Acórdão nº 50597034520198210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 09-05-2022

Data de Julgamento09 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50597034520198210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001462226
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5059703-45.2019.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Estelionato (art. 171)

RELATOR: Desembargador IVAN LEOMAR BRUXEL

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

RODRIGO GONÇALVES, 34 anos na data do fato (DN 24/02/1984), foi denunciado, e condenado, por incurso no artigo 171, caput, do Código Penal.

O fato foi assim descrito na denúncia, recebida em 11/07/19:

No dia 24 de maio de 2018, por volta das 14h00, na Rua Lasar Segall, em frente ao número 453, Bairro São Sebastião, nesta capital, em via pública, o denunciado RODRIGO GONÇALVES obteve, para si, vantagem ilícita, em prejuízo da vítima Rosa Maria da Silva, induzindo-a em erro, mediante meio fraudulento.

Na ocasião, o denunciado RODRIGO GONÇALVES, atuando como taxista, prestou o serviço de transporte de passageiro à vítima Rosa Maria da Silva, conduzindo-a até sua casa. Ato contínuo, por ocasião do pagamento do serviço, o denunciado alegou não possuir dinheiro trocado e sugeriu que a vítima realizasse o pagamento por meio do aparelho de cartão de débito pertencente à sua companheira Carine Boeira Vidart. A seguir, o denunciado, fazendo a vítima crer que estava realizando o pagamento do valor devido, consistente em R$ 11,00, programou o aparelho para debitar a quantia de R$ 500,00. Na sequência, o denunciado obteve a vantagem ilícita, apropriando-se do valor debitado do cartão da vítima.

Posteriormente, ao perceber o valor debitado, a vítima comunicou o fato à autoridade policial.

A DEFESA apelou, pretendendo a absolvição, alegando ausência probatória. Subsidiariamente, requer o afastamento da pena de multa.

Oferecida contrariedade.

Parecer pelo improvimento.

É o relatório.

VOTO

Esta a fundamentação da sentença:

Versa a demanda sobre delito de estelionato, no qual o acusado, na condição de motorista de taxi, obteve vantagem ilícita para si, induzindo a vítima em erro, mediante meio fraudulento, visto que por ocasião do pagamento, debitou na máquina de cartão de crédito o valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), superior ao da corrida, que totalizou R$ 11,00 (onze reais), pelo que foi denunciado pela prática de estelionato, como incurso no seguinte dispositivo legal, que ora transcrevo:

"Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis."

A respeito do elemento obtetivo do tipo penal de estelionato em sua forma genérica, dispõe a doutrina de Guilherme Souza Nucci1 o seguinte:

"Há várias formas de cometimento de estelionato, prevendo-se a genérica no caput.

Obter vantagem (benefício, ganho ou lucro) indevida induzindo ou mantendo alguém em erro. Significa conseguir um benefício ou um lucro ilícito em razão do engano provocado na vítima. Esta colabora com o agente sem perceber que está se despojando de seus pertences.

Induzir quer dizer incutir ou persuadir e manter significa fazer permanecer ou conservar. Portanto, a obtenção da vantagem indevida deve-se ao fato de o agente conduzir o ofendido ao engano ou quando deixa que a vítima permaneça na situação de erro na qual se envolveu sozinha. É possível, pois, que o autor do estelionato provoque a situação de engano ou apenas dela se aproveite. De qualquer modo, comete a conduta proibida.

Os métodos para colocar alguém em erro são fornecidos pelo tipo penal: artifício (astúcia ou esperteza), ardil (também é artifício ou esperteza, embora na forma de armadilha, cilada ou estratagema) ou outro meio fraudulento (trata-se de interpretação analógica, ou seja, após ter mencionado duas modalidades de meios enganosos, o tipo penal faz referência a qualquer outro semelhante ao artifício e ao ardil, que possa, igualmente, ludibriar a vítima)."

No caso dos autos, inexiste dúvida acerca da existência do fato, visto que a prova da materialidade restou comprovada pela ocorrência policial, bem como pela prova oral coligida aos autos na fase inquisitorial e em juízo.

A autoria, igualmente é induvidosa.

Em sede policial, o réu assumiu que alterou o valor da corrida que era de R$ 11,00 e colocou na máquina de cartão o valor de R$ 500,00, confirmando, inclusive, que aplicava esse tipo de golpe em outras vítimas e que os processos estavam em andamento na Justiça. Esclareceu que utilizava a conta corrente de sua companheira Carine à época (para recebimento dos valores) e a máquina de cartão de crédito GetNet, vinculada àquela conta, a qual não tinha conhecimento do que ele fazia, vindo a saber dessa prática de golpe, somente quando chegou a primeira intimação da Delegacia.

Entretanto, em juízo, mudou sua narrativa dos fatos, negando a prática do delito, alegando-se inocente.

Disse que se deu conta da entrada do valor de R$ 500,00 somente dois dias depois dos fatos, quando Carine lhe falou que tal importância havia entrado em sua conta, razão pela qual procurou a vítima nas redes sociais para lhe devolver o valor, mas não conseguiu encontrá-la. Alegou que digitou o valor de R$ 11,00 e entregou a maquininha na mão da vítima para ela colocar a senha, tendo esta lhe devolvido o aparelho, justificando que somente ocorreu uma segunda tentativa, porque possivelmente ela devia ter digitado a senha errada.

Defendeu-se dizendo que: "não quis enganar, e que em nenhum momento quis tirar vantagem da situação, pois não é da minha índole fazer isso". Contudo, questionado a respeito do relato de sua ex- companheira, que afirmou que ele era dado a esta prática ilícita, alegou que, após o episódio da denúncia, aplicou esse golpe mais três ou quatro vezes, porque estavam mal financeiramente.

Ocorre que a versão do réu resta desconstruída pelo claros e objetivos depoimentos da vítima e da testemunha, como se verá a seguir.

A ofendida Rosa Maria disse que pegou um taxi em frente ao Bourbon Wallig até sua casa, tendo a corrida dado o valor de R$ 11,00, porém o motorista, ora réu, teria dito que não tinha troco para R$ 20,00 e pediu para ela usar o cartão de crédito, o que achou bastante estranho, pois Rodrigo fez questão que ela pagasse por esse meio.

Referiu que a primeira tentativa teria dado senha inválida e, na segunda, o pagamento foi concluído; contudo, ao verificar seu extrato bancário, constatou a cobrança de R$ 500,00 e não de R$ 11,00, razão pela qual contatou o banco que lhe informou que a primeira tentativa de compra foi no valor de mil e poucos reais e não deu certo (quando o réu disse que a senha estava inválida), e a segunda no valor de R$ 500,00, vindo posteriormente a ser ressarcida.

Esclareceu que no dia dos fatos usou o cartão de crédito em uma loja de roupas, porém o lançamento da compra parcelada foi feito corretamente. Contou ainda que faz uso de óculos para perto, e no momento da corrida estava sem ele, o que poderia ter facilitado a ação criminosa, porque não visualizou o valor na máquina que lhe foi entregue pelo réu.

Mostrada à vítima a imagem do réu em audiência, disse que, apesar do tempo decorido (há mais de 03 anos), o motorista de táxi era uma pessoa de rosto cheio, cabelo castanho – cujas caraterísticas conferiram com as do réu.

No ponto, relevante destacar que em sede policial, cerca de 10 meses após os fatos, a ofendida reconheceu o acusado sem sombra de dúvida, com sendo o motorista de táxi que lhe aplicou o golpe, consoante auto de reconhecimento fotográfico (EVENTO 3, PROCJUD 1, pag. 12).

Na mesma linha, foi o depoimento da testemunha Carine, ex-companheira do réu, a qual referiu que tinha conhecimento da existência de processos contra ele, por dar golpes passando o cartão acima do valor que era. Referiu que Rodrigo era o motivo pelo qual ela tinha muitos problemas na sua vida - possivelmente se referindo a questões judiciais. Disse que naquela época ele trabalhava com motorista de táxi e era adeptos a jogos de azar.

Para complementar seu relato, pertinente mencionar brevemente as declarações prestadas pela depoente em sede policial, que estão em consonância com o que fora declarado em juízo (EVENTO 3, PROCJUD1, pag. 18).

Na delegacia, disse que o réu utilizava sua conta corrente do Banco Santander, bem como no táxi a máquina de cartão de crédito Getnet vinculada àquela conta, porque ele estava negativado. Contou que soube do golpe, quando foi intimada a depor, vindo a saber que Rodrigo passava no cartão de crédito das vítimas valor superior ao das corridas, cuja imporância ia para sua conta corrente, mas que ela não tinha conhecimento, porque não realizava operações bancárias naquela conta.

Por todo exposta, percebe-se que a prova é simples e se basta para comprovar a ousadia do delito perpetrado pelo réu, que se valeu de terceira pessoa de boa-fé (sua ex-companheira), para obter, para si, a vantagem ilícita, ludibriando a vítima.

Vale registrar que no caso dos autos a palavra da vítima, notadamente porque corroborada pela da testemunha, que de certa forma também restou lesada, tem especial importância à verificação das circunstâncias que circundam o fato, inexistindo elementos que desqualifiquem seus relatos ou demonstrem que teriam eventual interesse em prejudicá-lo, atribuindo-lhe levianamente a prática de crime.

Gize-se que a narrativa da ofendida, coerente e segura, deve ser valorada com preponderância, ainda mais quando for detalhada e convergir com os demais elementos probatórios coligidos, especialmente porque o reconheceu tanto em sede policial, por fotografia, como substancialmente em juízo, ao descrever suas características físicas, como sendo o motorista de táxi que lhe aplicou o golpe.

Observa-se que o réu, na tentativa de minorar...

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