Acórdão nº 50622353920228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 12-05-2022

Data de Julgamento12 Maio 2022
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus
Número do processo50622353920228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002110866
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Habeas Corpus (Câmara) Nº 5062235-39.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Fraude processual (art. 347)

RELATOR: Desembargador ROGERIO GESTA LEAL

PACIENTE/IMPETRANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

IMPETRADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus preventivo, com pedido liminar, em favor de José Maria Arnt Fernandez, em face da decisão proferida pelo MM. Juízo da 15ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca de Porto Alegre/RS, que rejeitou a arguição defensiva relativa à prescrição da pretensão punitiva, mantendo o incidente de insanidade mental contra o denunciado e autorizando a internação deste para fins de realização da perícia, no Instituto Psiquiátrico Forense - IPF.

A impetrante alegou que está prescrito o delito do art. 299, caput, do CP, apontando que o fato delituoso ocorreu em outubro de 2014, sendo que a denúncia foi recebida em setembro de 2017. Assim, desde a data do fato, transcorreram 7 (sete) anos e 3 (três) meses, sendo que a prescrição prevista é de 4 (quatro) anos em razão da pena a ser cominada - 1 (um) ano, dadas as condições pessoais favoráveis do denunciado, e não o prazo de 12 (doze) anos, como pretende impor o Ministério Público. Tocante à autorização de internação provisória do réu, com base no art. 150, do CPP, assevera que somente tem cabimento em crimes de natureza grave, onde o perito reconhece o risco a si ou a outrem. Afirmou que o paciente é interditado, conforme apurado recentemente no processo nº 5003998.42.2020.8.21.2001, com sentença transitada em julgado, não havendo dúvida da sua incapacidade, inclusive está licenciado dos quadros da OAB, seguindo tratamento em sua residência, sob a guarda de sua Curadora. Asseverou que uma nova internação lhe será vexatória, causando-lhe constrangimento, e que não poderá auferir a sua capacidade à época do ilícito, em outubro de 2014. Entende, assim, desnecessária a internação, bem como o próprio incidente de insanidade mental instaurado. Requereu o deferimento da liminar, para suspender os efeitos da ordem de internação e do próprio incidente de insanidade mental e que seja reconhecida a prescrição da pretensão punitiva, em face da prescrição.

Liminar concedida em parte, suspendendo, até julgamento final do presente writ, a autorização para a internação do paciente para fins de perícia.

Informações prestadas.

Sobreveio parecer de lavra do Dr. Heriberto Roos Maciel, opinando a Procuradoria de Justiça no sentido da concessão parcial da ordem, cassando-se a decisão no ponto em que determinou a internação do paciente.

VOTO

Ao receber o feito deferi parcialmente o pedido liminar, para o efeito de suspender a determinação de internação provisória do paciente no Instituto-Psiquiátrico Forense para fins da elaboração do exame médico-legal, por não constar dos autos a necessidade da medida, decisão que ora ratifico, em caráter definitivo:

Inicialmente, colhe-se que o paciente foi denunciado pela suposta prática do crime previsto no art. 299, caput, do CP, assim narrando a exordial (ação penal - processo sob o nº 5014847-98.2016.8.21.0001/RS):

“..entre os dias 01 e 09 de outubro de 2014, na Av Carlos Gomes n. 222, 8º andar, Bairro Boa Vista, nesta Capital, o denunciado Jose Mara Arnt Fernandez inseriu declaração falsa, com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, ao adulterar contrato de financiamento bancário para fazer constar taxas de juros diversas das que constavam em contrato original (...)

O denunciado, que é advogado, foi contratado (contrato de honorários das fls. 113/114) por SAMUEL SILVEIRA DE ALMEIDA para ajuizar ação de revisão de dívida de financiamento bancário tomado para aquisição de veículo junto ao Banco Santander. Sem a ciência de seu cliente, o denunciado, dolosamente, com o intuito de fraudar a verdade, alterou o contrato, fazendo constar juros mensais de 4,6968% (em vez de 1,67% do contrato original). Alterou, outrossim, também a taxa de vencimento da primeira parcela para 01/08/2013 (no original 21/07/2013).

A ação (Processo nº 001/1140276475-9), conforme informação anexa, foi ajuizada em 09/10/2014, no Foro Regional do Sarandi. Com tal proceder, o acusado obteve, liminarmente, a manutenção do cliente na posse do bem - o veículo VWGol, ano 2009, fabricação 2008, cor vermelha e placas IPA5931 - e a proibição de inscrição do nome do cliente em órgãos de restrição ao crédito em decisão monocrática em Agravo de Instrumento (fls. 54v/57). No entanto, em julgamento de novo Agravo de Instrumento, contra a referida decisão, detectou-se (fls. 67/70v) que havia total diferença entre o contrato apresentado pelo autor da ação (documento da fl. 58), através da manobra do denunciado, e aquele da instituição financeira (documento da fl. 22).

Cópias do feito foram remetidas ao Ministério Público, culminando com a requisição de inquérito policial.

O denunciado foi ouvido pela autoridade policial (fl. 111), assistido por advogado, ocasião em que admitiu ter alterado as taxas de juros que constavam no contrato do seu cliente, a fim de beneficiá-lo".

A denúncia foi recebida em 04.09.2017 (AP - evento 3, procjudic6, p. 28). Após diversas diligências, sobreveio a manifestação da procuradora legal do réu, informando da sua interdição para os atos da vida civil, com sentença transitada em julgado em 19.10.2021, requerendo a extinção do feito criminal em razão da interdição do acusado (AP - evento 16). Oportunizada vista ao Ministério Público, o MM. Juízo de Direito da 15ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, em decisão proferida em 20.12.2021, determinou a instauração do incidente de insanidade mental para aferição da imputabilidade do réu (AP - evento 24, DOC1), embasando a sua decisão nos seguintes fundamentos:

"(...)

Inicialmente, cabe destacar que não se vislumbra, dos presentes autos, hipóteses para o arquivamento do feito, pois a denúncia preencheu os requisitos de admissibilidade previstos no artigo 41 e também não foram vislumbradas as hipóteses de absolvição sumária previstas no artigo 397 do Código de Processo Penal.

Por outro lado, assiste razão ao Ministério Público ao pontuar a independência relativa das esferas judiciais de modo que, no processo penal brasileiro, existe instituto próprio para a verificação da inimputabilidade ou semi-imputabilidade, de modo que eventual sentença prolatada na esfera cível não vincula o juízo criminal no deslinde do processo que investiga a ocorrência de delito, sobretudo considerando que a prolação da decisão se deu muitos anos depois dos fatos apurados no presente feito.

Ressalto, no ponto, que o artigo 26 do Código Penal, determina que a "doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado" para que enseje a isenção de pena - o que parece ser o pretendido pela curadora ao requerer o arquivamento do feito, deve ser verificada "ao tempo da ação e da omissão".

Assim, com base no artigo 149 do Código de Processo Penal, determino a instauração de incidente de insanidade mental, em autos apartados, nos termos do artigo 153 do Código de Processo Penal, nomeando, desde já, como curadora, neste feito, a mesma nomeada nos autos do processo de curatela, Janaina Giozza Avila, nos termos do artigo 149, § 2º, do Código de Processo Penal.

Dê-se vista ao Ministério Público para que diga se pretende sejam...

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