Acórdão nº 50640077120218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sexta Câmara Cível, 14-07-2022

Data de Julgamento14 Julho 2022
ÓrgãoDécima Sexta Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50640077120218217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001295701
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

16ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5064007-71.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Locação de imóvel

RELATORA: Desembargadora VIVIAN CRISTINA ANGONESE SPENGLER

AGRAVANTE: COMPANHIA ZAFFARI COMÉRCIO E INDÚSTRIA

AGRAVADO: DIGÍMER PRODUTOS DE INFORMÁTICA LTDA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por COMPANHIA ZAFFARI COMÉRCIO E INDÚSTRIA em face de decisão que, nos autos da ação de despejo por falta de pagamento proposta contra DIGIMER COMÉRCIO DE PRODUTOS DE INFORMÁTICA LTDA., indeferiu o pedido de tutela provisória de urgência (Evento 9 dos autos originais), nos seguintes termos:

Trata-se de ação de despejo por falta de pagamento com pedido de tutela antecipada de urgência para fins de desocupação liminar. A locação é não residencial e o fundamento da pretensão é exclusivamente a falta do pagamento dos locativos.

É o breve relatório. Decido.

É certa a possíbilidade de concessão da tutela antecipada de urgência nos casos em que preenchidos os requisitos estabelecidos no art. 300 do CPC, como medida excepcional ao regramento específico previsto na Lei n. 8.245/1991.

No caso concreto, ainda que o contrato e o inadimplemento tenham sido suficientemente demonstrados pelo autor, não se verifica excepcionalidade na hipótese a justificar a concessão da medida, que não se caracteriza simplesmente pelos alegados prejuízos decorrentes do não pagamento dos aluguéis.

Soma-se a isso, o fato de que a insurgência por meio da propositura da ação judicial em somente agora, decorridos mais de ano do termo inicial do inadimplemento, o que afasta a urgência do pedido. Além disso, o contrato é garantido por fiança, que foi prestada também para o pacto de confissão de dívida.

Assim, nas circunstâncias, é razoável garantir à ré o contraditório, assegurada a possibilidade de quitação do valores para fins de manutenção da locação, nos termos do que preceitua o art. 62, II, da Lei 8.245/91.

Diante do exposto, indefiro o pedido de tutela antecipada de urgência.

Em razões recursais, esclarece a parte agravante que a demanda é de despejo “puro”, ajuizada em 24/02/2021, visando apenas à imediata desocupação da loja comercial para interromper prejuízos e sem cobrança de qualquer valor. Sustenta que, não obstante os esforços com longas tratativas para alcançar uma composição no que tange à inadimplência da ré, que já ultrapassa o período de um ano e soma a quantia de R$ 807.294,77, “a situação ficou insustentável”, pois além de estar sofrendo os prejuízos decorrentes do não recebimento dos locativos da sala comercial n° 225, localizada no Bourbon Shopping Ipiranga, a locadora está tendo que aportar recursos para custear as despesas da demandada, tais como contas de energia, ar condicionado, IPTU e outras. Entende estarem preenchidos os requisitos ao deferimento da tutela provisória de urgência, no caso em tela, nos termos do art. 300 do CPC/2015, ou seja, a probabilidade do seu direito e o perigo de dano irreparável. Frisa que a requerida reconheceu expressamente a dívida locatícia mediante instrumento de confissão de dívida, além de estar sofrendo outras execuções, figurando como ré em diversas ações de despejo propostas pelos locadores Shopping Praia de Belas, Shopping Iguatemi, Loja Rua dos Andradas, Barra Shopping Sul, Bourbon Shopping Wallig, Bourbon Shopping Assis Brasil, Bourbon Shopping Novo Hamburgo, Bourbon Shopping São Leopoldo e Bourbon Shopping Moinhos. Aponta, por fim, que a garantia de fiança prestada tornou-se inócua diante do valor do débito, que é significativo e já superou doze meses de aluguéis, mostrando-se desnecessária a prestação de caução, conforme iterativa jurisprudência. Pugna pela concessão da tutela antecipada recursal, a fim de que seja determinada a imediata desocupação do bem imóvel locado e, ao final, pelo provimento do agravo.

Restou indeferido o pedido de antecipação de tutela recursal.

Sem contrarrazões, vieram conclusos os autos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, passo à análise do recurso.

Inicialmente, impende registrar que a carta “AR” de intimação da parte agravada para apresentar contrarrazões foi devolvida pelos Correios sem cumprimento em razão do seguinte motivo: “A entrega não pode ser efetuada. Cliente recusou-se a receber” (Evento 12).

Contudo, a recusa da parte requerida em receber a intimação para contrarrazoar o agravo não impede o julgamento do recurso no estado em que se encontra.

Aponto para entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido da prescindibilidade, nas hipóteses de antecipação de tutela, da intimação da parte contrária para oferecimento de resposta, conforme AgInt no AREsp 720.582/MG, in verbis:

PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INDISPONIBILIDADE DE BENS. INAUDITA ALTERA PARS. POSSIBILIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTIMAÇÃO PARA O OFERECIMENTO DE CONTRARRAZÕES. DESNECESSIDADE. RELAÇÃO PROCESSUAL AINDA NÃO FORMADA. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE OS ACÓRDÃOS CONFRONTADOS.

1. Os acórdão confrontados por ocasião da alegação de existência de divergência jurisprudencial não guardam similitude fática apta a amparar o provimento do recurso. Enquanto o acórdão recorrido tratou de matéria relativa à concessão de medida cautelar inaudita altera pars nos autos de ação de improbidade administrativa, o aresto colacionado para confronto (REsp nº 1.148.296/SP) cuidou de hipótese na qual já havia sido aperfeiçoada a triangulação jurídico-processual de ação ajuizada com o intuito de discutir a anulação de lançamentos tributários. 2. Nos casos em que o agravo de instrumento tem por objeto a concessão de medida liminar inaudita altera pars - tal como se verifica no presente recurso -, não existe obrigatoriedade de intimação da parte agravada para apresentar contrarrazões, porquanto a relação processual ainda não formada.

3. Em sendo possível a concessão de medida cautelar sem a prévia oitiva da parte contrária, não há óbice a que, em sede de agravo de instrumento, seja dado provimento ao recurso para o fim de conceder a medida restritiva, momento a partir do qual a parte prejudicada terá ciência do processo e estará habilitada a praticar os meios processuais cabíveis.

4. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp 720.582/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 08/06/2018)

Com tais considerações, passo ao exame do mérito recursal.

De acordo com a petição inicial, COMPANHIA ZAFFARI COMÉRCIO E INDÚSTRIA e DIGIMER COMÉRCIO DE PRODUTOS DE INFORMÁTICA LTDA. celebraram contrato de locação da sala de uso comercial n° 225 do Shopping Center “Bourbon Shopping Ipiranga”, o qual contempla o pagamento de “aluguel mínimo reajustável” que, a partir de 01/08/2014, passou a ser de R$ 27.090,35. Além do aluguel, a ré comprometeu-se a pagar “encargos comuns e contribuição para as promoções coletivas (Fundo de Promoções), além de despesas com consumo individual de energia elétrica, ar-condicionado e IPTU”. Como a requerida passou a descumprir seus deveres contratuais, deixando de pagar os locativos e demais encargos, as partes, em 25/09/2019, compuseram o débito e a locatária firmou “Contrato de Confissão de Dívida”, também assinado por seus fiadores. Entretanto, os valores objeto da composição do débito não foram adimplidos e, a partir de fevereiro de 2020, a ré deixou de pagar mês a mês os aluguéis devidos e os respectivos encargos. Até janeiro de 2021, a dívida, somada à multa moratória de 10% sobre a totalidade do quantum devido, atingia o montante de R$ 807.294,77. Aduz a demandante que “além de seguir explorando comercialmente o imóvel da autora sem pagar aluguel, a locatária ré está impondo que a autora assuma os custos da sua operação, o que não é de se admitir”. Como o valor da dívida ultrapassa em muito o débito, considera viável seja dispensada de oferecer caução para obter a determinação de despejo imediato da requerida. Pede, ao final, seja declarada a rescisão contratual e decretado o despejo da ré.

A exordial veio instruída com cópias do “Contrato de Locação Não Residencial e Outras Avenças do Bourbon Shopping – Ipiranga” e respectivos aditamentos contratuais, “Contrato de Confissão de Dívida” e memória discriminada e atualizada de débito (Evento 1, CONTR4 - CONTR7 e CALC8).

Vê-se que o “Contrato de Confissão de Dívida” foi celebrado entre as partes em 25/09/2019, ocasião em que a empresa locatária admitiu ser devedora da quantia de R$ 19.645,68, a ser paga em 12 parcelas de R$ 1.637,14, sendo a primeira parcela com vencimento em 15/11/2019 e a última com vencimento em 15/10/2020.

Extrai-se que, além de não ter pago as parcelas atinentes à confissão de dívida, vencidas a partir de 15/11/2019, a ré deixou de adimplir os aluguéis e encargos atinentes à locação da sala comercial no shopping referido vencidos a partir de 05/02/2020, totalizando o débito, na data da propositura da demanda (24/02/2021), R$ 807.294,77.

Quando indeferiu o pedido de tutela de urgência solicitado pela autora, o Magistrado considerou que, além de o contrato estar garantido por fiança, mostrava-se razoável garantir à requerida o contraditório e assegurar-lhe a possibilidade de quitação dos valores para manutenção da locação, na forma do que dispõe o art. 62, inc. II, da Lei n° 8.245/1991.

A requerida não purgou a mora no prazo previsto no art. 62, inc. II, da Lei n° 8.245/1991, tendo invocado, na contestação e reconvenção (Evento 29 dos autos originais), a crise provocada pela pandemia de COVID-2019 e as medidas de isolamento, dentre as quais o fechamento do comércio, para justificar seu...

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