorrência de falha na prestação do serviço, inexistindo prova de qualquer das excludentes de responsabilidade do fornecedor.

A propósito, a matéria em comento foi examinada com acuidade pelo julgador a quo, conferindo adequada aplicação do direito aos fatos, a qual me reporto, pondo em relevo os fundamentos esposados, adotando-os como razões de decidir, na parte em que transcrevo:

“(...)

Sustentam os autores que efetuaram reserva pelo sítio da requerida na internet para locação de um apartamento em Miami, e que, ao chegarem ao local, tomaram conhecimento acerca da indisponibilidade do imóvel.

Em contato com a requerida, na mesma data (15-1-2019), houve o estorno dos valores, bem como a concessão de crédito equivalente a 10% do preço pago para uso em nova locação.

Os documentos que instruem a inicial comprovam que os autores, pela reserva do primeiro imóvel, pagaram o preço de R$ 4.158,79 (quatro mil cento e cinquenta e oito reais e setenta e nove centavos), dos quais R$ 429,42 (quatrocentos e vinte e nove reais e quarenta e dois centavos) foram repassados à ré a título de intermediação, circunstância que afasta a tese da ilegitimidade ou mesmo da culpa exclusiva de terceiro.

Ademais, a requerida demonstrou ter ingerência sobre o contrato de hospedagem quando ofertou aos autores nova reserva com o uso do valor reembolsado e o bônus (R$ 4,158,79 + R$ 415,88).

Outrossim, é princípio posto na Lei n.12.965/2014 a responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei, consoante artigo 3º, IV, de modo que, operando a requerida como prestadora do serviço de intermediação (pelo qual inclusive é remunerada), deve ser responsabilizada por eventuais danos decorrentes das falhas que causem prejuízo ao consumidor.

E, no caso concreto, os autores suportaram danos materiais em virtude do cancelamento do contrato de hospedagem por temporada, já que precisaram passar a primeira noite da viagem em um hotel e, para a nova locação, gastaram valores a maior, além de terem que pagar pelo estacionamento do veículo, já que, diversamente do primeiro apartamento, o segundo não oferecia garagem.

Somados, os prejuízos atingem o valor de R$ 2.273,97 (dois mil duzentos e setenta e três reais e noventa e sete centavos): R$ 5.782,15 pela nova locação, mais R$ 682,08 (seiscentos e oitenta e dois reais e oito centavos) pelo estacionamento e R$ 944,41 (novecentos e quarenta e quatro reais e quarenta e um centavos) pela hospedagem do dia 15-1-2019, menos o valor reembolsado de R$ 5.137,67 (cinco mil cento e trinta e sete reais e sessenta e sete...

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