Acórdão nº 50601418920208217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 04-02-2021

Data de Julgamento04 Fevereiro 2021
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50601418920208217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20000516194
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5060141-89.2020.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Esbulho / Turbação / Ameaça

RELATOR: Desembargador MARCO ANTONIO ANGELO

AGRAVANTE: MARIA SCHENA

AGRAVADO: CEZAR OSORIO NOBRE RAMOS

AGRAVADO: MARTA LUCIA SANTOS RAMOS

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumeno interposto por MARIA SCHENA em face de decisão prolatada na ação de reintegração de posse movida por CEZAR OSORIO NOBRE RAMOS e MARTA LUCIA SANTOS RAMOS, com o seguinte conteúdo (Evento 03 do processo de origem):

Vistos.

Defiro AJG aos autores.

Trata-se de ação de reintegração de posse com pedido liminar, que para deferimento, mister estarem presentes os requisitos do artigo 561, do CPC, quais sejam: a posse, o esbulho praticado pelo réu, a data do esbulho e a perda da posse.

Dos documentos acostados, verifica-se que os autores são proprietários do imóvel, o qual reside a ré, em virtude de comodato verbal, bem como há verossimilhanças nas alegações de perda da posse, conforme notificação extrajudicial para desocupação do imóvel, o qual não restou atendida.

Diante disso, presentes os requisitos do art. 561 do CPC, defiro a liminar de reintegração de posse em favor da autora.

Cite-se a parte requerida para, querendo, contestar a ação no prazo de 15 dias.

Intime-se.

Cumpra-se.

A parte-agravante MARIA SCHENA, por suas razões, refuta a tese de residir no imóvel por contrato de comodato, aduzindo que a natureza de sua posse decorre de direito real de habitação. Aduz fraudulenta a aquisição do imóvel pelo agravado. Refere que os agravdados são separados de fato, sendo que o agravado CEZAR OSORIO NOBRE RAMOS mantém união estável com terceira. Indica reconhecimento judicial de união estável com o pai e alienante do imóvel ao agravado CEZAR OSORIO NOBRE RAMOS entre 1987 a 30.09.2017, sendo fraudulenta a aquisição do imóvel por ele em 03.10.2014. Aponta que foi companheira do pai e alienante do imóvel ao agravado por 30 (trinta) anos, suscitando direito real de habitação e copropriedade do imóvel. Indica que seu falecido companheiro adquiriu as frações do imóvel dos demais herdeiros de sua falecida esposa quando já estavam em união estável. Reitera a negativa de existência de contrato de comodato entre as partes. Suscita condição de idosa, enferma e financeiramente hipossuficiente. Ao final, pugna pelo provimento do recurso para o fim de reformar a decisão agravada, revogando a reintegração de posse deferida em favor dos agravados.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento deste recurso).

Cumprido o disposto nos artigos 931, 934 e 935 do CPC.

É o relatório.

VOTO

O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho (art. 560 do CPC/2015), incumbindo-lhe fazer prova da sua posse, do esbulho praticado pelo réu e da data do esbulho e da perda da posse (art. 561 e incisos do CPC/2015).

Outrossim, consoante o art. 562 do CPC/2015, “estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração, caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada”.

Por sua vez, segundo o art. 563 do CPC/2015, na “considerada suficiente a justificação, o juiz fará logo expedir mandado de manutenção ou de reintegração”.

Cumpre salientar que o “possuidor direto ou indireto que tenha justo receio de ser molestado na posse poderá requerer ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório em que se comine ao réu determinada pena pecuniária caso transgrida o preceito” (art. 567 do CPC).

Nessas circunstâncias, comprovadas a posse anterior e a turbação ocorrido dentro de ano e dia, o juiz deve determinar desde logo a expedição de mandado de manutenção de posse.

Tratando-se de cognição sumária, não se exige prova cabal do alegado pela parte-autora para a concessão de liminar, mas início de prova capaz de demonstrar a probabilidade das alegações.

De outro modo, o comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis, o que se perfaz com a tradição do objeto, nos termos do art. 579 do Código Civil.

Além disso, nos termos do art. 582 do Código Civil, o comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante.

Por isso, o comodatário deve conservar o imóvel, usar de forma adequada e, sobretudo, restituí-lo quando constituído a mora, sob pena de responder por perdas e danos.

Com efeito, se o contrato foi celebrado por prazo indeterminado, a interpelação do comodante, extrajudicial ou judicial, concretiza a mora do comodatário, transformando sua posse, até então justa e de boa-fé, em injusta (precária) e de má-fé, configurando o esbulho e autorizando a reintegração da posse.

Em relação ao direito real de habitação, o art. 1831 do Código Civil refere:

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

Segundo lição de Tupinambá Miguel Castro do Nascimento1:

“O direito real de habitação é uma espécie de uso caracterizado pela finalidade e um usufruto minúsculo, porque não se compatibiliza com perceber frutos. [...] O primeiro aspecto a ressaltar na caracterização do direito real de habitação é que se concede ao habitador o uso de uma casa alheia, que é a sua finalidade, inexistindo o direito a qualquer fruição o que se tem por frutos-habitação, na compreensão de simples utilização do prédio ”.

Em relação ao direito real de habitação relativo ao cônjuge supérstite e à residência do casal, afirma o autor2:

“Por fim, há a constituição da habitação por força da lei. A habitação legal favorece o cônjuge que se torne viúvo, sem importar o regime de bens e sem prejuízo de sua participação na herança, concedendo-lhe direito real de habitação quanto ao imóvel destinado à residência da família, “desde que seja o único daquela natureza a inventariar” (art. 1.831)”.

Assim, tem-se que o instituto do direito real de habitação confere proteção ao cônjuge sobrevivente, garantindo-lhe moradia no imóvel utilizado como residência do casal, evitando-se que fique desamparado após o falecimento do cônjuge.

Trata-se de ampliação ao instituto previsto já no §1º do art. 1.611 do Código Civil de 1916, que resguardava apenas os cônjuges casados no regime da comunhão universal e enquanto permanecessem viúvos.

Nos termos do dispositivo da codificação anterior:

Art. 1.611 - A falta de descendentes ou ascendentes será deferida a sucessão ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estava dissolvida a sociedade conjugal. (Redação dada pela Lei nº 6.515, de 1977).

§ 2º Ao cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habilitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar. (Incluído pela Lei nº 4.121, de 1962).

O instituto do direito real de habitação do cônjuge supérstite se constitui ex vi legis, decorrendo do direito sucessório. Nesse sentido, o informativo jurisprudencial nº 0543 de 13.08.2014 acerca do julgamento do REsp 1.203.144/RS pelo STJ:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECONHECIMENTO DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DO COMPANHEIRO SOBREVIVENTE EM AÇÃO POSSESSÓRIA.

Ainda que o companheiro supérstite não tenha buscado em ação própria o reconhecimento da união estável antes do falecimento, é admissível que invoque o direito real de habitação em ação possessória, a fim de ser mantido na posse do imóvel em que residia com o falecido. O direito real de habitação é ex vi legis decorrente do direito sucessório (GRIFEI) e, ao contrário do direito instituído inter vivos, não necessita ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis. É de se ver, portanto, que há direito sucessório exercitável desde a abertura da sucessão, sendo que, a partir desse momento, terá o cônjuge/companheiro sobrevivente instrumentos processuais para garantir o exercício do direito de habitação, inclusive, por meio dos interditos possessórios. Assim sendo, é plenamente possível a arguição desse direito para fins exclusivamente possessórios, até porque, entender de forma diversa, seria negar proteção justamente à pessoa para o qual o instituto foi desenvolvido e em momento pelo qual ele é o mais efetivo. Vale ressaltar...

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