Acórdão nº 50637627120228210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Criminal, 24-05-2023

Data de Julgamento24 Maio 2023
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Número do processo50637627120228210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003713103
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Recurso em Sentido Estrito Nº 5063762-71.2022.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Homicídio qualificado (art. 121, § 2º)

RELATORA: Desembargadora JANE MARIA KOHLER VIDAL

RECORRENTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

RECORRENTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

RECORRIDO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de recursos em sentido estrito interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e pela DEFENSORIA PÚBLICA em face, inicialmente, da decisão que desclassificou a conduta imputada ao acusado descrita no 1º fato da denúncia e de pronúncia proferida nos autos da ação penal.

Inicialmente, adoto o relatório lançado na decisão de pronúncia (evento 101, SENT1):

O Ministério Público, com base no Inquérito Policial nº 27/2022/200830/A, oriundo da 3ª DPHPP, ofereceu denúncia contra:

GUSTAVO SOUZA MENDES, vulgo “Cafu”, CPF 860.465.190-04, RG 8120760197, brasileiro, solteiro, nascido em 08.09.1996, com 25 anos de idade à época do fato, natural de Porto Alegre, RS, filho de Augusto Pereira Mendes e Teresinha de Lourdes Faller Souza, residente na Rua Alberto Seven Simon, Acesso 4, casa 24, Bairro Rubem Berta, em Porto Alegre, RS, atualmente recolhido na Cadeia Pública de Porto Alegre,

como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, incisos I (motivo torpe) e IV (uso de recurso que dificultou a defesa da vítima), na forma do artigo 14, inciso II, e do artigo 125, na forma do artigo 14, inciso II, ambos delitos com a incidência da agravante prevista no artigo 61, inciso II, inciso “j” (pandemia), e da agravante genérica prevista no artigo 61, inciso I (reincidência), todos do Código Penal, pela prática do seguinte fatos delituosos, assim descritos na denúncia:

FATOS 1 E 2: No dia 13 de março de 2022, por volta das 06 horas, na Rua das Figueiras, próximo ao nº 70, Bairro Rubem Berta, em Porto Alegre, RS, o denunciado GUSTAVO SOUZA MENDES, mediante golpes com instrumento contundente, tentou matar RENATA DA SILVA AQUINO, causando-lhe as lesões corporais descritas no Laudo de Lesão Corporal nº 64325/2022, anexo do Evento 24, que descreve, dentre outras informações, “na transição dorsal/lombar à esquerda (um), no ombro esquerdo lateralmente (um), no terço médio do braço esquerdo lateralmente (um), distalmente e lateralmente na coxa esquerda (um), distalmente e anteriormente na coxa direita (um), apresenta cinco aumentos circunscritos de volume em cor levemente violácea (hematomas) medindo cerca de cem milímetros por trinta milímetros, sessenta milímetros por quarenta milímetros, sessenta milímetros por vinte milímetros, cento e vinte milímetros por noventa milímetros e cento e dez milímetros por setenta milímetros, respectivamente” e, “distribuídos no antebraço esquerdo, observa-se quatro soluções de continuidade superficial (escoriações) que medem entre dez milímetros por um milímetro e setenta milímetros por um milímetro”, somente não consumando o desiderato criminoso por circunstâncias alheias à sua vontade, visto que, não logrou êxito em atingir a vítima em área vital, além do que houve a intervenção de terceiros, impedindo-o no prosseguimento das agressões, bem como a vítima recebeu pronto e eficaz atendimento médico-hospitalar.

Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar acima descritas, o denunciado GUSTAVO SOUZA MENDES, mediante golpes com instrumento contundente, tentou provocar aborto, sem o consentimento da gestante RENATA DA SILVA AQUINO.

Na ocasião, o acusado, ciente da condição de gestante da vítima RENATA, foi em sua direção na via pública e, com animus necandi e com animus abortus ou, no mínimo, assumindo o risco de causar-lhes o resultado morte (à vítima RENATA e ao feto), em razão do modus operandi, atingiu a vítima RENATA com vários golpes de instrumento contundente em diversas partes do corpo, na região do ventre, inclusive. A Polícia Militar foi acionada, providenciando o socorro à vítima e procedendo à prisão em flagrante do acusado.

O acusado cometeu o delito impelido por motivo torpe, em retaliação ao fato de a vítima RENATA ser namorada/companheira de VITÓRIA DE AQUINO DIAS, também vítima de tentativa de homicídio praticada, ainda que em tese, pelo acusado GUSTAVO e seu irmão DIOGO SOUZA MENDES, conforme processo criminal nº 001/2.19.0107542-5, atualmente em andamento na 4ª Vara do Júri de Porto Alegre, ação penal tombada no eproc sob o nº 5072415-67.2019.8.21.0001, pretendendo, com isso, fazer com que VITÓRIA não compareça na audiência.

O acusado cometeu o delito valendo-se de recurso que dificultou a defesa da vítima, visto que, previamente armado com instrumento contundente, surpreendendo-a, desferindo-lhe golpes, quando ela se encontrava gestante e desarmada.

O acusado cometeu o delito durante a pandemia causada pelo COVID-19 (novo Coronavírus), de conhecimento dele, em razão da ampla divulgação pelo Poder Público, pela imprensa e pelas mídias sociais, em ocasião de calamidade pública, portanto.

O acusado é reincidente, consoante certidão de antecedentes criminais do Evento 4.”

O acusado foi preso em flagrante (processo 5037379-56.2022.8.21.0001/RS, evento 1, DOC1) que restou homologado, mesma oportunidade em que foi convertida em prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem pública (processo 5037379-56.2022.8.21.0001/RS, evento 9, DOC1).

A denúncia foi recebida em 29.04.2022 (evento 12, DESPADEC1).

O acusado foi citado (evento 21, CERTGM1) e a Defesa Pública apresentou resposta à acusação requerendo a revogação da prisão preventiva, a atualização dos antecedentes infracionais e criminais da vítima e a oitiva de uma testemunha relacionada (evento 25, DEFESA PRÉVIA1).

Ratificado o recebimento da denúncia e mantida a prisão preventiva do acusado (evento 36, DOC1).

Durante a instrução foi inquirida a vítima RENATA DA SILVA AQUINO, as testemunhas de Acusação CAMILA PEREIRA MAIOLI, GILSON FERNANDO DOS NASCIMENTO (evento 65, ATA1) e VITÓRIA DE AQUINO DIAS e a testemunha de Defesa NICOLE COSTA SEVERO (evento 91, ATA1). Após, o acusado interrogado oportunidade em que negou a intenção de matar a ofendida (evento 91, ATA1).

Declarada encerrada a instrução, o Ministério Público apresentou memoriais, requerendo a pronúncia do acusado nos termos da denúncia (evento 95, MEMORIAIS1).

A Defesa, por sua vez, requereu a desclassificação das condutas para outra que não dolosa contra a vida e, subsidiariamente, postulou o afastamento das qualificadoras (evento 99, MEMORIAIS1).

É o relatório. Decido.

Sobreveio decisão de pronúncia, submetendo o acusado ao julgamento pelo Tribunal do Júri, como incurso nas sanções do art. 125 do Código Penal, na forma do art. 14, inciso II, ambos do Código Penal; ademais, sobreveio decisão que desclassificou a conduta imputada ao acusado descrita no 1º fato da denúncia, com fundamento no art. 419 do Código de Processo Penal, para outro que não doloso contra a vida, tipificado no art. 129, §1º, inciso IV, do Código Penal.

Inconformada, a acusação apresentou recurso em sentido estrito. Em suas razões recursais, inicialmente, aduziu que a decisão que desclassificou o delito em relação ao 1º fato da denúncia está equivocada, pois o crime de homicídio só não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade. Relatou que o réu alegou que não lembrava de ter agredido a vítima em razão do consumo de bebida alcoólica, bem como por ter ocorrido briga envolvendo várias pessoas, porém não há provas que afastem sem sombra de dúvidas a responsabilidade do acusado pelos crimes cometidos. Por fim, requereu que seja provido o recurso para que seja reformada a decisão que desclassificou a imputação de tentativa de homicídio descrita no 1º fato da denúncia para outro crime que não doloso contra a vida, sendo o recorrido pronunciado nos exatos termos da denúncia (evento 127, RAZRECUR1).

Inconformada, a defesa também apresentou recurso em sentido estrito. Em suas razões recursais, requereu a reforma da sentença de pronúncia, com a desclassificação da conduta para crime de competência diversa da que possui o Tribunal do Júri, diante do acervo probatório apresentado, assim como da utilização de forma banal do dolo eventual. Nessa seara, solicitou o provimento do recurso para fins de desclassificar a conduta narrada no 2º fato da denúncia para crime não doloso contra a vida (evento 133, RAZRECUR1).

As contrarrazões defensivas foram apresentadas (evento 134, CONTRAZ1).

As contrarrazões ministeriais foram apresentadas (evento 137, CONTRAZ1).

Em juízo de retratação, a decisão de pronúncia foi mantida (evento 139, DESPADEC1).

Neste grau de jurisdição, o Ministério Público apresentou parecer, opinando pelo conhecimento dos recursos, pelo improvimento do recurso defensivo e pelo provimento do recurso ministerial (evento 8, PROMOÇÃO1).

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço dos recursos.

Pretende a acusação, em síntese, a reforma da decisão que desclassificou a imputação de tentativa de homicídio descrita no 1º fato da denúncia para outro crime que não doloso contra a vida, sendo o recorrido pronunciado nos exatos termos da denúncia. Outrossim, pretende a defesa, sem síntese, a reforma da sentença de pronúncia para fins de desclassificar a conduta narrada no 2º fato da denúncia para crime não doloso contra a vida.

Adianto que as insurgências não prosperam.

Inicialmente, destaco que, no procedimento relativo aos processos da competência do Tribunal do Júri, a fase do sumário da culpa funciona como juízo de prelibação. A cognição restringe-se à verificação da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

Oportuno transcrever o disposto no art. 413 do Código de Processo Penal:

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da...

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