Acórdão nº 50646384920208217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 04-02-2021

Data de Julgamento04 Fevereiro 2021
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo50646384920208217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20000491943
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5064638-49.2020.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Compra e venda

RELATOR: Desembargador EDUARDO JOAO LIMA COSTA

AGRAVANTE: COMPANHIA ULTRAGAZ S.A.

AGRAVADO: RESTAURANTE DI VARIANI LTDA

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto por COMPANHIA ULTRAGAZ S.A. contra a decisão que, nos autos da ação declaratória c/c indenização por danos morais n. 50005443320208210068, ajuizada por RESTAURANTE DI VARIANI LTDA., reconheceu a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e declarou abusiva a cláusula de eleição do foro.

Sustenta a parte agravante, em suma, que a parte agravada não é consumidora final do produto comercializado pela parte agravante, utilizando-o para sua própria atividade econômica.

Alega que não sendo a parte agravada consumidora final, não faz jus a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), sendo plenamente aplicável a cláusula de eleição de foro.

Refere que não há prova de que o restaurante é hipossuficiente financeiro, técnico ou juridicamente frente ao agravante.

Postula o conhecimento e provimento do recurso, fim de que se seja afastada a incidência do CDC e reconhecida válida a cláusula de eleição do foro em Curitiba/PR.

Recolhido o preparo.

Devidamente intimada, a parte agravada não ofertou contrarrazões (evento 14).

Vieram os autos conclusos.

VOTO

O recurso preenche os requisitos de admissibilidade.

Cuida o feito originário de ação anulatória c/c indenização por danos morais (evento 1 da origem - INIC1), na qual a parte autora RESTAURANTE DI VARIANI LTDA alega que o débito cobrado pela parte ré COMPANHIA ULTRAGAZ S.A. é indevido.

Conforme se colhe dos autos, as partes mantinham contrato (evento 10 da origem – CONTR5), no qual a parte ré COMPANHIA ULTRAGAZ S.A. fornecia gás liquefeito de petróleo (GLP) a parte autora RESTAURANTE DI VARIANI LTDA desde 18.11.1991, objeto de adendo em 29.06.2016 (evento 10 da origem - CONTR4), além de convencionarem empréstimo de equipamentos para armazenamento do gás, via contrato de comodato.

Segunda consta na exordial, diante do preço abusivo praticado pela empresa requerida, a parte autora notificou a parte ré de forma definitiva que não mais renovaria o contrato de fornecimento de GLP, o qual encerraria em 29.09.2019.

A parte autora, em suma, não se conforma com a multa que originou a inscrição indevida, pois alega que "houve descumprimento contratual por parte da requerida".

O feito foi ajuizado em São Sebastião do Caí/RS, onde localizado o restaurante autor (situada na RS-122, nº 13.505, KM 13,5, Bairro Angico).

Após arguição de incompetência, em contestação, diante do foro de eleição, sobreveio a seguinte decisão (evento 22 da origem):

Vistos.

No que se refere ao afastamento da claúsula de eleição do foro, em razão da aplicação o Código de Defesa do Consumidor no caso em apreço, tenho que, de acordo com a jurisprudência pacificada do Superior Tribunal de Justiça, em regra, apenas o destinatário final do produto, assim entendido o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, retirando-o de forma definitiva do mercado de consumo, seja pessoa física ou jurídica, é merecedor da proteção do Código de Defesa do Consumidor, excluindo-se, assim, o consumo intermediário, entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (preço final) de um novo bem ou serviço.

Entretanto, a Corte Especial, tomando por base o conceito de consumidor equiparado (art. 29 do CDC), vem admitindo uma aplicação mais flexível dessa definição de destinatário final, em determinadas hipóteses, frente às pessoas jurídicas adquirentes de um produto ou serviço, equiparando-as à condição de consumidoras, por apresentarem alguma vulnerabilidade em relação ao fornecedor (REsp. nº 1.195.642-RJ).

Paralelo a isso, para definição de quais relações estariam sujeitas à aplicação do Código de Defesa do Consumidor, observado ser toda a pessoa física ou jurídica destinatária final do produto ou do serviço, o entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça é pela aplicação da Teoria Finalista.

E, nessa senda, no tocante especificamente às pessoas jurídicas, tem-se remetido atenção ao Finalismo Aprofundado, corrente que admite que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, seja técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor).

No caso em comento, a parte autora trata-se de uma empresa optante pelo simples nacional, apresentando-se vulnerável frente ao demandado de modo técnico e fático. Logo, aplico o Código de Defesa do Consumidor para a hipótese dos autos.

Em consequência, afasto a cláusula de eleição do foro prevista na Cláusula 13 do contrato do Evento 10, CONTR5, Página 2, pois caso a autora seja obrigada a demandar em outro município, haverá uma restrição excessiva ao seu acesso ao Poder Judiciário, ao passo que, em razão da condição da requerente, não vislumbro prejuízo algum com a tramitação da ação nesta comarca, sede da demandante.

Assim, seguindo a linha traçada em precedentes jurisprudenciais e acolhendo o argumento da vulnerabilidade da autora frente à parte ré, reconheço a abusividade da cláusula de eleição de foro, mantendo a tramitação do feito nesta Comarca.

Intimem-se.

Diligências legais.

Pretende a parte ré COMPANHIA ULTRAGAZ S.A., ora agravante, a modificação da decisão que reconheceu a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e declarou inválida a cláusula de eleição do foro.

Importante consignar que a questão em tela se situa na fixação de competência do juízo, modo pelo qual é admissível o agravo de instrumento interposto, inclusive com base no princípio da taxatividade...

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