Acórdão nº 50605212620218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 14-04-2022

Data de Julgamento14 Abril 2022
Classe processualApelação
Número do processo50605212620218210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001898575
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5060521-26.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: IPVA - Imposto Sobre Propriedade de Veículos Automotores

RELATOR: Desembargador RICARDO TORRES HERMANN

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: TEODORO OLIVEIRA PEREIRA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

APELADO: ELIANE CRISTINA DE OLIVEIRA (Pais) (AUTOR)

RELATÓRIO

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL apela da sentença que julgou improcedente o pedido deduzido na ação dita ordinária de isenção de IPVA promovida por TEODORO OLIVEIRA PEREIRA (representado por sua genitora ELIANE CRISTINA DE OLIVEIRA), cujos fundamentos transcrevo (EVENTO 48):

PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL Nº 5060521-26.2021.8.21.0001/RS

AUTOR: ELIANE CRISTINA DE OLIVEIRA (PAIS)

AUTOR: TEODORO OLIVEIRA PEREIRA (ABSOLUTAMENTE INCAPAZ (ART. 3º CC))

RÉU: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

SENTENÇA

Vistos.

Trata-se de ação declaratória ajuizada por TEODORO OLIVEIRA PEREIRA e outro em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, com o escopo de obter declaração de isenção de IPVA incidente sobre o veículo automotor VW / UP TAKE MCV, cor vermelha, placas IYB4B67, ano de fabricação, 2017, em razão de ser portador de deficiência.

Na inicial, a parte autora afirma ser portadora de transtorno autista (CID 10 - F84.0). Em face disto, pleiteia, liminarmente, a declaração do seu direito à isenção de IPVA, bem como a condenação do requerido a restituir o valor de R$ 993,52, referente ao pagamento feito em 15/04/2021 a título de IPVA do ano de 2021. Postulou pela procedência da ação.

Citado, o ERGS apresentou contestação. Em síntese, afirmou que a entidade emissora do Laudo de Avaliação – AUTISMO, bem como a médica e a psicóloga que assinam o Laudo, não estão cadastradas no Sistema Único de Saúde (SUS), o que estaria em desacordo com o disposto na Instrução Normativa D nº 045/98, Título II, Capítulo III, Seção 1.0. Impugnou a ação, requerendo a sua improcedência.

Houve réplica.

Instadas sobre a produção de provas, as partes nada requereram.

O Ministério Público emitiu parecer favorável à procedência da ação.

É o relatório.

Decido.

A parte autora, alegando ser portadora de deficiência física, requereu a isenção do IPVA de veículo próprio.

Sobre isenção, motivo de exclusão do crédito tributário (artigo 175, inciso I, do CTN), ensina Hugo de Brito Machado1:

“Embora tributaristas de renome sustentem que a isenção é a dispensa legal de tributo devido, pressupondo, assim, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, na verdade ela exclui o próprio fato gerador. A lei isentiva retira uma parcela da hipótese de incidência da lei de tributação. Isenção, portanto, não é propriamente dispensa de tributo devido.

[...]

A isenção é sempre decorrente de lei. Está incluída na área da denominada reserva legal, sendo a lei, em sentido estrito, o único instrumento hábil para sua instituição (CTN, art. 97, VI). Ainda quando prevista em contrato - diz o Código Tributário Nacional -, a isenção é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo o caso, o prazo de sua duração (art. 176)” (grifou-se).

O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), em seu art. 2º, definiu o portador de deficiência como sendo “aquele que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”

A lei estadual 13.320/2009, também em seu artigo 2º, dispôs:

Art. 2.º Considera-se pessoa com deficiência aquele indivíduo que, em razão de anomalias ou lesões comprovadas de natureza hereditária, congênitas ou adquiridas, tenha suas faculdades físicas, mentais ou sensoriais comprometidas, total ou parcialmente, impedindo o seu desenvolvimento integral, tornando-o incapacitado ou carente de atendimento e educação especializados para ter vida independente e trabalho condigno.

Assim, no que trata do IPVA, o artigo 4º, inc. VI, da Lei Estadual nº 8.115/85, dispõe:

Art. 4º - São isentos do imposto:

(...) VI - os deficientes físicos e os paraplégicos, proprietários de veículos automotores, de uso terrestre e de fabricação nacional ou estrangeira, em relação ao veículo adaptado às necessidades de seu proprietário, em razão da deficiência física ou da paraplegia;

E o Regulamento do IPVA, Decreto nº 32.144/85, por sua vez, em seu artigo 4º, VI, reproduz a norma legal:

Art. 4º São isentos do imposto:

V- os portadores de deficiência física, visual, mental, severa ou profunda, ou autistas, proprietários de veículo automotor de uso terrestre, obedecidas as instruções baixadas pela Receita Estadual. (...)

No caso em exame, a parte autora foi submetida a exame pericial no âmbito da Receita Federal, momento em que foi comprovada a deficiência, razão pela qual obteve, inclusive, o direito à isenção de IPI, conforme se observa no Evento 1 - Doc. 9.

Ademais, a Instrução Normativa RE 002/2018, de 22/01/2018, passou a dispensar a apresentação de laudo emitido pelo DETRAN, de sorte que o ato da autoridade coatora efetivamente se revela ilegal.

Assim, mostra-se que a exigência de laudo emitido pelo DETRAN se mostra desarrazoada, quando a própria lei estabelece critérios específicos e arrola as doenças que podem ser consideradas “deficiência”.

Do mesmo modo, a jurisprudência também é pacífica no sentido de não haver necessidade de comprovação de adaptação no veículo automotor para a concessão de isenção. Neste sentido, colacionam-se precedentes:

TRIBUTÁRIO. ICMS E IPVA. DEFICIÊNCIA FÍSICA. AUSÊNCIA. VEÍCULO E ADAPTAÇÃO ESPECIAL. DESNECESSIDADE. LAUDO DO DETRAN. ART. 55, I, "C", LEI ESTADUAL Nº 8.820/89. ART. 4º, VI, LEI ESTADUAL Nº 8.115/85. ART. 89 E PAR. ÚNICO, LEI ESTADUAL Nº 13.320/09. ART, 111, II, CTN. Atestando laudo emitido por Junta Médica do DETRAN, de forma inconteste, não padecer impetrante de qualquer restrição quanto à condução de veículos automotores e, por isso, não necessitando de qualquer adaptação destes, não tem direito à isenção do ICMS e do IPVA, nos exatos termos dos artigos 55, I, "c", Lei Estadual nº 8.820/89, e 4º, VI, Lei Estadual nº 8.115/85, assim como do artigo 89, par. único, Lei Estadual nº 13.320/09, vedada interpretação extensiva, artigo 111, II, CTN.(Apelação Cível, Nº 70072160112, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em: 29-03-2017)

“APELAÇÃO. DIREITO TRIBUTÁRIO. IPVA. ISENÇÃO. DEFICIENTE MENTAL. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO PARA TERCEIRO DIRIGIR. A isenção legal de IPVA é de ser reconhecida também aos veículos não adaptados destinados a deficientes, a ser dirigido por terceiro. Precedentes. RECURSO DESPROVIDO” (Apelação Cível n. 70070691696, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Denise Oliveira Cezar, Julgado em 29/09/2016).

“RECURSO INOMINADO. DIREITO TRIBUTÁRIO. ICMS E IPVA. ISENÇÃO. VEÍCULO AUTOMOTOR. AQUISIÇÃO. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. CONDUÇÃO POR TERCEIRO. POSSIBILIDADE. LEI ESTADUAL N° 8.121/85. PRECEDENTES DO STJ E DO TJRS. 1. Ainda que impossibilitado de conduzir veículo automotor, o deficiente físico e/ou mental tem direito à isenção de ICMS e IPVA prevista nas leis estaduais n.º 8.115/85 e nº 8.820/89. 2. Inviável interpretar a legislação de forma literal, uma vez que permitir a isenção do imposto tão-somente aos deficientes físicos que tenham condições de dirigir seus veículos adaptados acaba por discriminar aqueles que, em situações mais graves, não possam conduzir o veículo, pois necessitam de terceiros para necessidades básicas, quanto o mais para se locomover. 3. Afronta aos princípios da isonomia e dignidade da pessoa humana. 4. Sentença mantida por seus próprios fundamentos, nos moldes do artigo 46, última figura, da Lei n.º 9.099/95. RECURSO INOMINADO DESPROVIDO. UNÂNIME” (Recurso Cível n. 71006172845, Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: Volnei dos Santos Coelho, Julgado em 22/09/2016).

Diante dessa conclusão, inexistindo elementos de prova aptos a infirmarem tese da parte autora, a hipótese é de procedência da ação.

DA RESTITUIÇÃO DE VALORES

Sendo procedente o pedido principal, merece acolhimento o pedido de restituição dos valores indevidamente pagos a título de IPVA.

Observa-se que, o requerente tem direito à restituição do valor de R$ 993,52, referente ao pagamento feito em 15/04/2021 a título de IPVA do ano de 2021 (evento 1 - doc. 15).

As quantias, observados os valores nominais indicados, deverão ser atualizadas a contar das datas de realização das retenções indevidas (datas de recebimento da remuneração pertinente), incidindo a Taxa SELIC como critério único de correção monetária e juros, na medida em que o referido parâmetro engloba os encargos mencionados e tem previsão expressa no artigo 69, § 1º, da Lei Estadual n. 6.537/73, redação da Lei Estadual n. 13.379/2010.

Em face do exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos deduzidos por TEODORO OLIVEIRA PEREIRA, para reconhecer o direito da parte autora à isenção dos descontos de IPVA incidentes sobre o veículo automotor VW / UP TAKE MCV, cor vermelha, placas IYB4B67, ano de fabricação, 2017, observados os requisitos estabelecidos no art. 4º, inc. VI, § 9º, da Lei n. 8115/85, CONDENANDO o réu a restituir ao demandante o valor de R$ 993,52 - devidamente atualizado pela Taxa SELIC.

A presente decisão, assinada digitalmente, serve como ofício que deve ser encaminhada ao e-mail da SEFAZ/RS (parajudicial.judiciario2@sefaz.rs.gov.br).

Diante da sucumbência, condeno o réu ao pagamento das custas (eventual reembolso) e dos...

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