Acórdão nº 50561903520208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50561903520208210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002230107
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5056190-35.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador JORGE MARASCHIN DOS SANTOS

APELANTE: MARIA HELENA SOARES BASTOS (AUTOR)

APELANTE: PORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

MARIA HELENA SOARES BASTOS e PORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO interpõem apelações cíveis em face da sentença que julgou procedente a ação revisional movida pela primeira em face do segundo, e da qual assim constou na parte dispositiva:

Pelo exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora para o fim de limitar os juros remuneratórios do contrato de empréstimo nº 3801375866 à taxa média de mercado à época da contratação (1,73% a.m.), condenando o réu à devolução dos valores cobrados em excesso, subtraindo-os, se for o caso, das parcelas vincendas, com a repetição simples do indébito caso exista crédito em favor da parte autora após a compensação dos valores. O valor deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a partir de cada desembolso e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da citação.

Condeno o réu, como sucumbente, a arcar com as custas processuais e honorários do advogado da parte adversa. Fixo honorários em R$1000,00 (um mil reais) para o procurador do requerente.

Transitada em julgado e nada requerido, arquive-se com baixa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Juíza de Direito Dra. Gioconda Fianco Pitt, Núcleo PROGRAM Bancário de Justiça 4.0

Em suas razões de apelo, a parte autora sustenta:

Preliminarmente:

a) o reconhecimento de julgamento extra petita em relação à compensação de valores, de modo que não foi postulado na inicial tal pedido, incorrendo em nulidade a sentença nesse aspecto.

No mérito:

a) a incidência de correção monetária pelo IGP-M, acrescida de juros de mora de 1% ao mês, desde cada desembolso, em relação a repetição do indébito;

b) a majoração dos honorários advocatícios de sucumbência em 20% sobre o valor da causa.

Por sua vez, a parte ré alega, em suas razões de apelo:

Preliminarmente:

a) a falta de interesse processual, diante da inexistência de proveito econômico com a revisão pretendida;

b) a carência de ação da parte autora, diante da impossibilidade de revisão de contrato quitado;

c) a prescrição trienal em relação à pretensão de repetição do indébito, relativamente aos valores pagos a maior;

d) a existência de equívoco na taxa de juros remuneratórios aplicada na sentença, porquanto deve ser observado que se trata de crédito pessoal consignado para aposentados e pensionistas, e não consignado servidor público como constou na sentença, considerando que a parte autora é pensionista do IPE, portanto, deve ser aplicada a taxa relativa aos aposentados e pensionistas do INSS;

No mérito:

a) a ausência de abusividade da taxa de juros remuneratórios contratada, devendo ser mantida hígida a contratação nos termos pactuados entre as partes;

b) inviabilidade da repetição do indébito e da compensação de valores.

c) o redimensionamento dos ônus sucumbenciais.

Oferecidas contrarrazões por ambas as partes (eventos 93 e 97 - processo de origem), vieram os autos conclusos para julgamento.

Foram cumpridas as formalidades dos artigos 931 e 935 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015).

VOTO

ADMISSIBILIDADE

Os recursos são tempestivos e preparados (eventos 89 e 91), restando preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade recursal.

RELAÇÃO CONTRATUAL SUB JUDICE

Trata-se de ação revisional que tem por objeto:

  • Contrato de Mútuo - crédito pessoal consignado servidor público nº 3801375866, no valor de R$ 9.000,00, datada de 14/03/2013, com a incidência de juros remuneratórios de 7,25% ao mês e 131,62% ao ano. Sem informações sobre demais encargos incidentes. Juntado o contrato (evento 1 - contrato 4)

APELO DA PARTE RÉ

PRELIMINARES. ALEGAÇÃO DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL, DIANTE DA INEXISTÊNCIA DE PROVEITO ECONÔMICO COM A REVISÃO PRETENDIDA. E CARÊNCIA DE AÇÃO DA PARTE AUTORA, DIANTE DA IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DE CONTRATO QUITADO. EXISTÊNCIA DE EQUÍVOCO NA TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS APLICADA NA SENTENÇA.

No tocante à impossibilidade de revisão contratual em caso de pagamento do débito seja pela inexistência de proveito econômico, seja pela carência de ação, por se tratar de revisão de contrato quitado, consigno que a revisão judicial do contrato é juridicamente possível, calcada em preceitos constitucionais e nas regras de direito comum.

A Constituição Federal de 1988, entre as garantias fundamentais (art. 5º, inciso XXXV), estabelece a intervenção do Poder Judiciário para apreciação de lesão ou ameaça a direito da parte.

Do mesmo modo, em se tratando de relação de consumo, esta intervenção encontra-se reforçada pelo inciso XXXII do art.5º da Carta Magna, e pelas disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor, entre as quais aquelas elencadas no art. 51 da Lei Consumeirista.

Assim, conforme entendimento do STJ, esta Câmara tem decidido no sentido de ser possível a revisão de toda contratualidade, incluindo os contratos extintos pelo pagamento, novação ou renegociação, sob o fundamento de que as nulidades contratuais não se convalidam com o novo ajuste.

Nesse sentido, dispõe a Súmula nº 286 do STJ, verbis:

A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores.

Nesse prisma, constatada a abusividade ou onerosidade excessiva de uma das partes em prejuízo da outra adequada e pertinente a intervenção do Poder Judiciário para adequá-las ao ordenamento jurídico vigente.

Portanto, o negócio jurídico bancário/financeiro realizado merece alteração judicial, inobservada a boa-fé objetiva que deflui do sistema jurídico, relativamente às cláusulas abusivas que estabeleceram as parcelas acessórias.

Assinale-se, ainda, que a execução voluntária das obrigações negociais pelo consumidor, não inibe a possibilidade de apresentação da pretensão processual de invalidação das disposições negociais abusivas, em violação à disposições do Código de Defesa do Consumidor e ao princípio da boa-fé objetiva.

Diante disso, não há que se falar em ausência de interesse processual da parte autora, sendo possível a revisão do contrato em tela.

No que respeita à alegação de equívoco no tocante à taxa de juros remuneratórios aplicada na sentença, consigno que não assiste razão à parte ré.

Ocorre que a parte autora é pensionista junto ao IPE, sendo equiparada, portanto, para efeito de revisão de contrato consignado em folha de pagamento, à servidora pública, e não pensionista e/ou aposentada vinculada ao INSS, como alega a parte ré.

No ponto, rejeitadas as preliminares.

ENCARGOS DA NORMALIDADE

JUROS REMUNERATÓRIOS

No tocante aos juros remuneratórios, as orientações do Superior Tribunal de Justiça, extraídas do julgamento do Recurso Especial n. 1.061.530/RS, datado de 22/10/2008, enfrentado para os efeitos do art. 1.036 do CPC são:

(...)

I – JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE. ORIENTAÇÃO

I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE. ORIENTAÇÃO

1 - JUROS REMUNERATÓRIOS

a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;

b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;

c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;

d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.Afinado a isso, o entendimento desta câmara é o de que a taxa de juros remuneratórios contratada somente deve ser limitada quando for superior à taxa média de mercado, registrada pelo BACEN, somada ao percentual de 30% (trinta por cento), tido como a margem tolerável.

(...) (Grifou-se)

Afinado a essas orientações do Superior Tribunal de Justiça, o entendimento desta Câmara é de que o percentual de juros remuneratórios deve ser limitado à taxa média de mercado registrada pelo Banco Central do Brasil – BACEN à época da contratação e em conformidade com a respectiva operação.

Esse posicionamento, aliás, decorre da observância da orientação vinda do julgamento do Recurso Especial n. 1.112.879/PR, julgado em 12/05/2010, que, para os efeitos do art. 1.036 CPC, assim expôs:

(...)

I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE.

ORIENTAÇAO - JUROS REMUNERATÓRIOS

1 - Nos contratos de mútuo em que a disponibilização do capital é imediata, o montante dos juros remuneratórios praticados deve ser consignado no respectivo instrumento. Ausente a fixação da taxa no contrato, o juiz deve limitar os juros à média de mercado nas operações da espécie, divulgada pelo Bacen, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o cliente.

2 - Em qualquer hipótese, é possível a correção para a taxa média se for verificada abusividade nos juros remuneratórios praticados.

II - JULGAMENTO DO RECURSO REPRESENTATIVO

- Consignada, no acórdão recorrido, a abusividade na cobrança da taxa de juros, impõe-se a adoção da taxa média de mercado, nos termos do entendimento consolidado neste julgamento.

(...) (Grifou-se)

Importante referir que este colegiado adotou como parâmetro para apuração da existência de abusividade na contratação sujeitada à revisão, a...

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