Acórdão nº 50599331920218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50599331920218210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003259812
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5059933-19.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: VERGINIA ERINGER (AUTOR)

APELADO: FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por VERGINIA ERINGER nos autos da ação revisional proposta em desfavor de FACTA FINANCEIRA S.A. – CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO em face da sentença que assim dispôs (Evento 63):

JULGO, pelo exposto, IMPROCEDENTE o pedido.

Satisfará a parte autora as custas e honorários em favor dos patronos da adversária, que arbitro, tendo em vista a singeleza do desate da lide, em R$ 800,00, nos termos do art. 85, § 8° do CPC.

Publique-se, registre-se e intimem-se.

Baixe-se, oportunamente”.

Em suas razões recursais (Evento 69), em síntese, salienta o cabimento e a necessidade da revisão do contrato de empréstimo, pois não há falar em validade do contrato abusivo. Aduz a abusividade das taxas de juros remuneratórios contratadas e da CET, razão pela qual postula a limitação à taxa média do Bacen. Requer a restituição do indébito, com correção monetária pelo IGP-M e juros de mora de 1% ao mês desde a data de cada desembolso. Pugna pela inversão do ônus sucumbencial, com a fixação dos honorários advocatícios, nos moldes do disposto no artigo 85, § 8º do CPC, em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais). Postula, ao final, o provimento do apelo.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 74).

É o relatório.

VOTO

A apelação do Evento 69 é tempestiva, uma vez que o prazo recursal iniciou em 21/09/2022 e findou em 11/10/2022 (Evento 65) e o recurso foi interposto em 28/09/2022 (Evento 69). Ademais, a parte recorrente comprovou o recolhimento do preparo (Evento 69 – CUSTAS2).

Dessa forma, considerando que o recurso é próprio e tempestivo, recebo a apelação, a qual passo ao exame.

Inicialmente, saliento que é objeto da revisão de cláusulas contratuais a Cédula de Crédito Bancário nº 5153737, firmada em 18/02/2019, no valor de R$ 33.982,65, com juros remuneratórios de 3,00% ao mês e 42,58% ao ano (Evento 1 – CONTR4).

1. JUROS REMUNERATÓRIOS.

Relativamente aos juros remuneratórios estabelecidos nos contratos bancários e sua limitação, esta Câmara posicionou-se em consonância com o entendimento sedimentado pelo STJ, que, com o advento da Lei n. 4.595/1964, diploma que disciplina de forma especial o Sistema Financeiro Nacional e suas instituições, restou afastada a incidência da Lei de Usura, tendo ficado delegado ao Conselho Monetário Nacional poderes normativos para limitar as referidas taxas, salvo as exceções legais.

Inclusive, a Súmula n° 596/STF dispõe que: “As disposições do Decreto nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional”.

O STJ já sedimentou a matéria, no sentido de que a estipulação dos juros remuneratórios em percentual acima de 12% ao ano não indica abusividade.

Esse posicionamento, inclusive, ensejou a formulação da Súmula 382, in verbis:

A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Cito julgado:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. REEXAME DE FATOS, PROVAS E CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INADMISSIBILIDADE. LIMITAÇÃO DE JUROS REMUNERATÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE. INDICAÇÃO DE ABUSIVIDADE EM RELAÇÃO AOS JUROS MORATÓRIOS. CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS. REVISÃO DE TAXAS DE JUROS REMUNERATÓRIOS. CARACTERIZAÇÃO DA MORA.

1. Ação revisional.

2. O reexame de fatos, provas e cláusulas contratuais em recurso especial é inadmissível.

3. As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33).

4. A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

5. Admite-se a capitalização anual dos juros nos contratos de mútuo firmado com instituições financeiras, desde que seja expressamente pactuada. Precedentes. 6. É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, §1°, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.

7. O afastamento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) caracteriza a mora.

8. Agravo interno não provido.

(AgInt no AREsp 1419353/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/06/2019, DJe 12/06/2019) (grifei)

Conquanto aplicável o CDC às instituições bancárias, o STJ consolidou o entendimento de que o pacto referente à taxa de juros só pode ser alterado se reconhecida sua abusividade em cada hipótese, uma vez que a pactuação é livre entre as partes. Desta forma, somente há que se falar em taxa abusiva se constatado que outras instituições financeiras, nas mesmas condições, praticam percentuais bem inferiores ao do contrato objeto de discussão.

Portanto, a limitação dos juros remuneratórios, quando demonstrada a taxa contratada, somente ocorrerá se comprovado que a taxa contratada é superior à taxa média para as operações financeiras similares. A limitação dos juros remuneratórios é medida excepcional, quando demonstrado que a taxa contratada apresenta significativa discrepância em relação à taxa média de mercado.

Neste caso, far-se-á a limitação com base nas taxas divulgadas e publicadas pelo Bacen, que reflete a média de mercado.

A exemplificar esse entendimento, cito os seguintes precedentes da Corte Superior:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. ABUSIVIDADE. TAXA MÉDIA DE MERCADO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO.

1. Os juros remuneratórios incidem à taxa média de mercado em operações da espécie, apurados pelo Banco Central do Brasil, quando verificada pelo Tribunal de origem a abusividade do percentual contratado ou a ausência de contratação expressa.

2. Admite-se a capitalização mensal dos juros nos contratos bancários celebrados a partir da publicação da MP 1.963-17 (31.3.00), desde que seja pactuada.

3. É admitida a incidência da comissão de permanência desde que pactuada e não cumulada com juros remuneratórios, juros moratórios, correção monetária e/ou multa contratual.

4. Aquele que recebeu o que não devia deve restitui-lo, sob pena de enriquecimento indevido, pouco relevando a prova do erro no pagamento.

5. Agravo interno no recurso especial não provido.

(AgInt no REsp 1417066/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/03/2018, DJe 02/04/2018) (grifei)

Esta Câmara adotou tal posicionamento:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS DE CHEQUE ESPECIAL E CAPITAL DE GIRO. – [...] JUROS REMUNERATÓRIOS. A aplicação em taxa substancialmente superior à média de mercado divulgada pelo BACEN (30% acima, conforme entendimento desta Câmara) é abusiva, sendo passível de limitação à referida taxa média. Na hipótese, com relação aos dois contratos objeto do recurso, há abusividade dos juros remuneratórios pactuados. Mantida a sentença no ponto. [...] APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA, REJEITADAS AS PRELIMINARES.(Apelação Cível, Nº 70080930373, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cairo Roberto Rodrigues Madruga, Julgado em: 31-07-2019)

APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. AÇÃO REVISIONAL. PRELIMINAR CONTRARRECURSAL. INÉPCIA DA INICIAL. [...] JUROS REMUNERATÓRIOS. Modalidade crédito rotativo. Taxa de juros remuneratórios pactuadas acima da taxa média de mercado divulgada pelo BACEN à época. Limitação deferida. Financiamento/renegociação da fatura. Juros pactuados abaixo da taxa média de mercado divulgada pelo BACEN à época. Manutenção dos percentuais ajustados. [...] PRELIMINAR CONTRARRECURSAL DESACOLHIDA. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.(Apelação Cível, Nº 70081973133, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Vescia Corssac, Julgado em: 31-07-2019)

Cumpre mencionar que a apuração da abusividade dos juros remuneratórios é verificada pela taxa média de mercado registrada pelo BACEN, como já acima referido, somada a esta o percentual de 30% (trinta por cento), tido pela Câmara como margem tolerável.

Feitas essas considerações, passo ao exame do contrato submetido à apreciação judicial.

- Cédula de Crédito Bancário nº 5153737, firmada em 18/02/2019, no valor de R$ 33.982,65, com juros remuneratórios de 3,00% ao mês e 42,58% ao ano (Evento 1 – CONTR4); enquanto a taxa média de mercado estipulada pelo Bacen para as operações de crédito pessoal consignado para trabalhadores do setor público, à época da contratação, era de 1,68% ao mês e 22,11% ao ano que, somadas ao percentual de 30%, resultam em 2,18% ao mês e 28,74% ao ano.

Desse modo, levando em consideração a tabela do Bacen para as operações da espécie, constata-se que os juros remuneratórios pactuados estão muito superiores à taxa média de mercado, razão pela qual devem ser limitados.

Ademais, considerando que esta Câmara entende aplicável o percentual de 30% da taxa média como margem tolerável, não há como acolher o pedido subsidiário da parte apelada, formulado em sede de contrarrazões, de aplicação de uma vez e meia a taxa média de mercado divulgada pelo Bacen.

2. CUSTO EFETIVO TOTAL – CET.

As instituições...

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