Acórdão nº 50616757920218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 27-04-2022

Data de Julgamento27 Abril 2022
ÓrgãoSétima Câmara Cível
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50616757920218210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001971171
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5061675-79.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Seção Cível

RELATORA: Juiza de Direito JANE MARIA KOHLER VIDAL

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se da irresignação de CAUANA A. S. com a r. sentença que julgou procedente a ação de destituição de poder familiar que lhe move o MINISTÉRIO PÚBLICO, destituindo-a do poder familiar em relação ao filho DAVID A. S.

Sustenta a recorrente que, apesar das dificuldades para retomar a sua organização básica e estabilidade, resta evidente que existe forte vínculo afetivo com o filho e que necessário tentar incluí-lo em família extensa, enquanto se reorganiza. Alega possuir firme propósito em retomar o convívio com o menino e reaver a sua guarda, demonstrando plena disposição para reverter a situação e reassumir as atribuições parentais. Refere que não faz mais uso de substâncias psicoativas, de modo que a situação transitória e reversível, com auxílio da rede de proteção, não pode obstaculizar de forma definitiva o convívio com a família natural. Pretende a concessão da antecipação dos efeitos da tutela recursal, para suspender o procedimento preparatório à adoção até o julgamento definitivo do recurso e, no mérito, a reforma da sentença para o fim da ação ser julgada improcedente. Pede o provimento do recurso.

Intimado, o Ministério Público apresentou contrarrazões pugnando pelo desprovimento do recurso.

Com vista dos autos, a douta Procuradoria de Justiça lançou parecer opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Estou confirmando a r. sentença recorrida pelos seus próprios e jurídicos fundamentos.

Inicialmente, é importante salientar que a ação de destituição do poder familiar é um procedimento excepcional e grave, que somente é implementada quando não há condições de se manter os liames jurídicos entre pais e filhos, especialmente porque os efeitos da decisão poderão viabilizar a adoção como forma de inserção da criança ou adolescente em família substituta. E, por esse motivo em especial, a análise dos fatos exige sempre uma análise cuidadosa.

No caso em tela, verifica-se, com clareza, a difícil situação pessoal vivida pela genitora e a sua inaptidão para atender as necessidades do filho DAVID A. S., nascido em 30 de março de 2019, Evento 1 - PROCADM2, fls. 13, dos autos originários.

Como é sabido, os filhos não são propriedade dos pais e o poder familiar dos genitores deve ser exercido de forma a protegê-los e promover-lhes a educação, o que se deve interpretar da forma mais abrangente possível, compreendendo aspectos de saúde, higiene, educação, lazer, desenvolvimento pessoal, intelectual e afetivo. Mas, no caso em exame, tais obrigações foram totalmente descuradas.

Os autos dão conta que a recorrente CAUANA A. S. é dependente química, além de apresentar transtornos mentais associados, não tendo apresentado condições de se organizar para reaver a guarda do filho, restando claro nos autos que o filho foi tratado com desinteresse e negligência, sem receber os cuidados mínimos, sendo relegado a uma condição de abandono e a uma situação de risco, até ser abrigado, merecendo destaque que a recorrente é mãe de outros dois filhos que se encontram sob a guarda dos genitores respectivos.

Ademais, a recorrente não cumpriu o acordado com a equipe técnica do acolhimento, pois injustificadamente não comparecia às visitações agendadas para visitação ao filho no abrigo.

Assim, a destituição do poder familiar mostra-se não só adequada mas necessária para que o infante tenha condições de bem se desenvolver de forma saudável e possa vir a ter uma vida com um dignidade.

Ademais, saliento que resta evidenciada a impossibilidade de se inserir DAVID em outro ambiente, dentro da família extensa, o impõe a busca da possibilidade mais vantajosa para a formação e o desenvolvimento do infante, porquanto esse é o bem jurídico mais relevante a ser preservado.

Com tais considerações, estou acolhendo os argumentos expostos a exaustão pelo ilustre JUIZ DE DIREITO DANIEL ENGLERT BARBOSA, que peço vênia para transcrever, in verbis:

FUNDAMENTAÇÃO

Conforme referido, a presente demanda foi ajuizada visando à decretação da perda do poder familiar da demandada em relação ao filho David, ante a alegação de ausência de condições de exercer os cuidados do menino, em decorrência de negligência, maus tratos, questões de problemas de saúde, estando o menino em residência insalubre, com a genitora e a avó, com alegaçaõ de que são dependentes químicas. Também veio relato de que a mãe perdeu a guarda dos dois filhos mais velhos.

De acordo com a regra contida no artigo 24 do ECA, a perda ou suspensão do poder familiar será decretada judicialmente, em procedimento contraditório e nos casos previstos na legislação civil, mais precisamente nos artigos 1.634/1.638 do Código Civil, como também nas hipóteses de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações contidos no artigo 22 do ECA.

Ainda, nos termos do artigo 5º do referido diploma legal, nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Da análise do contexto probatório, verifica-se que restou evidenciado que a ré, embora tenha amor pelo filho, efetivamente não reúne condições para o exercício do poder familiar, uma vez que descumpriu os deveres a ele inerentes.

Saliento que o acolhimento do menino ocorreu em 30/12/2020 e, desde lá, tem-se tentado verificar as condições da genitora para recebê-lo de volta, que é a prioridade legal. Entretanto, nenhuma equipe que examinou o caso, de dentro do Judiciário ou externa, entendeu ser possível esse retorno.

Vejamos as razões.

Na documentação juntada, verifica-se que, segundo relatos da Assistência Social do Hospital, quando do nascimento do menino, na data de 30/03/19, a genitora relatou que fez uso de substâcia psicoativa durante a gestação, porém estava fazendo tratamento para a drogadição, tendo parado com o uso e referiu ter apoio da sua mãe que lhe acompanhou na internação. Foi dada alta do bebê condicionada a aplicação de medida no Conselho Tutelar junto a família para fins de tratamento da mãe na rede de saúde mental e acompanhamento (evento nº 1 - PROCADM02).

O menino foi acolhido na data de 30/12/20, de forma emergencial pelo Conselho Tutelar, em razão de negligência, maus tratos e questões de saúde. Refere que a genitora e a avó materna eram dependentes químicas e a residência seria insalubre e que a genitora tinha sido destituída dos outros dois filhos (evento nº 1 – PROCADM02).

A equipe técnica da época, no PIA acostado aos autos (evento nº 1 – PROCADM02), referiu que o menino chegou ao acolhimento em péssimo estado de higiene, muito choroso. No PIA traz os relatos mais aprofundados do Conselho Tutelar, que referiu que, em agosto de 2020, houve denúncia de que o menino pedia comida nos apartamentos vizinhos do prédio, além de que a mãe e a avó seriam dependentes químicas e que a criança chorava muito. O CT notificou a genitora.

No mesmo PIA, foi referido que, após o relatado acima, o CT realizou visita domiciliar e constatou que a criança estava com pediculose e a encaminharam ao Posto Modelo, local em que foi constatado, em avaliação médica, muita falta de higiene e problemas no desenvolvimento da criança. Naquela data não conseguiram adentrar na casa da família. Em 30/12/20 conseguiram adentrar na residência, tendo sido verificado que o local era totalmente insalubre, com muito lixo e coisas amontadas, momento em que efetuaram o acolhimento emergencial do infante.

A equipe técnica do abrigo anterior, em visita domiciliar, verificou as condições da residência da genitora e constatou continuarem insalubres, tendo sido sugerido a manutenção do acolhimento e o encaminhamento do menino para acolhimento de médio a longo prazo. O menino foi transferido para o Programa Família Acolhedora (evento nº 01 - – PROCADM05).

No processo de acolhimento foi realizada a avaliação social com a genitora pela ASJ, na data de 17/05/21, na qual se concluiu que a genitora possui inconsistências em relação ao empenho que estaria fazendo para reaver a guarda do filho, abaixo transcrevo a conclusão da ASJ no respectivo laudo (evento nº 01 – PROCADM6/PROCADM7):

(…) Trata-se de avaliação da situação familiar de David A. S., atualmente com dois (2) anos de idade.

Verifica-se que David, ao ser acolhido, residia em companhia da genitora – Cauana A. S. – e da avó materna – Adriana S. – ambas dependentes químicas. Adriana S., neste momento, está internada no Hospital Espírita após crises que, segundo a filha, teriam sido de grave agressão e que atentaram contra sua vida.

Em relação a mãe, verifica-se inconsistências em relação ao empenho que estaria fazendo para reaver a guarda do filho. Observa-se que David está em situação de acolhimento há, aproximadamente, cinco (5) meses, sem que se identifique avanços nas condições da genitora. Embora Cauana se declare abstinente do uso de substâncias desde o acolhimento de David, os relatos indicam que ela não conseguiu, até o momento, se vincular a nenhum tipo de tratamento que possa lhe garantir efetivo suporte.

Para além da questão de saúde, os relatos trazem indicadores de conflitos intrafamiliares importantes entre a mãe e a avó, além de instabilidade socioeconômica, expressa por dívidas de grande vulto que poderão repercutir, inclusive, na perda da moradia.

Do ponto de vista social, portanto, a situação aponta para prognóstico reservado quanto a viabilidade do retorno de David ao lar, à curto ou médio prazo.

Além disso, aponta-se para a informação contida no relatório do...

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