Acórdão nº 50612291320208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Segunda Câmara Cível, 20-04-2022

Data de Julgamento20 Abril 2022
ÓrgãoVigésima Segunda Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50612291320208210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001909624
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

22ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5061229-13.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Dívida Ativa

RELATOR: Desembargador MIGUEL ANGELO DA SILVA

APELANTE: BANCO BRADESCO S.A. (EMBARGANTE)

APELADO: MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE (EMBARGADO)

RELATÓRIO

Parto do relatório do parecer ministerial exarado nesta instância revisora (Evento 8), que sumariou a espécie nestes termos, “in verbis”:

“Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Banco Bradesco S.A. contra sentença que, nos autos dos embargos à execução opostos contra o Município de Porto Alegre, julgou-os improcedentes, condenando o embargante ao pagamento das custas processuais e fixando os honorários do feito executivo 15% sobre o valor atualizado da execução fiscal (evento 30 – autos originários).

Em suas razões, o apelante busca a reforma da sentença. Após historiar o feito, sustenta, em síntese, que a data ensejadora da multa se tratava de dia excepcional (10º dia útil do mês). Aduz a inexistência de testemunhas que possam confirmar o tempo apontado pelo agente fiscalizador. Tece considerações acerca da legislação aplicável. Defende que a lei prevê a limitação temporal somente quando houver ritmo normal das atividades, o que não se enquadra no caso em comento, já que se tratava de dia de grande fluxo de transmissão de dados. Alega a ocorrência de cerceamento de defesa no processo administrativo, bem como a nulidade da CDA, por ausência dos requisitos legais. Menciona a divergência jurisprudencial acerca da legitimidade do PROCON para fiscalização e aplicação de sanções administrativas. Por fim, refere a desproporcionalidade da multa aplicada. Requer o provimento do recurso (evento 37 – autos originários).

Foram apresentadas contrarrazões (evento 43 – autos originários).

Vieram os autos com vista.”

A d. Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 8).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, pois presentes seus pressupostos de admissibilidade.

Cuida-se de embargos opostos à execução fiscal movida pelo Município de Porto Alegre, fundada em Certidão de Dívida Ativa cujo débito se refere à multa aplicada por infração ao disposto no art. 2º, inc. I, da Lei Municipal nº 8.192/1998 (Auto de Infração nº 190736/2017), que disciplina acerca da obrigatoriedade de as agências bancárias, no âmbito do Município, colocarem à disposição dos usuários pessoal suficiente no Setor de Caixas para que o atendimento seja efetivado em tempo razoável.

De saída, estimo não comportar reparos a douta sentença de improcedência dos embargos (Evento 30 - SENT1 dos autos originários), cujos fundamentos adoto e transcrevo adiante, com o fito de evitar desnecessária tautologia, “in litteris”:

“Tratando-se a controvérsia de questões de direito e de fato e encontrando-se os fatos relevantes comprovados por documentos, é desnecessária a dilação probatória (art. 17 da Lei n° 6.830, de 22 de setembro de 1980).

Conforme reza o art. 204 do Código Tributário Nacional 'a dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída. Parágrafo único. A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite'. Em idêntico sentido, o art. 3º da Lei nº 6.830/80.

Não merece agasalho a alegação de inconstitucionalidade da Lei municipal nº 8192/98, porquanto é evidente que não versa sobre horário de funcionamento dos bancos, mas de norma protetiva do consumidor local no que diz respeito ao tempo de espera no atendimento nas casas bancárias. Nesse sentido, vale transcrever o precedente invocado na impugnação aos embargos, pois pertinente à espécie:

"PORTO ALEGRE. MANDADO DE SEGURANCA. HORARIO BANCARIO. SETOR DE CAIXAS. ATENDIMENTO AO PUBLICO EM PERIODO RAZOAVEL. LEI MUNICIPAL 8192/988, QUE DISPOE SOBRE AS OBRIGACOES DAS INSTITUICOES BANCARIAS COLOCAREM FUNCIONARIOS NO SETOR DE CAIXAS, DISPONIVEIS PARA PRESTAREM ATENDIMENTO AOS USUARIOS EM TEMPO RAZOAVEL. INOCORRE NO TEXTO LEGAL QUALQUER VIOLACAO A LEI MAIOR OU A CONSTITUICAO ESTADUAL, POIS, NAO VERSA A MATERIA SOBRE ATIVIDADE BANCARIA TIPICA, NEM SOBRE HORARIO DO FUNVIONAMENTO DOS BANCOS. INTERESSE LOCAL CARACTERIZADO. COMPETENCIA MUNICIPAL PARA LEGISLAR. CONSTITUCIONALIDADE. APELO IMPROVIDO. (Apelação Cível, Nº 599390382, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vasco Della Giustina, Julgado em: 12-04-2000)"

Quanto ao processo administrativo que deu origem ao crédito não-tributário, a arguição sob tal enfoque evidencia o necessário exame do controle judicial do ato administrativo. A bem da verdade, o mérito administrativo ao fim e ao cabo protegido do reexame judicial é o da conveniência e oportunidade, mas os elementos intrínsecos do agir administrativo, ao cumprir a lei, mesmo dentro da discricionariedade, debaixo do princípio da inafastabilidade da jurisdição, permitem certo controle e aferição: o juiz poderá, a instâncias da parte e em face da argumentação por ela desenvolvida, verificar, em exame de razoabilidade, se o comportamento administrativamente adotado, inobstante contido dentro das possibilidades em abstrato abertas pela lei, revelou-se, in concreto, respeitoso das circunstâncias do caso e deferente para com a finalidade da norma aplicada”.1

E a discricionariedade, prossegue a lição supra, 'é a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se posse extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente'. E nesse ponto, 'ao Judiciário assiste não só o direito, mas o indeclinável dever de se debruçar sobre o ato administrativo, praticado sob o título de exercício discricionário, a fim de verificar se se manteve ou não fiel aos desiderata da lei; se guardou afinamento com a significação possível dos conceitos expressados à guisa de pressuposto ou de finalidade da norma ou se lhes atribuiu inteligência abusiva'.

No exame superficial do agir administrativo e fiscal, é facilmente perceptível que os fatos não se deram como narrados pela embargante, porque houve denúncia de munícipe, lavrada em formulário padronizado, e acompanhada de prova documental do tempo de duração do atendimento, mais de 2 horas, conforme EVENTO 1-3 (fls. 6 e ss.), atendendo assim aos ditames dos art. 2º-A e art. 5º da Lei nº 8192/98:

Art. 2º-A. Ficam as agências bancárias obrigadas a fornecer ao usuário de seus serviços senha identificada para atendimento, contendo impressos, mecânica ou eletronicamente, a data e o horário de sua emissão e a comprovação de efetivo atendimento do usuário. (Redação acrescida pela Lei nº 11.037/2011).

Art. 5º. As denúncias dos munícipes, devidamente comprovadas, deverão ser encaminhadas à Secretaria Municipal da Produção, Indústria e Comércio (SMIC), órgão municipal encarregado de zelar pelo cumprimento desta Lei, concedendo-se direito de defesa ao Banco denunciado.

No ponto, o documento foi extraído da própria instituição financeira (http://www4.net.bradesco.com.br/gtef/con.TempoEperaFila.ief), conforme se vê ao pé daquele extrato/documento - o que é suficiente para emprestar legitimidade ao ato. Não havendo valoração da prova pela autoridade administrativa de modo evidentemente contrário aos termos da legislação de regência, o julgador não há de interferir do ato administrativo correlato.

Finalmente, não há falar em valor excessivo da multa aplicada, quando a própria lei estabelece valor único, no montante equivalente a 2.000 unidades fiscais de referência, no caso, o UFM, exatamente como consta da CDA.

Sendo assim, não se desincumbindo o embargante do ônus de demonstrar a incerteza ou iliquidez da CDA, o pedido formulado nos embargos merece veredicto de improcedência.”

De efeito.

Os Municípios detêm competência para legislar sobre a fixação do tempo máximo de espera para atendimento dos usuários nas agências bancárias, por versar matéria de interesse local, nos termos do art. 30, inc. I, da CF/88.

A propósito, o Excelso Pretório assim decidiu em Recurso Extraordinário com repercussão geral:

DEFINIÇÃO DO TEMPO MÁXIMO DE ESPERA DE CLIENTES EM FILAS DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA LEGISLAR. ASSUNTO DE INTERESSE LOCAL. RATIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA FIRMADA POR ESTA SUPREMA CORTE. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
(RE 610221 RG, Relator(a): Min.
ELLEN GRACIE, julgado em 29/04/2010, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-154 DIVULG 19-08-2010 PUBLIC 20-08-2010 EMENT VOL-02411-05 PP-01137)

Na mesma linha, refiro julgados do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEI MUNICIPAL QUE FIXA O TEMPO MÁXIMO DE ESPERA EM FILA DE AGÊNCIA BANCÁRIA. RECURSO ESPECIAL QUE DISCUTE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI LOCAL E PRESENÇA DOS REQUISITOS DISCIPLINADOS PELOS ARTS. 273 E 461 DO CPC. AMPLIAÇÃO DA CONTROVÉRSIA DISCUTIDA NA ORIGEM, QUE SE LIMITOU À MAJORAÇÃO DAS ASTREINTES POR RECALCITRÂNCIA NO CUMPRIMENTO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DEFERIDA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 CPC. INESPECIFICIDADE DOS PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS COLACIONADOS. DISSÍDIO PRETORIANO INOCORRENTE. MATÉRIA PACIFICADA NO STJ E NO STF.

1. O Ministério Público ajuizou Ação Civil Pública para compelir a instituição bancária recorrente ao cumprimento de duas leis municipais que estabeleciam o tempo máximo de espera em fila de agência bancária. Deferida a...

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