Acórdão nº 50628897620198210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 05-05-2022

Data de Julgamento05 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50628897620198210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001156674
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5062889-76.2019.8.21.0001/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5062889-76.2019.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Abandono Material

RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Reporto-me ao relatório do parecer constante no evento 16:

Trata-se de recurso de apelação interposto por JÉSSICA e LUCAS contra sentença da 2ª Vara do Juizado da Infância e Juventude da Comarca de Porto Alegre que, nos autos da AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, julgou procedente o pedido para destituir os requeridos do poder familiar em relação à filha Ana Luiza (evento 3 PROCJUDIC4, folhas 42/43 - origem).

Em seu apelo (evento 3 PROCJUDIC4, folhas 47/50 e PROCJUDIC5, fls. 01/03 - origem), os recorrentes argumentam que, em que pese não demonstrarem condições momentâneas de exercer os cuidados da menor Ana Luiza, não há sentido prático ou lógica alguma em destituí-los do poder familiar se a criança permanece aos cuidados da família extensa (com o avô). Aduzem que, constatado o vínculo existente entre eles, é evidente que a decisão não trará absolutamente nenhum benefício a Ana Luiza, tratando-se de medida extrema e desnecessária. Acrescentam que a reclusão do recorrente Lucas não deve ser traduzida como fator preponderante para a perda do poder familiar, pois não teve ânimo de abandonar a filha, cujo afastamento ocorreu por força imperiosa, não se podendo confundir inaptidão para o exercício dos deveres parentais com eventual inaptidão momentânea para assumir os cuidados cotidianos da criança. Requerem o provimento do apelo julgando-se improcedente o pedido ou, subsidiariamente, manter a suspensão do poder familiar determinada na origem.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 3 PROCJUDIC5, fls. 05/08 - origem), sendo mantida a sentença na origem (evento 3 PROCJUDIC5, folha 10 - origem).

Acolhendo sugestão desta Procuradora de Justiça (evento 7), o eminente Relator, Des. Luiz Felipe Brasil Santos, determinou o retorno dos autos à origem para realização de estudo social com o avô paterno da menor, que detém a guarda da infante, e com os genitores (evento 9).

Com a vinda do laudo (evento 11), retornaram os autos com vista à Procuradoria de Justiça Cível.

O parecer é pelo parcial provimento, para suspender, por prazo indeterminado, o poder familiar dos demandados em relação à filha ANA, "com vistas a elucidar oportunamente a manutenção do vínculo com a avó materna, com aplicação de medidas de proteção"

É o relatório.

VOTO

A ação de destituição do poder familiar dos apelantes em relação à infante ANA LUIZA, nascida em 29.10.2017, foi ajuizada em junho de 2019, em face da notícia da equipe técnica do Hospital São Lucas da PUC/RS, de que (1) a menina havia sido internada naquela instituição, após busca por atendimento emergencial por parte da avó paterna; (2) atendida pelo Serviço Social, por estar constantemente desacompanhada durante a internação, o avô paterno se responsabilizou pelos cuidados da menor após sua alta hospitalar; (3) a genitora, perante o Serviço Social daquele hospital, referiu não estar residindo com a filha desde março de 2019, não sabendo nem sequer o motivo pelo qual estavam atrasadas as vacinas na menor; (4) em internação anterior, na UTI Pediátrica daquele hospital, a menor permaneceu desacompanhada; (5) após sua alta da UTI Pediátrica, a genitora demonstrou relutância em permanecer no hospital, tendo o avô paterno assumido os cuidados da neta.

Após alta da infante, foi determinado seu acolhimento institucional , em 20.02.2019 (processo nº 001/5.19.0001417-3 - vide evento 3 - PROCJUDIC1, fl. 22).

Conforme informa a em. PROCURADORA DE JUSTIÇA MARCIA LEAL ZANOTTO FARINA, o avó paterno, PAULO R., ajuizou ação de guarda (processo nº 001/5.19.000368-2), onde, em 17.12.2019, foi proferida a seguinte decisão:

“Vistos, Considerando o êxito da experiência familiar da criança com o avô Paulo Roberto de Souza Cardozo, tendo sido deferida a sua guarda para o respectivo avô e determinado o seu desligamento do espaço de acolhimento no processo de acolhimento apenso, entendo que a presente ação de guarda perdeu o seu objeto. Assim, JULGO extinto o presente feito, com fulcro no art. 485, VI, do Código de Processo Civil. Intimem-se. Após, arquive-se com baixa

O demandado estava preso na Cadeia Pública de Porto Alegre quando citado (evento 3 - PROCJUDIC2, fl. 34). A demandada, não localizada, foi citada por edital (evento 3 - PROCJUDIC3, fl. 03).

A Defensoria Pública, na qualidade de curador especial dos demandados, apresentou contestação, em peças apartadas, por negativa geral.

Assim, como se vê, os apelantes não demonstraram mínima aptidão para o exercício do poder familiar. Pelo contrário, a prova carreada aponta em sentido bem diverso, como bem analisou a em. Promotora de Justiça Maria Augusta Menz, em alegações finais:

O pleito reside no fato de que os genitores não são aptos a exercer o papel protetivo da menina Ana Luiza, diagnosticada com significativas questões de saúde que necessitam de acompanhamento especializado.

O laudo social produzido nos autos da ação de acolhimento tombado pelo n. 001/5190001417-3 relata que o Serviço Social do Hospital São Lucas, onde Ana Luiza estava internada no momento, foi acionado porque o calendário vacinal da menina estava atrasado e o acompanhamento ambulatorial que ela necessitava não estava sendo cumprido.

Ainda, refere o laudo que o pai se mostra ausente e a mãe apresenta pouca vinculação com a menina, inclusive sendo relatado comportamento de risco e envolvimento com tráfico.

A menina necessita de acompanhamentos especializados devido ao seu grave estado de saúde, e em entrevista domiciliar a avó demonstrou pouco conhecimento e comprometimento acerca das necessidades da criança. O serviço social se preocupou com a postura da avó, a qual havia fugido do hospital com a criança e se negado a realizar um dos exames que a menina precisava, visto que o acompanhamento ambulatorial de Ana Luiza é essencial para a sua estabilidade.

No tocante à genitora, o parecer psicológico relata que esta é uma pessoa de grande instabilidade emocional e que não apresenta recursos objetivos e subjetivos para dar conta integralmente da maternagem.

Em novo laudo social produzido, consta que as visitas ao abrigo são escassas pelos genitores e que estes demonstram imaturidade para os cuidados com a filha, que demanda extensos cuidados de saúde. Ainda, concluiu-se que o pai não manifesta condições para assumir seu papel, porquanto apresenta comportamento omisso e ausência de motivação e vínculo com a filha.

Em audiência realizada no dia 14/10/2020, o réu referiu que se encontra pela segunda vez em prisão provisória na cadeia pública de Porto Alegre e que já fez uso de drogas.

A assistente social do espaço de acolhimento NAR Leste, Maia Del Pilar Solana, questionada acerca do motivo do acolhimento, informou que ocorreu por motivo de negligência, principalmente materna, todavia, narra que ambos os genitores se ausentaram durante longa internação da filha no Hospital São Lucas após seu nascimento. Além disso, ela refere que os genitores não tinham frequência de visitas ao abrigo, somente os avós, bem como que o genitor inicialmente não comparecia às solicitações do espaço de acolhimento para acompanhamento psicológico e social.

Ademais, Laerce Prediger, enfermeira do NAR Leste, confirmou situação importante de saúde de Ana Luiza, a qual frequentemente precisa ser internada devido as suas graves crises de asma.

O educador físico do abrigo NAR Leste, Eduardo Meurer, referiu que em visitas domiciliares que realizou à casa do avô paterno Paulo, com quem Ana Luiza atualmente reside, teve a percepção de que Lucas não possui moradia fixa, passando apenas temporadas com o pai, assim como afirmou que este nunca realizou visitas frequentes à filha enquanto estava acolhida.

Ainda na referida audiência, Carlos Nique de Azevedo, psicólogo do NAR Leste, informou na mesma solenidade que os genitores sempre se demonstraram muito dependentes dos pais e muito imaturos, além de serem omissos quanto aos compromissos financeiros e médicos de Ana Luiza, terceirizado seus cuidados desde o dia do seu nascimento.

Contudo, acolhendo sugestão do Ministério Público nesta instância, determinei o retorno dos autos à origem, para que fosse realizado estudo social com o avô paterno da menor, o qual detém sua guarda, e com os genitores, se possível (evento).

O estudo social foi realizado somente com o avô paterno, sendo descrita a seguinte situação:

Foi realizada entrevista individual com o Sr. Paulo Roberto; informa ter 60 anos, estudou até a 6ª série do ensino fundamental. Trabalha como pintor, no horário das 7:30 hs às 17:30 hs, durante a semana e em alguns finais de semana, declarando ter renda aproximada mensal de 2 mil reais. Recebe o auxílio emergencial no valor de 200 reais ao mês.

Com ele reside sua genitora, Sra. Tereza de 87 anos, aposentada, sua neta Ana Luiza de 4 anos, os filhos Lucas de 21 anos (trabalha com ele) e Bruno de 25 anos, que trabalha em uma cooperativa. O núcleo familiar reside a 18 anos em uma residência própria, constituída por 3 quartos, 1 banheiro, 1 sala e 1 cozinha.

Questionado sobre os cuidados prestados à Ana Luiza, informa que a menina permanece na companhia da bisavó, sra. Tereza quando ele se ausenta para trabalhar; explica ter inscrito a neta em 3 creches, no entanto, não conseguiu vaga. Questionado sobre a situação de saúde de Ana Luiza, alega que ela “está melhor”(sic); a infante possui bronquite, fazendo uso contínuo uma vez ao dia do remédio...

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