Acórdão nº 50610464220208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Primeira Câmara Cível, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoDécima Primeira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50610464220208210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002277278
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

11ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5061046-42.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador AYMORE ROQUE POTTES DE MELLO

APELANTE: ROSA LIRIA SANTOS DE OLIVEIRA (AUTOR)

APELANTE: ASSOCIACAO GAUCHA DE PROFESSORES TEC.DE ENSINO AGRICOLA (RÉU)

APELANTE: FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Tratam-se de recursos de apelações interpostos respectivamente por FACTA FINANCEIRA S/A e AGPTEA - ASSOCIAÇÃO GAÚCHA DE PROFESSORES TÉCNICOS DE ENSINO AGRÍCOLA (1ºs apelantes) e por ROSA LIRA SANTOS DE OLIVEIRA (2ª apelante) em combate à sentença de parcial procedência (evento 76, SENT1), proferida nos autos da ação ordinária que a segunda apelante move contra as primeiras apelantes perante a 2ª Vara Cível do Foro Central II da Comarca de Porto Alegre.

Adoto o relatório da sentença recorrida, verbis:

“Rosa Lira Santos de Oliveira ajuizou ação ordinária contra Facta Financeira S/A e AGPTEA Associação Gaúcha de Professores Técnicos de Ensino Agrícola.
Alegou que contrato empréstimo consignado com a ré Facta por meio de aplicativo de mensagens e valor previsto de R$ 13.000,00, com pagamento em 96 parcelas de R$ 397,00 mediante desconto em folha de pagamento e por meio de canal da AGPTEA.
Disse que recebeu o contrato em branco, com a orientação para que fossem assinados e devolvidos, o que foi feito. A associação junto a AGPTEA se disse obrigatória e condição para o contrato, o que realizou sem que fosse a sua vontade. Ainda que tenha sido informada a aceitação do contrato, o valor prometido não foi depositado, sendo surpreendida com o desconto de R$ 365,65 referente ao contrato e R$ 34,51 referentes a mensalidade da associação. Indicou a prática abusiva ao ser exigida a assinatura de documentos em branco, a venda casada com a associação e a não entrega dos valores emprestados mesmo com os descontos efetivados em folha de pagamento. Apontou constrangimento como causa de danos morais. Concluiu com pedido de tutela de urgência para que a ré Facta seja compelida a realizar o depósito do valor do empréstimo, com a procedência de demanda para confirmar a tutela e para declarar a nulidade do contrato com AGPTEA com a condenação da ré ao reembolso em dobro dos valores, bem como a condenação de ambas as rés ao pagamento de indenização por danos morais. Requereu o benefício da gratuidade e juntou documentos.
A tutela de urgência foi indeferida, sendo concedido o benefício da gratuidade.

Citadas, as rés contestaram arguindo a ilegitimidade passiva de AGPTEA, já que apenas intermediária no contrato.
No mérito, defenderam que o contrato é lícito, sendo o valor contratado creditado em favor da autora. Teceram considerações sobre a legalidade e a inexistência dos danos morais. Concluíram com o pedido de improcedência da ação. Juntaram documentos.
Houve réplica.
Foi rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva, sendo definido ainda que a ré Associação deveria comprovar a associação e os seus termos, com a indicação para que a corré Facta deveria juntar o contrato e demais documentos de evolução da dívida.

As rés indicaram que os originais da contratação foram retidos pela autora.

As rés trouxeram documento indicando a realização de transferência bancária ocorrida no dia 21/09/2020, no valor de R$ 11.810,04, para conta mantida pela autora no Banco Banrisul.

A autora se manifestou e juntou documentos.

Não foram produzidas outras provas.

É o relatório. Decido.”

O dispositivo da sentença recorrida está redigido nos seguintes termos, verbis:

Diante do exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação ordinária ajuizada por Rosa Lira Santos de Oliveira contra Facta Financeira S/A e AGPTEA Associação Gaúcha de Professores Técnicos de Ensino Agrícola para (i) condenar a ré Facta ao pagamento de R$ 13.000,00, com correção monetária conforme a variação do IPCA e juros de mora de 12% ao ano desde 07/08/2020, abatidos em 21/09/2020 os R$ 11.810,04 já quitados, incidindo sobre o saldo a mesma correção monetária e juros de mora até a data do efetivo pagamento, e para (ii) declarar nulo o contrato mantido entre a autora e a corré AGPTEA, determinando o cancelamento do desconto respectivo lançado em folha de pagamento em nome da autora, bem como para condenar a ré ao reembolso em dobro dos valores comprovadamente quitados pela autora, sendo devidos com correção monetária pelo mesmo IPCA desde a data de cada desembolso e juros de mora de 12% ao ano desde a data da citação.
Condeno as partes ao pagamento da Taxa Única e despesas, sendo devida a metade do valor pela autora e o restante pelas rés, em parcelas iguais.

Condeno as partes ao pagamento de honorários advocatícios, estes devidos por cada uma das partes e fixados, na forma do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, em R$ 1.100,00, com correção monetária conforme a variação do IPCA desde a data da sentença e juros de mora de 12% ao ano desde a data do trânsito em julgado.

Suspendo a exigibilidade dos ônus de sucumbência devidos pela autora conforme a previsão do artigo 98, § 3º, do Código de Processo Civil.”

Nas razões do primeiro apelo (evento 82, APELAÇÃO1), as rés sustentam, em preliminar, a ilegitimidade passiva da segunda ré (AGPTEA), pois é mera intermediadora do negócio jurídico e apenas realiza o desconto em folha de pagamento e repassa os valores à primeira ré, sem responsabilidade em relação ao pedido de revisão contratual. No mérito, sustentam que foi demonstrada a regularidade da contratação do empréstimo, inclusive pela juntada do comprovante do crédito de R$11.811,29 em favor da parte autora. Referem que a autora estava ciente de todas as cláusulas do contrato, sendo descabida a pretensão de alteração de suas cláusulas. Aduzem que os descontos realizados em folha de pagamento observam o que foi contratado, não comportando repetição do indébito. No que toca à mensalidade associativa em relação à segunda ré, pontuam que houve associação voluntária da autora, sendo regular os descontos das mensalidades. Referem ser livre o cancelamento da associação, salvo quando pendente contrato de empréstimo consignado, por ser este um dos benefícios da associação à entidade. Assim, no caso concreto, sustentam a impossibilidade de cancelamento da associação. Requerem o provimento do recurso.

Na segunda apelação (evento 83, APELAÇÃO1), a autor apelante aponta a caracterização do dano moral. Destaca que houve prática ilícita e abusiva das rés, impondo à autora a assinatura de contrato em branco, bem como a associação à entidade de classe de forma compulsória, condicionada à concessão do crédito. Refere que as rés descontaram valores em folha de pagamento antes mesmo de creditar o valor emprestado na conta-corrente da autora. Requer a condenação em dano moral no valor de R$15.000,00. Postula o provimento do recurso, com a majoração da verba honorária, a ser fixada entre 15% e 20% do valor da condenação, observado patamar mínimo de R$2.500,00.

As partes apresentaram contrarrazões, requerendo o desprovimento dos recursos adversos (evento 89, CONTRAZ1 e evento 90, CONTRAZ1).

Subiram os autos a esta Corte. Distribuídos, vieram conclusos para julgamento em 23/03/2022, sendo incluídos na pauta da sessão virtual de julgamentos de 23/06/2022.

É o relatório.

VOTO

A. EM PRELIMINAR.

1. Os recursos são típicos, próprios, tempestivos (eventos 77/79 e 82/83). O recurso das rés está preparado (evento 82, GUIADEP2 e evento 82, COMP3) e o recurso da autora está dispensado do preparo, pois a parte é beneficiária da gratuidade da justiça (evento 4).

2. Ainda neste quadrante, é caso de não conhecer do primeiro recurso de apelação nos pontos atinentes à ilegitimidade passiva da segunda requerida e à regularidade do contrato, pretensão de revisão e repetição do indébito dos valores descontados em folha de pagamento oriundos do contrato de empréstimo sub judice, nos termos do art. 1.010, inc. II, do CPC.

De pronto, destaco que o pedido da autora não é de revisão de cláusulas contratuais ou de repetição do indébito da contraprestação descontada em folha de pagamento, mas de que a ré seja condenada a depositar o valor tomado em empréstimo. Registro que a autora reconhece a contratação, mas se insurge quanto à ausência de crédito do valor contratado. Não houve pedido de repetição do indébito de parcelas relativas ao contrato de empréstimo, mas somente em relação ao valor das mensalidades associativas.

Neste sentido, a sentença declarou ser incontroversa a existência do contrato entre as partes e condenou a primeira ré ao depósito do valor contratado, observado o depósito parcial e em atrasado já comprovado nos autos. A condenação em repetição do indébito deu-se exclusivamente em relação aos valores pertinentes à associação da autora à segunda ré. No que toca à ilegitimidade da segunda ré, foi afastada sob fundamento de que a pretensão inicial deduzida pela autora não atacava apenas o contrato de empréstimo, mas a própria associação da autora à segunda ré, fundamento também não atacado no recurso.

Contudo, em suas razões recursais, as apelantes limitam-se a sustentar a ilegitimidade passiva da segunda ré por não ter ingerência sobre o contrato de empréstimo, por ser mera intermediadora e defendem a regularidade do contrato e impossibilidade de repetição dos valores relativos à contraprestação do empréstimo, sem adequar seus argumentos aos fundamentos sentenciais, de modo que as razões recursais não têm o condão de infirmar a decisão recorrida.

Neste contexto, as razões apresentadas pelas primeiras-apelantes, no ponto, mostram-se dissociadas da sentença recorrida.

Nesta moldura, no ponto, tem-se que as apelantes não observaram o ônus...

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