Acórdão nº 50633435120228210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 08-02-2023

Data de Julgamento08 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50633435120228210001
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003239903
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5063343-51.2022.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: ICMS/ Imposto sobre Circulação de Mercadorias

RELATOR: Desembargador RICARDO TORRES HERMANN

APELANTE: PFIZER BRASIL LTDA (IMPETRANTE)

APELANTE: PFIZER BRASIL LTDA (IMPETRANTE)

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (INTERESSADO)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

PFIZER BRASIL LTDA. E SUA FILIAL (atual denominação social de WYETH INDÚSTRIA FARMACÊUTICA LTDA.) e ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL recorrem da apela da sentença que denegou a ordem nos autos do Mandado de Segurança impetrado contra ato do SUBSECRETÁRIO DA RECEITA ESTADUAL, cujos fundamentos transcrevo (EVENTO 29 - SENT1):

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5063343-51.2022.8.21.0001/RS

IMPETRANTE: WYETH INDUSTRIA FARMACEUTICA LTDA

IMPETRANTE: WYETH INDUSTRIA FARMACEUTICA LTDA

IMPETRADO: SUBSECRETÁRIO DA RECEITA ESTADUAL - ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - PORTO ALEGRE

SENTENÇA

Vistos.

Trata-se de mandado de segurança, com pedido liminar, impetrado por WYETH INDUSTRIA FARMACEUTICA LTDA contra suposto ato coator do SUBSECRETÁRIO DA RECEITA ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL, com o escopo de obter decisão judicial que reconheça a inexigibilidade da cobrança do diferencial de alíquota - DIFAL, instituído pela LC 190/2022, durante o exercício financeiro de 2022, em razão do dever de observância da anterioridade tributária (art. 150, III, da Constituição Federal). Pugnou, ainda, pela concessão de medida liminar para suspender a exigibilidade dos valores de DIFAL, durante o exercício financeiro de 2022.

Em síntese, narrou a parte demandante que estaria sujeita ao recolhimento do diferencial de alíquota de ICMS ao Fisco gaúcho. Asseverou que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do tema de repercussão geral n. 1.093, reconheceu a necessidade edição de Lei Complementar para a cobrança de DIFAL, firmando a seguinte tese: "A cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais". Contudo, alegou que a referida Lei Complementar (Lei Complementar nº 190/2022) foi publicada tão somente em 05/01/2022, portanto, no curso do exercício financeiro de 2022. Afirmou que, diante do disposto no art. 150, inciso III, alíneas "b" e "c", da Constituição Federal, a exigibilidade das cobranças de DIFAL deve observar a regra da anterioridade anual e nonagesimal. Nesse contexto, sustentou a inexigibilidade do DIFAL durante o exercício financeiro de 2022. Ao final, requereu o reconhecimento do direito líquido e certo de não se submeter ao recolhimento do DIFAL sobre fatos geradores ocorridos no exercício financeiro de 2022.

O pedido liminar foi indeferido.

Notificada, a autoridade coatora prestou informações, sustentando, em síntese, que os princípios da anterioridade anual e nonagesimal não se aplicam à Lei Complementar nº 190/22. Alega que, "de acordo com o que restou decidido no Tema nº 1.094/STF, a partir do voto condutor do e. Ministro Alexandre de Moraes, publicada a lei complementar veiculadora de normas gerais (data da entrada em vigor), as leis estaduais que instituíram a exação passaram a ter eficácia imediata, não havendo espaço para a invocação das anterioridades nonagesimal e de exercício". Destacou que eventual interpretação e aplicação do art. 3º da Lei Complementar nº 190/2022, em sua parte final, como o Princípio Constitucional Tributário da Não Surpresa viola o pacto federativo, a competência tributária dos Estados e do Distrito Federal, bem como princípios constitucionais caros, tais quais a livre concorrência, a isonomia e a neutralidade tributária. Ao final, requereu a denegação da segurança.

O Ministério Público, em parecer, opinou pela denegação da segurança.

É o brevíssimo relatório.

Decido.

Inicialmente, destaco que o art. 1º da Lei 12.016/01 prevê a hipótese de concessão de mandado de segurança para a proteção de direito líquido e certo que, por ilegalidade ou abuso de poder, tiver sido violado ou estiver em vias de sofrer agressão.

Na definição de Hely Lopes Meirelles: o objeto do mandado de segurança será sempre a correção de ato ou omissão da autoridade, desde que ilegal e ofensivo de direito individual ou coletivo, líquido e certo, do impetrante” (Hely Lopes Meirelles in Mandado de Segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, habeas data, 15ª ed., Malheiros Editores Ltda., São Paulo, 1994, p. 2).

Considerando que a pretensão da parte demandante consiste em obter decisão judicial que reconheça a inexigibilidade da cobrança do diferencial de alíquota - DIFAL, não se pode olvidar que o Supremo Tribunal Federal, por maioria dos votos, julgou procedente o pedido formulado na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5469, declarando a inconstitucionalidade formal das cláusulas primeira, segunda, terceira, sexta e nona do Convênio n. 93/15. As normas declaradas inconstitucionais regulamentavam a cobrança do imposto nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS, localizado em outra unidade federada, uma vez que o acordo firmado entre as unidades federativas invadiu o campo próprio da lei complementar federal.

Naquela oportunidade, por maioria, o Supremo Tribunal Federal modulou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade das referidas cláusulas primeira, segunda, terceira, sexta e nona do convênio questionado para que a decisão produza efeitos, quanto à cláusula nona (a qual determina que exigência se aplica aos contribuintes optantes do Simples Nacional), desde a data da concessão da medida cautelar nos autos da ADI nº 5.464/DF e, quanto às cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta, a partir do exercício financeiro seguinte à conclusão deste julgamento, no ano de 2022, ficando ressalvadas da proposta de modulação as ações judiciais em curso.

Dessa forma, diante do entendimento exarado pelo STF, não há dúvida quanto à constitucionalidade das cobranças de DIFAL realizadas até 31/12/2021. Todavia, de acordo com a Suprema Corte, a partir de 01/01/2022, tal cobrança somente poderá ser efetuada depois de editada lei complementar.

Ocorre que a Lei Complementar n. 190/2022, editada para suprir o requisito constitucional exigido pelo STF, foi publicada em 05/01/2022, ou seja, no curso do exercício financeiro de 2022. Vale destacar que o próprio art. 3º da Lei Complementar determina que sua vigência deve observar as regras de anterioridade previstas na alínea "c" do inciso III da art. 150 da Constituição Federal:

Lei Complementar n. 190/2022

Art. 3º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, observado, quanto à produção de efeitos, o disposto na alínea "c" do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal.

Constituição Federal

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

III - cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

Pois bem. No caso em exame, ao contrário do entendimento apresentado na inicial, verifico que não há a instituição de novo tributo ou aumento de cobrança a ensejar a incidência das regras de anterioridade previstas no art. 150 da Constituição Federal. Isso porque, como já mencionado anteriormente, a matéria foi submetida a julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (tema 1093), no qual, diante da modulação de efeitos pro futuro, reconheceu, em natureza dúplice ou ambivalente, a constitucionalidade da cobrança até o final do ano de 2021.

Não se pode negar que a referida declaração proferida pelo Plenário da Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, dotada de eficácia vinculante (art. 927 do CPC), convalidou no ordenamento jurídico a cobrança do Diferencial de Alíquota de ICMS - DIFAL até dezembro de 2021. Logo, mostra-se desarrazoada a interpretação segundo a qual, até dezembro de 2021, o tributo era plenamente existente, válido e exigível e que, na sequência, passou a não mais existir no mundo jurídico, isso durante os 4 primeiros dias deste ano (de 01/01/2022 até 04/01/2022), voltando a ser instituído através da LC 190/2022, publicada em 05/01/2022, para ter incidência somente a partir do ano de 2023.

Ora, os termos da modulação de efeitos pro futuro, firmada pelo STF, fulminam, por inteiro, a alegação de que o DIFAL corresponderia a um tributo novo, inexistente ou estranho ao ordenamento jurídico. Pelo contrário, até dezembro de 2021 o tributo era notoriamente existente, válido e produzia efeitos, razão pela qual inúmeras operações realizadas até então, foram devidamente submetidas à incidência do DIFAL. Entendimento em sentido contrário só se sustenta sob a ótica de um formalismo excessivo, incompatível com o princípio da segurança jurídica, o qual também socorre aos interesses da Fazenda Pública.

Nesse sentido, ao apreciar o pedido de concessão de tutela antecipada no autos da ADI 7066, o Ministro...

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