Acórdão nº 50581221320208217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 29-01-2021

Data de Julgamento29 Janeiro 2021
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50581221320208217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20000475383
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5058122-13.2020.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Esbulho / Turbação / Ameaça

RELATOR: Desembargador GIOVANNI CONTI

AGRAVANTE: PATRICIA BARCELOS DA SILVA

AGRAVANTE: ALEX SANDRO MARTHA BALDEZ

AGRAVADO: MUNICÍPIO DE RIO GRANDE

RELATÓRIO

Vistos.

Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto por PATRICIA BARCELOS DA SILVA E ALEX SANDRO MARTHA BALDEZ, contrário a decisão proferida nos autos da ação de reintegração de posse ajuizada por MUNICÍPIO DE RIO GRANDE.

A fim de evitar tautologia, colaciono a decisão ora recorrida:

Vistos.

O MUNICÍPIO DO RIO GRANDE ajuizou a presente ação de reintegração de posse em face de ALEX SANDRO MARTA BALDES E/OU SUCESSORES, WILLIAN DAS NEVES E/OU SUCESSORES e JONATAS GONÇALVES DE ABREU E/OU SUCESSORES quanto à área de domínio público, atrás da Praça do Trabalhador, Rua Forte Santana. Alegou que foram construídos chalés de madeira, conforme levantamento fotográfico realizado no instante da vistoria. Aduziu que, tão logo constatada a invasão, solicitou a desocupação imediata, com notificação dos ocupantes. Enfatizou que a área é de domínio público e que a ocupação clandestina ocorre em via pública, ou seja, em bem público de uso comum. Disse que não há matrícula junto ao Registro de Imóveis. Fundamentou o pedido de liminar. Discorreu sobre o direito invocado e sobre as medidas ao adequado ordenamento territorial. Juntou documentos.

Nesses termos, DECIDO.

Tenho que a liminar deve ser concedida, pois a inicial veio suficientemente instruída, atendendo aos ditames dos artigos 561 e 562 do Código de Processo Civil, sendo desnecessária a realização de audiência de justificação.

Com efeito, os documentos das fls. 07/10 e 26/28, respectivamente de março e setembro de 2019, expedidos pelo Dirigente do Núcleo de Fiscalização de Obras da Prefeitura Municipal do Rio Grande, atestam as construções clandestinas, sendo importante destacar, neste aspecto, a presunção de veracidade dos fatos alegados pela Administração Pública. As fotografias das fls. 16/20 corroboram a prova acerca das construções irregulares.

Outrossim, às fls. 11/13, constam as notificações aos ocupantes clandestinos.

Nessa esteira, tenho que configurada a posse do Município, com a subsequente perda em virtude do esbulho, este ocorrido em março de 2019, ou seja, dentro de ano e dia.

Presentes, portanto, os requisitos para a concessão da liminar.

O Município do Rio Grande requereu a expedição de mandado de reintegração para a hipótese de os réus não desocuparem o local em 05 (cinco) dias contados da intimação.

Entendo razoável a extensão desse prazo para 30 (trinta) dias, já que os réus encontram-se no local por tempo considerável, a fim de que tenham possibilidade de encontrar outro local para residir.

Por outro lado, mostra-se incabível a multa postulada, já que, em não havendo desocupação no prazo concedido, será expedido mandado de reintegração de posse, a ser cumprido com o auxílio de força policial, se necessário.

Diante do exposto, defiro a liminar e determino, conforme requerido, a intimação dos réus e demais ocupantes desconhecidos (eventuais sucessores) para que desocupem a área de domínio público, atrás da Praça do Trabalhador, Rua Forte Santana, no prazo de 30 (trinta) dias.

Citem-se todos os ocupantes do local.

Ultrapassado o referido prazo, deverá o Município informar se houve a desocupação.

Com a informação, retornem conclusos.

Intimem-se.

Diligências legais".

Em suas razões recursais, os agravantes Patrícia e Alex Sandro alegaram que é público e notório que a ocupação do local remonta há trinta anos, sendo que alguns dos atuais ocupantes lá estão instalados há mais de dez anos. Sustentaram que, em 03/04/2017, Clair Geraldo Louzada Jacques ajuizou ação de reintegração de posse contra Zeliane Costa Viana (nº 023/1.17.0002486-2), aduzindo o esbulho possessório da área contígua ao Parque do Trabalhador, pela Rua Forte Santana, na qual narrou que adquiriu o lote em 06/10/1991 e que teria observado o esbulho possessório em março de 2017. Disseram ainda que, naquela ação, Zeliane contestou a demanda demonstrando que reside no local desde o ano de 2010 até a atualidade. Ressaltaram que, atualmente, Alex Sandro Martha Baldez e Zeliane Costa Viana residem no lote identificado pelo número 62 da Rua Forte Santana. Ressaltaram que construíram em 2012 a sua moradia no local, recebendo da Prefeitura Municipal autorização para ligação de energia elétrica em outubro/2017. Disseram que os demais ocupantes do local, dentre estes Patrícia Barcelos da Silva, passaram a residir no local mediante cessão de partes do terreno inicialmente ocupado pela família de Zeliane Costa Viana.

Salientaram que a Prefeitura Municipal do Rio Grande tem ciência do exercício da posse sobre o local ao menos desde 05/10/2017, data em que outorgou a "Autorização a Título Precário nº 10/2017" ao morador Alex Sandro Martha Baldez. Arguiram que, em se tratando de posse velha, haveria necessidade de comprovação dos requisitos da tutela de urgência, que não foram preenchidos no caso. Disseram que os ocupantes do local são pessoas que vivem em extrema pobreza, não possuindo condições para providenciar sua realocação em prazo exíguo, de modo que o cumprimento da medida os colocará em situação de desabrigo e de extrema vulnerabilidade, tratando-se de múltiplos núcleos familiares instalados em espaço exíguo, há muito inutilizado pelo poder público. Arguiram que o cumprimento da medida liminar provocará inevitavelmente a colocação de todos os familiares em situação de rua. Salientaram que a agravante Patrícia Barcelos da Silva apresenta, ainda, especial situação de dificuldade, possuindo um filho, Thiago, autista, o que impõe uma série de novos obstáculos a qualquer pretensão de alteração da normalidade familiar. Informaram que a agravante Patrícia está inscrita para recebimento de imóvel no Loteamento Cidade de Águeda desde o ano de 2006, mas devido à burocracia ainda não lhe foi entregue o contrato, ainda que o imóvel esteja pronto. Pugnou pelo provimento do agravo, com a imediata revogação da medida liminar deferida,

Recebido o recurso com a concessão do efeito suspensivo postulado (Evento 4), o agravado foi intimado para, querendo, apresentar contrarrazões, restando silente (Evento 11).

O Ministério Público ofertou parecer, opinando pelo desprovimento do recurso (Evento 14).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço do agravo, pois presentes os pressupostos de admissibilidade.

No mérito, adianto que o recurso não merece prosperar.

À luz do art. 1.196 do CC, considera-se “possuidor” todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de alguns dos poderes inerentes à propriedade. O possuidor tem direito de ser mantido na posse, em caso de turbação, e de ser reintegrado no caso de esbulho, nos termos do art. 1.210 do CC e do art. 560 do CPC/15.

O art. 561 do CPC/15, por sua vez, versa incumbir ao autor da ação possessória o ônus de provar: a sua posse, a turbação ou o esbulho praticado pelo réu, a data desses atos ilícitos, bem como a continuação da posse embora turbada (na ação de manutenção) e a perda da posse (na ação de reintegração).

Dispõe o citado dispositivo legal:

“Art. 561. Incumbe ao autor provar:

I - a sua posse;

Il - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;

III - a data da turbação ou do esbulho;

IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração.”

A respeito do assunto, ensina Nelson Nery Junior 1 que “Caso o esbulho ou turbação tenha ocorrido há mais de ano e dia, não cabe ação possessória pelo procedimento especial. É admissível, contudo, ação possessória pelo rito comum (ordinário ou sumário). Nessa, poderá o autor pedir a tutela antecipatória de mérito (CPC 273), com os mesmos efeitos da liminar possessória da ação de rito especial. Contudo, para obtê-la, terá de comprovar não apenas sua posse, a turbação ou o esbulho, mas também os requisitos do CPC 273.”

No caso, entretanto, ressalto que em se tratando de ação possessória de área pública impõem-se considerar que a posse do ente público decorre da sua própria natureza - posse jurídica - afastando qualquer discussão acerca de anterioridade ou tempo da posse.

Neste sentido, já decidiu esta Câmara em caso análogo ao dos autos:

“APELAÇÃO CÍVEL. POSSE. BENS IMÓVEIS. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. BEM PÚBLICO. CESSÃO DE USO. POSSE JURÍDICA. ESBULHO COMPROVADO. SENTENÇA MANTIDA. Na ação de reintegração de posse, incumbe à parte autora, nos termos do art. 373, I, do Código de Processo Civil, a prova da posse anterior e da ocorrência do esbulho para obter êxito no pedido de reintegração da posse. Tratando-se de imóvel público, está presente a denominada "posse jurídica", o que somado a comprovação do esbulho, autoriza a reintegração de posse. No caso, presente a denominada "posse jurídica", que dispensa prova acerca da sua anterioridade e tempo de posse. Esbulho caracterizado pela ausência de autorização para utilização do imóvel. Sentença mantida. À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.” (Apelação Cível Nº 70077288504, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 10/05/2018).

Ademais, não destoam deste entendimento as demais Câmaras deste Tribunal de Justiça:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSE. BENS IMÓVEIS. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ÁREA PÚBLICA. LIMINAR. RITO ESPECIAL. REQUISITOS. A concessão de liminar para manutenção ou reintegração de posse pelo...

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