Acórdão nº 50580358620228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 14-04-2022

Data de Julgamento14 Abril 2022
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Número do processo50580358620228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001964244
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Execução Penal Nº 5058035-86.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATOR: Desembargador JOSE CONRADO KURTZ DE SOUZA

AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de execução penal interposto pelo Ministério Pública contra decisão do 1º Juizado da 1ª Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre que determinou o afastamento da equiparação de hediondez do Art. 33 da Lei nº 11.343/06, para fins de progressão de regime do apenado YURI ANDREY SANTOS PASSOS (PEC nº 8000780-04.2021.8.21.0001) (evento 3, AGRAVO1, p. 2-10 e seq. 72 do SEEU).

Para evitar desnecessária tautologia, adoto o relatório constante no parecer da Procuradoria de Justiça:

"Trata-se de agravo em execução, interposto por meio eletrônico, pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, irresignado com a decisão do 1° Juizado da 1° Vara de Execuções Criminais da Comarca de Porto Alegre, a qual afastou o caráter hediondo do delito de tráfico de drogas para fins de progressão de regime do apenado YURI ANDREY SANTOS PASSOS.

Nas razões recursais, sustenta o agravante que não houve qualquer alteração em relação ao caráter hediondo do crime de tráfico de drogas. Postula, assim, a reforma da decisão.

Apresentadas contrarrazões e mantida a decisão agravada, vieram os autos eletrônicos com vista.

É, em síntese, o relatório."

A douta Procuradoria de Justiça exarou parecer pelo provimento do recurso ministerial (evento 8, PARECER1).

Vieram-me conclusos.

É o relatório.

VOTO

Yuri foi condenado à pena total de 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão pela prática de crimes de tráfico de drogas, tendo iniciado o cumprimento da pena em 03/09/2021, em regime inicial fechado.

Em decisão de 09/11/2021 o Juizado a quo, ao fazer referência à revogação do §2º do Art. 2º da Lei nº 8.072/90 pela Lei nº 13.964/19, determinou o afastamento da hediondez em relação ao crime de tráfico de drogas cometido pelo reeducando no que se refere à progressão de regime, in verbis:

"Vistos,

Apenado recolhido na PMEC.

1 - Analisando atentamente, tenho que merece prosperar o afastamento da equiparação de hediondez do artigo 33 da Lei de Drogas.

Pelos motivos que passo a expor, quanto à condenação nº 0000306-43.2019.8.21.0001, considerando que se trata de apenado reincidente, há que ser retificado o RSPE para 16% para fins de progressão de regime.

A Constituição Federal – artigo 5º não dispõe quais crimes são considerados hediondos, limitando-se a expôr que o tráfico de drogas é crime inafiançável, insuscetível de graça e anistia:

“XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;”

Coube, portanto, a Lei Nº 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, o rol taxativo:

Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:

I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos I, II, III, IV, V, VI, VII e VIII);

-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição;

II – roubo:

a) circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima (art. 157, § 2º, inciso V);

b) circunstanciado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, inciso I) ou pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito (art. 157, § 2º-B);

c) qualificado pelo resultado lesão corporal grave ou morte (art. 157, § 3º);

III – extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, ocorrência de lesão corporal ou morte (art. 158, § 3º);

IV – extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159,caput, e §§ lo, 2o e 3o);

V – estupro (art. 213, caput e §§ 1º e 2º)

VI – estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º, 2º, 3º e 4º);

VII – epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º).

VII-A – (VETADO)

VII-B – falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273,caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998).

VIII – favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º).

IX – furto qualificado pelo emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum ( art. 155, § 4º-A)

Parágrafo único. Consideram-se também hediondos, tentados ou consumados:

I – o crime de genocídio, previsto nos arts. , e da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956;

II – o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

III – o crime de comércio ilegal de armas de fogo, previsto no art. 17 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

IV – o crime de tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição, previsto no art. 18 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003

V – o crime de organização criminosa, quando direcionado à prática de crime hediondo ou equiparado.”

Nota-se que na redação da referida lei, o tráfico de drogas (artigo 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006) não está elencado, mesmo depois da alteração legislativade 2019, que incluiu como hediondo o roubo com emprego de arma de fogo entre outros.A antiga redação dada pela Lei nº 13.769, de 2018 - revogadapela Lei nº 13.964, de 2019 – fazia a equiparação do tráfico com a hediondez para fins de progressão de regime nos seguintes termos:

Artigo 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

I – anistia, graça e indulto;

II – fiança

§ 2º: A progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal)

Com a revogação do referido dispositivo (parágrafo 2º do artigo ), não remanesce nenhum comando legalpara equiparação do tráfico ao delito hediondo, salvo a vedação contida no artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos que reproduziu a Constituição Federal para impedir a fiançae ser insuscetível de graça e anistia.

A nova redação da Lei nº 13.964, de 2019 – repito – revogou o § 2º do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos)assim dispõe:

“Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:

I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;

II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;

III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;

IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;

V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;

VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:

a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional;

b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou

c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;

VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;

VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.

A Lei 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) ao revogar expressamente o dispositivo que equiparava a hediondez do tráfico de drogas como delito hediondo para fins de progressão de regime, expôs os critérios de progressão no artigo 112 da Lei n. 7.210/ 1984 (Lei de Execução Penal), diferenciando frações para os delitos hediondos ou “equiparados”, sem mencionar quais seriam os delitos “equiparados”.

Nenhuma legislação elenca quais delitos são equipados aos hediondos: Constituição Federal, Lei dos Crimes Hediondos, Lei de Execuções Penais ou a Lei de Drogas. Todas restaram omissas, não podendo o Poder Judiciário fazer uma interpretação extensiva no ponto, sob pena de sucumbirmos princípios basilares da democracia como os princípios da legalidade e da anterioridade.

Nesse sentido, oportuno transcrever os incisos XXXIX e XL do artigo 5º da Constituição Federal:

“XXXIX – não há crime...

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