Acórdão nº 50587830320218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoOitava Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50587830320218210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002289806
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5058783-03.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Latrocínio (art. 157, §3º, 2ª parte)

RELATORA: Juiza de Direito CARLA FERNANDA DE CESERO HAASS

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Na Comarca de Porto Alegre/RS, o Ministério Público ofereceu denúncia contra LUCAS CRISTIANO NOBRE MADALENA, nascido em 24/04/1994, com 27 anos de idade ao tempo do fato, dando-o como incurso nas sanções do art. 157, § 3º, inc. II, c/c o art. 14, inc. II, e com o art. 61, incs. I e II, alínea “h”, todos do Código Penal.

Narrou a peça vestibular acusatória (1.1), in verbis:

FATO DELITUOSO:

No dia 03 de junho de 2021, por volta das 13h20min, no interior do Parque da Redenção, localizado na Avenida Osvaldo Aranha, Bairro Bom Fim, Porto Alegre, o denunciado tentou subtrair, para si, mediante violência real e grave ameaça exercida com emprego de arma branca (faca apreendida), bens que se encontravam na posse das vítimas João Vitor S. D., criança que contava 7 (sete) anos de idade na época do fato, e Tarcísio Dias Danzmann, pai de João Vitor.

Na oportunidade, o denunciado abordou as vítimas no momento em que saíam do banheiro público situado no interior do parque e, segurando o menor João Victor, encostou-lhe uma faca no pescoço e anunciou um assalto, exigindo a entrega dos bens de Tarcísio, pai de João Vitor. Tarcísio, contudo, pediu calma e informou não possuir nada de valor no momento, argumentando que seus pertences estavam com sua esposa do lado de fora do banheiro. Diante da negativa, o indiciado soltou a criança e, com animus necandi, investiu contra Tarcísio, tentando matá-lo com golpes de faca.

O crime de latrocínio somente não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do denunciado, uma vez que Tarcísio conseguiu segurar o punho do agressor, vindo a sofrer apenas lesões leves.

Passo seguinte, o denunciado empreendeu fuga sem nada levar, tendo a vítima Tarcísio o perseguido gritando “pega ladrão”. Um agente da Polícia Federal que estava de folga nas proximidades ouviu os gritos de populares que corriam atrás do denunciado e passou a persegui-lo também, avistando Lucas Cristiano com uma faca em punho, ameaçando usá-la contra quem se aproximasse. Diante do fato, o agente identificou-se como policial, sacou sua arma e deu voz de comando para Lucas soltar a faca, ocasião em que o imobilizou e acionou a Brigada Militar.

O denunciado, que é multirreincidente específico, foi preso em flagrante e reconhecido pessoalmente pela vítima como sendo o autor do roubo.

Preso em flagrante delito, viu, o constrito, homologado o respectivo auto e convertida a prisão em custódia preventiva (Inquérito Policial nº 5056782-45.2021.8.21.0001, doravante I.P., 9.1).

Recebida a denúncia em 11/06/2021 (3.1), o réu foi citado (10.1) e, por intermédio da Defensoria Pública, apresentou resposta à acusação (16.1).

Ausente hipótese de absolvição sumária, o feito prosseguiu com a inquirição da vítima e testemunhas, restando, ao final, o réu interrogado (58.1).

O Ministério Público e a defesa apresentaram memoriais em substituição às alegações finais orais (61.1 e 64.1).

Atualizada a certidão de antecedentes criminais do acusado (67.1).

Em 14/01/2022, sobreveio sentença (68.1), julgando procedente a ação penal para condenar o réu como incurso nas sanções do art. 157, § 3º, inc. II, c/c o art. 14, inc. II, por duas vezes, e art. 61, incs. I e II, alínea "h", na forma do art. 70, todos do Código Penal, às penas de 19 (dezenove) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 100 (cem) dias-multa, à razão unitária mínima. Suspensa a exigibilidade do pagamento das custas processuais e mantida a segregação cautelar do réu.

Inconformada, a Defensoria Pública interpôs recurso de apelação (75.1).

O réu foi pessoalmente intimado do veredicto (79.1).

Em suas razões, a defesa postulou a absolvição do apelante, apregoando insuficiente o almanaque probatório ao objetivo de revelar a materialidade e autoria delitivas, lastreada a condenação tão somente na narrativa vitimária e policial. No aspecto, asseriu detalhadamente relatada, pelo apelante, a desavença existente com o ofendido, não havendo motivos para descredibilizar sua versão. Assim não entendido, pugnou pela desclassificação da conduta para o delito de roubo majorado tentado, mencionando a ausência de animus necandi na conduta do réu e a ocorrência de lesão corporal de natureza leve na vítima Tarcísio, decorrente de embate corporal iniciado pelo vitimado. Com relação à dosimetria da reprimenda, pleiteou o redimensionamento da basilar e o reconhecimento da circunstância atenuante da confissão espontânea (85.1).

Apresentadas as contrarrazões ministeriais (88.1), subiram os autos a esta Egrégia Corte, manifestando-se a Procuradoria de Justiça pelo desprovimento do recurso defensivo (7.1).

Conclusos os autos para julgamento.

Esta Câmara Criminal adotou o procedimento informatizado utilizado pelo TJRS, sendo observado o disposto no art. 207, inc. II, do RITJRS e no art. 609 do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

O voto, adianto, vai no sentido de dar parcial provimento ao apelo defensivo, mantendo-se o édito condenatório.

Passo, de plano, à análise do mérito.

Da suficiência de provas para a condenação.

A materialidade delitiva veio demonstrada pelo registro de ocorrência (I.P., 1.1, fls. 23/28), pelo auto de apreensão (I.P., 1.1, fls. 29/31) e pelo laudo pericial n. 122956/2021 (12.1, fl. 02), bem como pela prova oral coligida ao feito.

No concernente à autoria da infração penal, o réu admitiu, em seu interrogatório judicial, sua presença no palco dos acontecimentos na data fatídica, rechaçando, contudo, a prática delitiva. Referiu, a respeito dos fatos, que, quando em situação de rua, poucos dias antes dos acontecimentos resenhados na denúncia, veio a ser gratuita e fisicamente agredido pela vítima Tarcísio, pelo que sofreu graves lesões corporais. Em decorrência, necessitou de atendimento médico junto ao Hospital de Pronto Socorro e viu-se impossibilitado de se apresentar à casa prisional em cumprimento as suas obrigações atinentes à execução de pena, passando, assim, à condição de foragido, atribuindo, a culpa por tal situação, ao ofendido. Disse que, no dia dos acontecimentos, deslocava-se para tomar banho no Parque da Redenção, oportunidade em que avistou a vítima ingressando no banheiro público na companhia de seu filho. Neste momento, afirmou que me subiu o sangue, eu tava com muita raiva, indo ao encontro do vitimado. Na posse de arma branca, declarou que queria mesmo machucar ele naquela hora, recuando após ter visualizado a criança. Em que pese a desistência de causar qualquer mal à vítima, o filho desta entrou em desespero e começou a gritar, quando o ofendido Tarcísio, então, segurou sua camiseta para impedir que saísse do banheiro público. Diante disso, reagiu, tentando acertar o braço da vítima com a faca e, assim, desvencilhar-se. Negou, por fim, tenha segurado a criança ou direcionado a arma branca ao seu pescoço, tampouco ordenado ao vitimado a entrega de pertences, asseverando que sua ideia inicial era atingir a vítima, intento que contou com sua desistência (58.10).

Nada obstante, a tese pessoalmente escandida pelo apelante, repisada em razões recursais, ao objetivo de mitigar a responsabilidade criminal do réu pelo ilícito patrimonial cometido, não calha. O indigitar do increpado como autor do delito de latrocínio tentado, presentes os elementos subjetivos do tipo penal que lhe fora imputado, desponta certeiro dos relatos vítimários, seguramente reconhecido o réu como autor do fato, bem assim das declarações do policial federal à paisana, responsável pela abordagem do acusado, e da policial militar atuante na ocorrência.

A propósito, reproduzo excerto da decisão recorrida, no ponto em que esmiuçou a prova oral coligida, adotando-o como razão de decidir:

A vítima TARCÍSIO DIAS DANZMANN contou que estava no Parque da Redenção, no feriado do dia 03 de junho, passeando com sua esposa e os dois filhos - um de 03 anos e outro, de 07 anos (João Vitor). Por volta das 11h, decidiram sair do parque para almoçar. Caminharam em direção ao carro, que estava estacionado nas proximidades. No trajeto, identificou um banheiro público, e decidiu utilizar, pois precisava urinar. Também, ao lado, visualizou duas mulheres e um senhor, representantes da Prefeitura. Avisou os familiares que iria ao banheiro. Seu filho mais velho, João Vitor, pediu para ir junto. Sua esposa e filho mais novo ficariam aguardando, logo em frente ao local. Entrou no banheiro, junto com seu filho. Auxiliou João Vitor a utilizar o mictório. Após, foi utilizar. Quando estava urinando, visualizou um vulto em suas costas. Ao olhar, identificou um indivíduo (réu Lucas) pegando seu filho pelo pescoço, puxando e girando ele para o outro lado do banheiro. Imediatamente se virou. Viu o réu segurando João Vitor e pressionando o pescoço da criança com uma faca - "uma faca daquelas grandes, com cabo branco, de açougueiro". Seu filho começou a chorar e gritar. Aconteceu tudo muito rápido. O réu Lucas disse: "passa tudo, senão vou matar ele (João Vitor) e depois te mato". Pediu para que Lucas ficasse calmo, pois a carteira estava com sua esposa, logo em frente ao banheiro. Sugeriu que fossem lá fora e que então entregaria a carteira. João Vitor estava chorando muito, e começou a se encolher. Por se encolher muito, Lucas não conseguiu mais segurá-lo. João "escorregou" dos braços de Lucas. Nesse momento, o réu girou em direção ao outro lado do banheiro - onde estava. Mas, girou simultaneamente, e se aproximou de João Vitor. Ficou mais...

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