Acórdão nº 50569542120208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50569542120208210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001388132
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5056954-21.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Decorrente de violência doméstica (art. 129, §§ 9º e 11)

RELATOR: Desembargador LUIZ MELLO GUIMARAES

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra ALEXANDRE REICHERT, já qualificado, dando-o como incurso nas sanções do art. 129, §9º, do CP.

Narrou a denúncia que:

“No dia 01 de janeiro de 2020, por volta das 00h40m da madrugada, no endereço do denunciado, Avenida Independência, 50/1704, Centro, Porto Alegre/RS, o denunciado LAEXANDRE REICHERT ofendeu a integridade corporal da vítima Sônia Raquel Braga, sua companheira, causando-lhe as lesões corporais de natureza leve descritas no boletim de atendimento ambulatorial da fl. 17, que descreve: ‘(...) Refere que foi empurrada e teve queda (...) Ferimento contuso em região occipital (...)’.

Na oportunidade, durante uma discussão ocorrida entre os envolvidos, por motivo não suficiente esclarecidos no presente Inquérito Policial, o denunciado agrediu fisicamente a vítima, empurrando-a pelo motivo pelo qual Sônia lesionou a cabeça, causando-lhe as lesões corporais acima descritas.

O denunciado cometeu o delito prevalecendo-se das relações domésticas e familiares que possuía com a vítima, infringindo, assim, as prescrições contidas na Lei nº 11.340/06.”

A denúncia foi recebida e, após regular instrução, sobreveio sentença condenando o réu nos termos da denúncia, à pena de 03 (três) meses de detenção, em regime aberto, sendo concedida SURSIS, pelo período de 02 anos, mediante condições.

Inconformados, o Ministério Público e a Defesa apelaram.

Em razões, o parquet alegou que o Magistrado se equivocou na formação de seu convencimento ao não fixar, na sentença, pena acima da mínima. Destaca que nessa fixação, ele deve se guiar pelas circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, além de as circunstâncias do crime não serem normais à especie, visto que houve muita crueldade por parte do réu. Requer a fixação da pena superior ao mínimo legal em observância aos critérios o art. 59 do CP.

Por sua vez, a Defesa demonstra existir dúvidas quanto a veracidade dos fatos, sendo que os depoimentos colhidos em sede inquisitorial não restaram confirmados em fase processual. Destaca que diante do fraco conjunto probatório a absolvição é medida justa. Diante disso, postula a reforma da sentença sustentando a insuficiência de provas com relação ao delito pelo qual ele foi condenado.

Apresentadas as contrarrazões, subiram os autos.

A douta Procuradoria de Justiça lançou parecer opinando pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Adianto que mantenho a condenação.

A materialidade do crime de lesão corporal está demonstrada no auto de prisão em flagrante, no boletim de ocorrência, no boletim de atendimento do HPS, bem como na prova oral produzida no presente feito.

A autoria, por sua vez, vem comprovada pela prova oral.

A sentença da lavra da Dra. Marcia Kern bem resumiu a prova oral, in verbis:

A prova da materialidade está consubstanciada pelo Auto de Prisão em Flagrante (evento 1, inquérito 2, p. 15), Boletim de Ocorrência Policial (evento 1, inquérito 2, p. 29/31) e pelo boletim de atendimento do HPS (evento 1, inquérito 2, p. 33).

O boletim de atendimento médico da vítima narrou as seguintes lesões: “(...) Refere que foi empurrada e teve queda. TCE1 aberto (...) Ferimento contuso em região occipital (...).”

Em relação à autoria, a vítima Sônia, ao ser inquirida em juízo, relatou que na data dos fatos ela e o denunciado haviam passado o dia juntos em um clube à beira do Guaíba. Que em torno das 23h30min decidiram retornar para casa. Que estavam muito alcoolizados. Ao chegarem no prédio, o denunciado deixou um cooler em frente à porta da residência, momento em que a declarante, em razão do nível de embriaguez, acabou tropeçando no objeto, batendo com o rosto na parede, o que resultou a lesão atestada no boletim de atendimento médico. Afirmou não se recordar muito bem dos fatos, pois estava muito embriagada, e que possivelmente tenha alegado ter sido agredida pelo réu no hospital e na delegacia em razão do nível de embriaguez em que se encontrava. Negou ter sido agredida pelo denunciado, e que atualmente convivem maritalmente e pacificamente.

O policial militar Willian Paz Ferreira, sob compromisso, relatou que foram acionados a comparecer no local pois havia uma mulher caída no elevador. Ao chegarem no prédio, deparam-se com a vítima, a qual informou que o denunciado a teria empurrado, razão pela qual teria batido com a cabeça no elevador e restado lesionada. Salientou que tanto a vítima, como o réu estavam muito alterados, e que aparentavam ter feito uso de bebida alcoólica. Que a vítima informou à guarnição que havia sido empurrada pelo denunciado.

O policial militar Jander Pires Vasconcellos, devidamente compromissado, corroborou o depoimento do policial Willian. Salientou que foram os vizinhos do prédio que socorreram a ofendida e acionaram a brigada militar. Que quando chegaram no local a vítima apresentava lesão aparente na região da cabeça, e que estava com o local enfaixado, pois uma das vizinhas que era bombeira civil prestou socorro à ofendida. Que a vítima afirmou ter sido empurrada pelo denunciado, o que teria sido confirmado por ele quando da sua prisão em flagrante. Salientou que era visível que as partes estavam embriagadas, mas que a vítima possuía plenas condições de compreender o que havia ocorrido.

A testemunha Henry Correa Soares, vizinho da vítima, sob compromisso, relatou que na data dos fatos estava em seu apartamento jantando, quando ouviu um barulho no corredor. Ao ir observar através do olho mágico, verificou que se tratava da vítima e do denunciado, que estavam discutindo. Ato contínuo, ouviu um voz masculina dizer “então vai te fuder, sai da minha casa” e uma batida forte. Ao abrir a porta, deparou-se com a vítima caída no chão com a cabeça lesionada. Disse acreditar que o réu tenha empurrado a ofendida, considerando a dinâmica dos fatos que observou. Em seguida, o declarante e os demais vizinhos prestaram socorro à vítima, que disse a eles “ele é muito bravo, ele nunca me bateu, nunca fez isso antes”. Salientou que ambas as partes aparentavam estar alcoolizadas.

O réu, quando interrogado, negou a prática do delito. Disse que ele e a ofendida estavam muito alcoolizados, e que após chegar ao apartamento, foi logo ao banheiro, não tendo visto a vítima cair. Em seguida, foi até o corredor procurar Sônia e como não a encontrou no local presumiu que ela tivesse saído para comer.

Tendo em vista os elementos de prova produzidos ao longo do processo, entendo que a prova se mostra plena, bem como coerente, de modo a embasar o juízo condenatório do réu, uma vez que, apesar de a vítima apresentar relato diverso do em sede policial, as testemunhas ouvidas em juízo corroboraram os fatos descritos na denúncia, em consonância com as lesões descritas no boletim de atendimento médico.

A testemunha Henry, vizinho do réu e da vítima, afirmou ter observado toda a dinâmica dos fatos através do olho mágico, tendo visualizado que ao casal estava muito alterado, o que fez com que ele fosse checar a situação. Salientou ter ouvido o réu gritar com a vítima e, em seguida, ouvir uma batida forte, momento em que abriu a porta da residencia e se deparou com a vítima caída e com o ferimento na região da cabeça.

Henry ainda salientou que a vítima teria informado que o réu a empurrou, o que teria resultado a lesão verificada por ele quando a socorreu.

Os policiais militares ouvidos em juízo também afirmaram que ao chegar ao local, deparam-se com a vítima lesionada na região da cabeça, e que nessa oportunidade ela atribui a lesão ao denunciado.

Cumpre destacar que o testemunho dos policiais militares possui valor probatório, mormente quando coerentes, firmes, em conformidade com os relatos realizados na fase inquisitiva e corroborados pelos demais elementos de prova existentes no caderno processual, tal qual no caso em tela.

Não é razoável que se incumba a tais agentes públicos a atribuição de garantir segurança pública à população e lhes seja negado valor ao que mencionam em juízo, sob o crivo do contraditório.

Ademais, não foi trazido nenhum elemento a evidenciar que os policiais que participaram do processo como testemunhas tinham a intenção de perseguir o réu ou de incriminá-lo por fato que não tenha praticado.

Ainda que a vítima procure minimizar as lesões sofridas, verifica-se que toda a prova colhida durante a instrução vai de encontro com o narrado por ela em seu depoimento.

É importante referir que não raras vezes em casos de violência doméstica em que há a manutenção do vínculo conjugal, ocorre a apresentação de narrativa por parte da vítima tendendo a minimizar as circunstâncias e consequências da agressão sofrida. Tal comportamento apresenta bases históricas em uma sociedade patriarcal, que atribui relevante importância à manutenção do casamento e da família, como ocorre no presente caso.

Sabe-se que o rompimento do ciclo de violência pelas vítimas de violência doméstica é de extrema complexidade, sendo uma atitude de grande dificuldade a depender das circunstâncias dos fatos, quais sejam, a dependência financeira e subordinação em relação ao ofensor, o sentimento de culpa carregado pela vítima ou mesmo a irresignação do ofensor quanto ao término do relacionamento.

Analisando a situação dos autos, é possível verificar, de maneira clara, que Sônia se encontra inserida em um ciclo de...

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